A razão dos trabalhadores

11-11-1997
marcar artigo

EM FOCO

5050 jobs for the boys

ou o anticlientelismo perverso de Guterres

Por Carlos Gonçalves

(...)"As duas principais razões que levaram à derrota do PSD foram a arrogância e o clientelismo. Dois pecados que o PS não pode repetir. No jobs for the boys." Assim dizia António Guterres ao "Público" em 15.10.95, dando corpo, juntamente com o "diálogo", ao que anunciava como imagem de marca e compromisso do governo PS. 19 meses depois o "diálogo" deu em arrogância e o anticlientelismo em perversão.

E, da extensa lista de promessas do PS a este respeito, vale a pena citar:

"(...) Assumiremos como objectivo inverter a tendência para a governamentalização, partidarização e instrumentalização clientelar de cargos, em especial do âmbito da Administração pública, onde a regra deverá ser a do concurso em vez da nomeação" (Programa eleitoral do PS).

"(...) Com o PS no Governo vai haver uma fortíssima redução das nomeações directas do Governo: E vai ser restablecido o concurso com júri, até ao nível de director-geral e mesmo até alguns directores gerais. Considero isso uma questão essencial para que o vosso (do PSD) clientelismo não se repita connosco" (António Guterres, RTP 1, 06.09.95).

"(...) Os lugares de directores de serviço e chefes de divisão, são lugares com características exclusivamente técnicas. Nunca podem ser preenchidos por razões de natureza política. Foi isso que partidarizou a Administração Pública. Para acabar de vez com essa situação, só há uma maneira de o fazer e nós não hesitamos: concursos públicos para desgovernamentalizar definitivamente a Administração Pública" (Jorge Coelho, A R, 24.05.96)

Os números do fartote

Como vemos pelo quadro anexo, o Governo PS, desde que entrou em funções até à data de 21.05.97, efectuou pelo menos 5050 nomeações sem qualquer concurso. É um fartote.

Na verdade já serão bem mais, dado o atraso de publicação em "Diário da República" e conforme confirmação dos Secretários de Estado dos Assuntos Fiscais e da Agricultura.

Foram assim ultrapassadas as 5000 nomeações que Fernando Nogueira admitiu que o PSD tinha efectuado e que Guterres verberou então justamente: "Nem pensar em 5000 por nomeação. É um escândalo." (SIC, 13/9/95).

Nestas 5050 nomeações incluem-se directores e subdirectores gerais, directores de serviço e chefes de divisão, outro pessoal com funções de direcção e afins, delegados dos serviços do Estado e membros de orgãos sociais de empresas públicas, num total de 2794.

Contam-se ainda 1314 membros de comissões e grupos de trabalho de apoio ao Governo e 942 membros dos gabinetes dos Ministros, Secretários de Estado, Governadores Civis e Altos Comissários.

Desde que em 20.03.97 foi aprovada a Lei da Revisão do Estatuto do Pessoal Dirigente da Função Pública, que determina que, com exclusão de directores e subdirectores gerais, membros dos gabinetes, comissões e grupos de trabalho, todo o pessoal seja escolhido por concurso, já houve mais 650 nomeações; umas 400 estariam sujeitas a concurso se a Lei fosse aplicada.

Mas o argumento da ausência de Lei, que o PS tem utilizado para nomear sem concurso, não tem qualquer seriedade.

A anterior legislação (DL 323/89) prevê a possibilidade de concursos e o PS no Governo só não os fez porque não quis..

Alguns exemplos

Só desde que foi aprovada a nova Lei o Secretário de Estado da Produção Agro-Alimentar já fez 59 nomeações, 56 teriam de ser por concurso.

Das 38 do Ministro da Cultura nas mesmas condições, 17 seriam por concurso.

Das 73 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, 63 seriam obrigadas a concurso.

E se o espírito da actual lei fosse aplicado desde o início pelo Governo PS, como seria legímo esperar, cerca de metade dos 5050 jobs teriam sido preenchidos por concurso.

Excluindo umas poucas dezenas de elementos indicados por entidades independentes do Governo para comissões ou grupos de trabalho, sobrariam ainda quase 2500 nomeados por opção dos governantes, eventualmente por critérios de confiança política.

Já não seria nada pouco, mas ao PS não bastou.

Os argumentos e o essencial

Confrontado com a denuncia da situação, o PS e o Governo têm esbracejado alguns pseudo argumentos.

Desde logo é falsa a "justificação" das reconduções de pessoal. Nem uma única recondução foi contada neste estudo. Nem quando isso configura uma clara nomeação política deste governo. Não está contado o Padre Feytor Pinto.

Não estão consideradas nomeações por períodos curtos ou que já cessaram, nem consta pessoal de apoio logístico.

Haverá concerteza transferências de outros serviços da Função Pública, escolhas por critérios de competência e não filiados no PS - nunca se disse o contrário. Mas foram sempre nomeações sem concurso.

Em muitos casos foram escolhas de critério partidário, como acontece nos Gabinetes e Comissões e com grande parte do pessoal de direcção, em que os não PS, ou não convertidos ao PS, não serão mais que a peninha no chapéu rosa.

Em todo este processo é evidente a lógica clientelar. que se assume nas diatribes de Jorge Coelho quando acusa o PCP da defesa do "Estado Laranja" e assim justifica o assalto rosa ao aparelho de Estado.

Havia de facto um "Estado Laranja" que foi começado a construir quando, no Governo do bloco central, PS e PSD se sentaram a dividir tachos e empresas públicas, e que o "cavaquismo" tornou omnipresente.

Mas a questão que se colocava ao PS no Governo era substituir os comissários políticos do PSD, pelo mínimo de pessoal de confiança política e pelo máximo de profissionais de competência comprovada em concursos transparentes.

Mas o PS escolheu o caminho contrário. Faltou às promessas e nomeou clientelas ou adquiriu-as ao PSD,

Prosseguiu as práticas que anteriormante repudiou, partidarizou e governamentalizou a Administração Pública e fê-lo na mesma lògica com que prossegue no essencial as mesmas políticas dos governos do PSD.

Assim, o Governo PS/Guterres, ao mesmo tempo que deixa claro que o regabofe das nomeações vai continuar, explicita que o seu anti-clientelismo de fachada é perverso, visando deixar aos governos futuros a obrigação de cumprir uma promessa e uma Lei que o PS não cumpre.

Ou talvez cumpra quando jà não lhe sobrar ninguém para nomear.

Nomeações feitas pelo XIII Governo

até 21/5/97

EM FOCO

5050 jobs for the boys

ou o anticlientelismo perverso de Guterres

Por Carlos Gonçalves

(...)"As duas principais razões que levaram à derrota do PSD foram a arrogância e o clientelismo. Dois pecados que o PS não pode repetir. No jobs for the boys." Assim dizia António Guterres ao "Público" em 15.10.95, dando corpo, juntamente com o "diálogo", ao que anunciava como imagem de marca e compromisso do governo PS. 19 meses depois o "diálogo" deu em arrogância e o anticlientelismo em perversão.

E, da extensa lista de promessas do PS a este respeito, vale a pena citar:

"(...) Assumiremos como objectivo inverter a tendência para a governamentalização, partidarização e instrumentalização clientelar de cargos, em especial do âmbito da Administração pública, onde a regra deverá ser a do concurso em vez da nomeação" (Programa eleitoral do PS).

"(...) Com o PS no Governo vai haver uma fortíssima redução das nomeações directas do Governo: E vai ser restablecido o concurso com júri, até ao nível de director-geral e mesmo até alguns directores gerais. Considero isso uma questão essencial para que o vosso (do PSD) clientelismo não se repita connosco" (António Guterres, RTP 1, 06.09.95).

"(...) Os lugares de directores de serviço e chefes de divisão, são lugares com características exclusivamente técnicas. Nunca podem ser preenchidos por razões de natureza política. Foi isso que partidarizou a Administração Pública. Para acabar de vez com essa situação, só há uma maneira de o fazer e nós não hesitamos: concursos públicos para desgovernamentalizar definitivamente a Administração Pública" (Jorge Coelho, A R, 24.05.96)

Os números do fartote

Como vemos pelo quadro anexo, o Governo PS, desde que entrou em funções até à data de 21.05.97, efectuou pelo menos 5050 nomeações sem qualquer concurso. É um fartote.

Na verdade já serão bem mais, dado o atraso de publicação em "Diário da República" e conforme confirmação dos Secretários de Estado dos Assuntos Fiscais e da Agricultura.

Foram assim ultrapassadas as 5000 nomeações que Fernando Nogueira admitiu que o PSD tinha efectuado e que Guterres verberou então justamente: "Nem pensar em 5000 por nomeação. É um escândalo." (SIC, 13/9/95).

Nestas 5050 nomeações incluem-se directores e subdirectores gerais, directores de serviço e chefes de divisão, outro pessoal com funções de direcção e afins, delegados dos serviços do Estado e membros de orgãos sociais de empresas públicas, num total de 2794.

Contam-se ainda 1314 membros de comissões e grupos de trabalho de apoio ao Governo e 942 membros dos gabinetes dos Ministros, Secretários de Estado, Governadores Civis e Altos Comissários.

Desde que em 20.03.97 foi aprovada a Lei da Revisão do Estatuto do Pessoal Dirigente da Função Pública, que determina que, com exclusão de directores e subdirectores gerais, membros dos gabinetes, comissões e grupos de trabalho, todo o pessoal seja escolhido por concurso, já houve mais 650 nomeações; umas 400 estariam sujeitas a concurso se a Lei fosse aplicada.

Mas o argumento da ausência de Lei, que o PS tem utilizado para nomear sem concurso, não tem qualquer seriedade.

A anterior legislação (DL 323/89) prevê a possibilidade de concursos e o PS no Governo só não os fez porque não quis..

Alguns exemplos

Só desde que foi aprovada a nova Lei o Secretário de Estado da Produção Agro-Alimentar já fez 59 nomeações, 56 teriam de ser por concurso.

Das 38 do Ministro da Cultura nas mesmas condições, 17 seriam por concurso.

Das 73 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, 63 seriam obrigadas a concurso.

E se o espírito da actual lei fosse aplicado desde o início pelo Governo PS, como seria legímo esperar, cerca de metade dos 5050 jobs teriam sido preenchidos por concurso.

Excluindo umas poucas dezenas de elementos indicados por entidades independentes do Governo para comissões ou grupos de trabalho, sobrariam ainda quase 2500 nomeados por opção dos governantes, eventualmente por critérios de confiança política.

Já não seria nada pouco, mas ao PS não bastou.

Os argumentos e o essencial

Confrontado com a denuncia da situação, o PS e o Governo têm esbracejado alguns pseudo argumentos.

Desde logo é falsa a "justificação" das reconduções de pessoal. Nem uma única recondução foi contada neste estudo. Nem quando isso configura uma clara nomeação política deste governo. Não está contado o Padre Feytor Pinto.

Não estão consideradas nomeações por períodos curtos ou que já cessaram, nem consta pessoal de apoio logístico.

Haverá concerteza transferências de outros serviços da Função Pública, escolhas por critérios de competência e não filiados no PS - nunca se disse o contrário. Mas foram sempre nomeações sem concurso.

Em muitos casos foram escolhas de critério partidário, como acontece nos Gabinetes e Comissões e com grande parte do pessoal de direcção, em que os não PS, ou não convertidos ao PS, não serão mais que a peninha no chapéu rosa.

Em todo este processo é evidente a lógica clientelar. que se assume nas diatribes de Jorge Coelho quando acusa o PCP da defesa do "Estado Laranja" e assim justifica o assalto rosa ao aparelho de Estado.

Havia de facto um "Estado Laranja" que foi começado a construir quando, no Governo do bloco central, PS e PSD se sentaram a dividir tachos e empresas públicas, e que o "cavaquismo" tornou omnipresente.

Mas a questão que se colocava ao PS no Governo era substituir os comissários políticos do PSD, pelo mínimo de pessoal de confiança política e pelo máximo de profissionais de competência comprovada em concursos transparentes.

Mas o PS escolheu o caminho contrário. Faltou às promessas e nomeou clientelas ou adquiriu-as ao PSD,

Prosseguiu as práticas que anteriormante repudiou, partidarizou e governamentalizou a Administração Pública e fê-lo na mesma lògica com que prossegue no essencial as mesmas políticas dos governos do PSD.

Assim, o Governo PS/Guterres, ao mesmo tempo que deixa claro que o regabofe das nomeações vai continuar, explicita que o seu anti-clientelismo de fachada é perverso, visando deixar aos governos futuros a obrigação de cumprir uma promessa e uma Lei que o PS não cumpre.

Ou talvez cumpra quando jà não lhe sobrar ninguém para nomear.

Nomeações feitas pelo XIII Governo

até 21/5/97

marcar artigo