Correio do Vouga

01-05-1997
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Liberalização do Aborto FERNANDO MARTINS A liberalização do aborto até às 12 semanas de gestação, defendida por dois projectos (JS e PCP), foi derrotada na Assembleia da República. Passou o projecto do socialista Strecht Monteiro que defende o aborto para malformações do feto ou doença grave nas primeiras 24 semanas, comprovadas ecograficamente. Na situação do feto inviável o mesmo projecto não estipula limite de tempo. Nos casos de perigo de vida para a mãe, a lei que propõe é igual à anterior, isto é, não há limite de prazo se constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde psíquica da mulher grávida. No caso de violação, há no projecto de Strecht Monteiro um alargamento até às 14 semanas e no caso de menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica, o alargamento vai até às primeiras 22 semanas. O médico Strecht Monteiro propõe a objecção de consciência para os médicos e penas até três anos de prisão para as grávidas que abortarem fora das situações previstas na lei, assim como serão punidos os que obrigarem a mulher a fazer o aborto.

O projecto da JS foi derrotado por um simples voto, numa clara demonstração das divisões existentes na Assembleia da República sobre a matéria. O projecto do PCP foi liminarmente derrotado por não se identificar com o maioritário pensar do Parlamento.

A questão da alteração da lei vigente sobre o aborto suscitou na Assembleia da República, organizações de vária ordem e povo em geral, alguma discussão, cada um defendendo os seus pontos de vista. A Igreja Católica, que, como facilmente se compreende, também tem uma posição definida, já que está em causa a vida, valor universal inestimável, não deixou de esclarecer os católicos e os homens de boa vontade sobre o assunto, manifestando-se duma maneira geral contra o aborto, salvo os casos excepcionais em que, para salvar a vida da mãe, o feto venha indirectamente a morrer. E a sua posição encontrou eco, como não podia deixar de ser, na Assembleia da República, ou não houvesse, como há, deputados que assumem a sua militância cristã e humanista. Houve, como seria de esperar, os que, não professando a fé católica, defendem o aborto como um qualquer assunto exclusivamente político, enquanto outros o remetiam para a consciência de cada um.

Das muitas intervenções, que não podemos deixar de respeitar em nome das liberdades responsáveis que defendemos, uma ou outra nos mereceu mais atenção, pelos valores e posições cristãs que defenderam e pela realidade concreta de todos os deputados representarem o povo português que tem como matriz o cristianismo, o que não será de desprezar. Diz, por exemplo, Maria José Nogueira Pinto: "Quiseram alguns convencer-nos de que deveríamos discutir e votar projectos apenas de acordo com a nossa coerência inicial. Nada mais falso. Aqui, cada um de nós representa milhares de portugueses. (...) Aqui, nenhum de nós deve ou pode apenas em nome individual, porque não foi nessa qualidade que aqui entrou nem nessa aqui poderia permanecer". Ora isto foi muito esquecido. A mesma deputada defendeu ainda, como, aliás, muitos outros defenderam, "melhores condições para as mulheres portuguesas terem os filhos que querem e não os filhos que lhe consentem".

Durante o debate na Assembleia da República e nos órgãos de comunicação social que dedicaram espaço ao assunto, sobressaiu a ideia de que houve a tentativa de atacar as consequências esquecendo as causas. Liberaliza-se o aborto, porque há muitos abortos clandestinos. A questão será outra. Será necessário estudar as causas para depois se descobrirem soluções. Eis a questão que tantos ignoraram. As causas económicas e sociais, nomeadamente a pobreza e a falta de habitação, o abandono da mulher e o desemprego, a falta de um planeamento familiar adequado e de uma educação sexual atempada e responsável, a inexistência de uma protecção justa à família e de apoio gratuito durante a gravidez, entre outras, deveriam ser razões de discussão durante o debate sobre o aborto. Tudo isto foi falado, mas nada daí saiu.

E o aborto, clandestino e não só, continuará, disso estamos certos. Infelizmente.

Liberalização do Aborto FERNANDO MARTINS A liberalização do aborto até às 12 semanas de gestação, defendida por dois projectos (JS e PCP), foi derrotada na Assembleia da República. Passou o projecto do socialista Strecht Monteiro que defende o aborto para malformações do feto ou doença grave nas primeiras 24 semanas, comprovadas ecograficamente. Na situação do feto inviável o mesmo projecto não estipula limite de tempo. Nos casos de perigo de vida para a mãe, a lei que propõe é igual à anterior, isto é, não há limite de prazo se constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde psíquica da mulher grávida. No caso de violação, há no projecto de Strecht Monteiro um alargamento até às 14 semanas e no caso de menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica, o alargamento vai até às primeiras 22 semanas. O médico Strecht Monteiro propõe a objecção de consciência para os médicos e penas até três anos de prisão para as grávidas que abortarem fora das situações previstas na lei, assim como serão punidos os que obrigarem a mulher a fazer o aborto.

O projecto da JS foi derrotado por um simples voto, numa clara demonstração das divisões existentes na Assembleia da República sobre a matéria. O projecto do PCP foi liminarmente derrotado por não se identificar com o maioritário pensar do Parlamento.

A questão da alteração da lei vigente sobre o aborto suscitou na Assembleia da República, organizações de vária ordem e povo em geral, alguma discussão, cada um defendendo os seus pontos de vista. A Igreja Católica, que, como facilmente se compreende, também tem uma posição definida, já que está em causa a vida, valor universal inestimável, não deixou de esclarecer os católicos e os homens de boa vontade sobre o assunto, manifestando-se duma maneira geral contra o aborto, salvo os casos excepcionais em que, para salvar a vida da mãe, o feto venha indirectamente a morrer. E a sua posição encontrou eco, como não podia deixar de ser, na Assembleia da República, ou não houvesse, como há, deputados que assumem a sua militância cristã e humanista. Houve, como seria de esperar, os que, não professando a fé católica, defendem o aborto como um qualquer assunto exclusivamente político, enquanto outros o remetiam para a consciência de cada um.

Das muitas intervenções, que não podemos deixar de respeitar em nome das liberdades responsáveis que defendemos, uma ou outra nos mereceu mais atenção, pelos valores e posições cristãs que defenderam e pela realidade concreta de todos os deputados representarem o povo português que tem como matriz o cristianismo, o que não será de desprezar. Diz, por exemplo, Maria José Nogueira Pinto: "Quiseram alguns convencer-nos de que deveríamos discutir e votar projectos apenas de acordo com a nossa coerência inicial. Nada mais falso. Aqui, cada um de nós representa milhares de portugueses. (...) Aqui, nenhum de nós deve ou pode apenas em nome individual, porque não foi nessa qualidade que aqui entrou nem nessa aqui poderia permanecer". Ora isto foi muito esquecido. A mesma deputada defendeu ainda, como, aliás, muitos outros defenderam, "melhores condições para as mulheres portuguesas terem os filhos que querem e não os filhos que lhe consentem".

Durante o debate na Assembleia da República e nos órgãos de comunicação social que dedicaram espaço ao assunto, sobressaiu a ideia de que houve a tentativa de atacar as consequências esquecendo as causas. Liberaliza-se o aborto, porque há muitos abortos clandestinos. A questão será outra. Será necessário estudar as causas para depois se descobrirem soluções. Eis a questão que tantos ignoraram. As causas económicas e sociais, nomeadamente a pobreza e a falta de habitação, o abandono da mulher e o desemprego, a falta de um planeamento familiar adequado e de uma educação sexual atempada e responsável, a inexistência de uma protecção justa à família e de apoio gratuito durante a gravidez, entre outras, deveriam ser razões de discussão durante o debate sobre o aborto. Tudo isto foi falado, mas nada daí saiu.

E o aborto, clandestino e não só, continuará, disso estamos certos. Infelizmente.

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