«Avante!» Nº 1269

02-10-1999
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EDITORIAL

Alka-Seltzer disse ela

"S e eu não tive tempo para comprar delegados foi porque estive até à última hora à frente do Grupo Parlamentar que era a minha obrigação" – esta confissão de Maria José Nogueira Pinto, candidata derrotada à liderança do PP, sintetiza exemplarmente o que é aquele partido e o que foi o seu Congresso. Como se vê é tudo uma questão de tempo: quem o tem compra delegados quem o não tem não compra. E o grau de democraticidade interna de um partido mostra inequivocamente o conteúdo democrático do seu projecto e da sua prática política. Aliás, a história do CDS / PP não deixa dúvidas a ninguém a esse respeito. (Corrijo-me: não deixa dúvidas a quase ninguém: como sabemos o engenheiro António Guterres – aqui há tempos, creio que por altura da discussão e votação do Orçamento do Estado na Assembleia da República – considerava o PP de Manuel Monteiro um modelo de virtudes democráticas ). A verdade é que, durante dois dias, em Braga, o PP mostrou o que é e elucidou-nos sobre o tipo de relacionamento existente entre os seus chefes. Insultos, apupos, vaias, acusações, intrigas, jogos de bastidores, golpes, contragolpes, manobrismos, vinganças, represálias, ajustes de contas – tudo isto percorreu o Congresso do PP nos seus dois dias de vida num ambiente carregado de ânsia mediática, de espectáculo, de comédia, de drama, de farsa. Paulo Portas – que ainda há pouco tempo jurara que não se candidataria porque "O PP não tem emenda" – encenou e ensaiou a sua entrada no Congresso até ao mínimo pormenor: escolheu a postura exacta e o momento exacto: entrou, triunfal, no tempo necessário para roubar a Manuel Monteiro o seu momentozinho de glória, no tempo e na postura que melhor serviam o seu objectivo de infligir a Monteiro – no Congresso, perante as câmaras das televisões e em directo – a humilhação que a sua sede de vingança exigia. E o novo líder do PP não se quedou por aqui: no seu discurso de vencedor Portas saciou-se pedindo uma ovação de despedida para Monteiro. Outro momento alto do Congresso ocorreu quando a candidata derrotada se dirigiu a Lobo Xavier nestes termos: "Você sabe que eu sei que você sabe que eu sei. E ficamos entendidos. Porque como está em jogo o seu futuro neste congresso, você sabe que eu não direi o que sei". Frase misteriosa: assim a classificaram vários comentadores. Misteriosa? Talvez. Em todo o caso, o visível embaraço de Lobo Xavier mostrou que ele sabia o que ela sabia que ele sabia. Tudo isto conferindo lucidez e rigor à síntese produzida pelo arguto Sílvio Cervan: "O PP tem hoje o primeiro dia daquilo que espero seja um ciclo de crescimento".Como e por que caminhos se concretizará esse ciclo de crescimento? No plano interno, dado o bom ambiente evidenciado, tudo indica que a mensagem de paz e de reconciliação lançada por Portas tem pés para andar: a onda de amizades, a cadeia de solidariedades, os braços abertos a todos os braços abertos desde o primeiro CDS até ao último PP, tiveram o eco esperado no Congresso. Ao PP "radical" que Portas e Monteiro construíram sucede o PP "moderado" filho de Nobre Guedes e de Portas. Maria José Nogueira Pinto fez uma previsão sobre o que vai ser a liderança de Paulo Portas: "meia dúzia de acontecimentos, meia dúzia de idas à televisão" e "um pequeno almoço com o Professor Marcelo no Hotel Sheraton com quatro câmaras de televisão". Tudo isto deixando claro que a direcção política saída do Congresso de Braga é um "moderado" saco de gatos, todos possuidores de "radicais" e afiadas unhas.

A grande novidade do Congresso é, no entanto, o segundo grande caminho encetado por Portas para concretizar o tal ciclo de crescimento. Trata-se, nem mais nem menos, do que da reconstituição da velha AD. Aliás, parece haver um acordo, mais ou menos firmado há uns 4 meses, entre Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas (precisamente na altura em que Portas jurava e jurava que não se candidataria) segundo o qual as listas do PSD para as legislativas de 1999 incluirão 15 a 20 elementos do PP em lugares elegíveis. Ao que parece os dois lideres da direita terão decidido também, na mesma altura, que Guterres não irá ter qualquer pretexto para convocar eleições antecipadas, ou seja que no essencial a política de direita levada à prática por Guterres os satisfaz. (Isto apesar de, segundo Portas, os adversários do PP serem "a esquerda, o socialismo e o governo PS" – trilogia que no discurso de Portas significa apenas e tão só PS. Pelo que, e assim sendo, é caso para dizer que com tais "adversários" o PP não precisa de aliados).

Esses objectivos não serão de difícil obtenção se se tiver em conta que, como Portas fez questão de sublinhar, PS, PSD e PP são os partidos do "arco constitucional", do qual fez questão de excluir o PCP, acto que muito se lhe agradece mas que se considera dispensável já que o arco de Portas – seja na sua versão "constitucional", seja na sua perspectiva de "governabilidade" – é espaço que o PCP, por razões de higiene política e democrática, nunca estará disponível para ocupar.

N aturalmente, o objectivo essencial de Portas com esta previsível aliança é o de evitar que o seu partido, sozinho, se submeta à vontade do eleitorado. Ele tem medo e, reconheça-se, são muitas as razões que justificam esse medo. Bem vistas as coisas, uma eventual reconstituição da AD seria para Portas um mal menor. É certo que a experiência passada nessa matéria se traduziu em enormes vantagens para o PSD e enormíssimas desvantagens para o PP mas entre essas desvantagens e um mau resultado eleitoral do PP, Portas não hesita: entrega "o pouco ouro do partido ao bandido estratégico que é o PSD".De salientar que o PSD se fez representar em força na sessão de encerramento do Congresso. E comentando o eventual entendimento eleitoral PSD / PP, Leonor Beleza não confirmou nem desmentiu: "Registámos, ouvimos, mas não fazemos comentários". Quanto a Maria José Nogueira Pinto, essa afirmou que a concretizar-se tal entendimento, ele terá como consequência transformar o PP "numa pastilha de alka-seltzer a diluir-se num copo de água".

«Avante!» Nº 1269 - 26.Março.98

EDITORIAL

Alka-Seltzer disse ela

"S e eu não tive tempo para comprar delegados foi porque estive até à última hora à frente do Grupo Parlamentar que era a minha obrigação" – esta confissão de Maria José Nogueira Pinto, candidata derrotada à liderança do PP, sintetiza exemplarmente o que é aquele partido e o que foi o seu Congresso. Como se vê é tudo uma questão de tempo: quem o tem compra delegados quem o não tem não compra. E o grau de democraticidade interna de um partido mostra inequivocamente o conteúdo democrático do seu projecto e da sua prática política. Aliás, a história do CDS / PP não deixa dúvidas a ninguém a esse respeito. (Corrijo-me: não deixa dúvidas a quase ninguém: como sabemos o engenheiro António Guterres – aqui há tempos, creio que por altura da discussão e votação do Orçamento do Estado na Assembleia da República – considerava o PP de Manuel Monteiro um modelo de virtudes democráticas ). A verdade é que, durante dois dias, em Braga, o PP mostrou o que é e elucidou-nos sobre o tipo de relacionamento existente entre os seus chefes. Insultos, apupos, vaias, acusações, intrigas, jogos de bastidores, golpes, contragolpes, manobrismos, vinganças, represálias, ajustes de contas – tudo isto percorreu o Congresso do PP nos seus dois dias de vida num ambiente carregado de ânsia mediática, de espectáculo, de comédia, de drama, de farsa. Paulo Portas – que ainda há pouco tempo jurara que não se candidataria porque "O PP não tem emenda" – encenou e ensaiou a sua entrada no Congresso até ao mínimo pormenor: escolheu a postura exacta e o momento exacto: entrou, triunfal, no tempo necessário para roubar a Manuel Monteiro o seu momentozinho de glória, no tempo e na postura que melhor serviam o seu objectivo de infligir a Monteiro – no Congresso, perante as câmaras das televisões e em directo – a humilhação que a sua sede de vingança exigia. E o novo líder do PP não se quedou por aqui: no seu discurso de vencedor Portas saciou-se pedindo uma ovação de despedida para Monteiro. Outro momento alto do Congresso ocorreu quando a candidata derrotada se dirigiu a Lobo Xavier nestes termos: "Você sabe que eu sei que você sabe que eu sei. E ficamos entendidos. Porque como está em jogo o seu futuro neste congresso, você sabe que eu não direi o que sei". Frase misteriosa: assim a classificaram vários comentadores. Misteriosa? Talvez. Em todo o caso, o visível embaraço de Lobo Xavier mostrou que ele sabia o que ela sabia que ele sabia. Tudo isto conferindo lucidez e rigor à síntese produzida pelo arguto Sílvio Cervan: "O PP tem hoje o primeiro dia daquilo que espero seja um ciclo de crescimento".Como e por que caminhos se concretizará esse ciclo de crescimento? No plano interno, dado o bom ambiente evidenciado, tudo indica que a mensagem de paz e de reconciliação lançada por Portas tem pés para andar: a onda de amizades, a cadeia de solidariedades, os braços abertos a todos os braços abertos desde o primeiro CDS até ao último PP, tiveram o eco esperado no Congresso. Ao PP "radical" que Portas e Monteiro construíram sucede o PP "moderado" filho de Nobre Guedes e de Portas. Maria José Nogueira Pinto fez uma previsão sobre o que vai ser a liderança de Paulo Portas: "meia dúzia de acontecimentos, meia dúzia de idas à televisão" e "um pequeno almoço com o Professor Marcelo no Hotel Sheraton com quatro câmaras de televisão". Tudo isto deixando claro que a direcção política saída do Congresso de Braga é um "moderado" saco de gatos, todos possuidores de "radicais" e afiadas unhas.

A grande novidade do Congresso é, no entanto, o segundo grande caminho encetado por Portas para concretizar o tal ciclo de crescimento. Trata-se, nem mais nem menos, do que da reconstituição da velha AD. Aliás, parece haver um acordo, mais ou menos firmado há uns 4 meses, entre Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas (precisamente na altura em que Portas jurava e jurava que não se candidataria) segundo o qual as listas do PSD para as legislativas de 1999 incluirão 15 a 20 elementos do PP em lugares elegíveis. Ao que parece os dois lideres da direita terão decidido também, na mesma altura, que Guterres não irá ter qualquer pretexto para convocar eleições antecipadas, ou seja que no essencial a política de direita levada à prática por Guterres os satisfaz. (Isto apesar de, segundo Portas, os adversários do PP serem "a esquerda, o socialismo e o governo PS" – trilogia que no discurso de Portas significa apenas e tão só PS. Pelo que, e assim sendo, é caso para dizer que com tais "adversários" o PP não precisa de aliados).

Esses objectivos não serão de difícil obtenção se se tiver em conta que, como Portas fez questão de sublinhar, PS, PSD e PP são os partidos do "arco constitucional", do qual fez questão de excluir o PCP, acto que muito se lhe agradece mas que se considera dispensável já que o arco de Portas – seja na sua versão "constitucional", seja na sua perspectiva de "governabilidade" – é espaço que o PCP, por razões de higiene política e democrática, nunca estará disponível para ocupar.

N aturalmente, o objectivo essencial de Portas com esta previsível aliança é o de evitar que o seu partido, sozinho, se submeta à vontade do eleitorado. Ele tem medo e, reconheça-se, são muitas as razões que justificam esse medo. Bem vistas as coisas, uma eventual reconstituição da AD seria para Portas um mal menor. É certo que a experiência passada nessa matéria se traduziu em enormes vantagens para o PSD e enormíssimas desvantagens para o PP mas entre essas desvantagens e um mau resultado eleitoral do PP, Portas não hesita: entrega "o pouco ouro do partido ao bandido estratégico que é o PSD".De salientar que o PSD se fez representar em força na sessão de encerramento do Congresso. E comentando o eventual entendimento eleitoral PSD / PP, Leonor Beleza não confirmou nem desmentiu: "Registámos, ouvimos, mas não fazemos comentários". Quanto a Maria José Nogueira Pinto, essa afirmou que a concretizar-se tal entendimento, ele terá como consequência transformar o PP "numa pastilha de alka-seltzer a diluir-se num copo de água".

«Avante!» Nº 1269 - 26.Março.98

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