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05-10-1999
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Hoje a Expo já é para todos Luís Ramos Guterres épico. Sampaio preocupado com a universalidade de Portugal. E um memorável dueto de Teresa Salgueiro e José Carreras a fechar um espectáculo inaugural em quase tudo o resto muito pobre. Foi assim ontem, na Exposição Mundial de Lisboa, declarada aberta às 17h21. Foi assim no primeiro dos seus 132 dias, mas apenas para os convidados que puderam entrar. Muitos convidados, naturalmente, quase quatro mil, que depois apenas entreviram o recinto entre discursos, um jantar e uma gala. Hoje, pelo contrário, a Expo será de todos: as partir das nove da manhã, quando abrirem as suas portas, a enorme curiosidade popular dará seguramente lugar às primeiras enchentes. E quando os primeiros titulares de bilhete pago entrarem, já haverá Olharapos a deambular pelo recinto luminoso, entre os pavilhões, os jardins e o imenso mar da Palha. Para os ajudar na sua visita, o PÚBLICO escolheu os melhores pavilhões e publica a agenda actualizada dos espectáculos da primeira semana. Mas, como o país não é só Expo, foi também ouvir os que, mesmo vivendo longe e no interior, gostariam mesmo assim de vir a Lisboa. Se tivessem dinheiro. Esta é a ditosa pátria... Guterres quer fazer da Expo um instrumento da luta pela maioria absoluta e abriu ontem, ao pé do Tejo, a campanha eleitoral - não fora assim e evitaria a deselegância, aliás repetida mais do que uma vez, de que o seu Governo tinha "transformado um foco de polémica num verdadeiro traço de união entre todos os portugueses". Na véspera da abertura do colosso que nasceu do lixo oriental de Lisboa, qualquer um conseguiria o feito de unir o país. Principalmente Cardoso e Cunha que, de resto, teve uma das maiores ovações da cerimónia inaugural. A esperteza de António Guterres compreende-se. Também ela é um traço de união do país, tal como o ministro Jorge Coelho, os piqueniques, as inaugurações vistosas e a desmedida tolerância do povo para com o poder que mantém as taxas de juro baixas. Na cerimónia oficial de inauguração, Sampaio, Guterres, João Soares e Torres Campos fizeram juras pelo futuro radioso de Portugal. A ditosa pátria está agradecida e, como toda a gente sabe, haveremos de merendar na Expo. O ministro saído do povo O ministro Jorge Coelho é um símbolo de Portugal. Neste momento de recordação diária dos heróis de Quinhentos, é oportuno falar dos homens públicos e anónimos que todos os dias, às portas do século XXI, identificam o povo com a ditosa pátria. Na cerimónia inaugural da Expo, que aconteceu ontem no Pavilhão de Portugal, debaixo da pala de Siza Vieira, era um prazer vê-lo a distribuir abraços e gargalhadas sonoras, rodopiando dos braços da oposição (Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas), para os do seu menos bem amado colega Sousa Franco. O ministro da Administração Interna, nº 1 do PS mau-grado tudo, galhofou com António Vitorino, que estava instalado no sector dos vips na qualidade de ex-ministro da tutela, atravessou uma ala para ir falar a Alberto João Jardim, parou um bocado a debater com o seu camarada de aparelho e de Governo Fausto Correia e acabou sentado ao lado de Ferro Rodrigues e João Cravinho. Alegremente, nos últimos lugares da ala destinada a governantes e equiparados. Jorge Coelho, o "piquenicão", a capacidade criadora de Mega Ferreira, o aproveitamento político que Guterres está a fazer da Expo e a tolerância infinita do povo para os governos que mantêm o pão e o circo em doses regulamentares, são símbolos de Portugal. Em contraponto, é de suspeitar que Manuel Maria Carrilho, que ocupava lugar na primeira fila, ao lado de Mariano Gago (a Expo é cultura, arquitectura e ciência, para além de traço de união), esteja longe de unir o que quer que seja. Insuportavelmente enfastiado - a espera estava a ser um "ferro" e os discursos prometiam ser monótonos e pouco imaginativos - Manuel Maria Carrilho acabaria por ser vítima da grande vaia da tarde, quando a sua imagem em grande plano foi reflectida no "videowall". Um jornalista espanhol estranhou a violência contra o ministro da Cultura e perguntou aos portugueses que mal tinha ele feito. Ninguém sabia. Carrilho só é chato, arrogante e pretensioso. Definitivamente, a assistência não foi equitativa na distribuição dos afectos: aplaudiu tanto Cavaco Silva como D. Duarte e Isabel de Herédia, mas arrebatou-se definitivamente com Mega Ferreira. Choveram as palmas para Juan Carlos, e para as primeiras figuras do Estado português, que foram apenas timidamente ensaiadas quando o líder da oposição, Marcelo Rebelo de Sousa, apareceu no ecrã. Já depois de ter aplaudido Cavaco Silva, ainda o premiou com alguns apupos. E viria depois a entusiasmar-se vigorosamente com a referência do "apreço" de Guterres para com o primeiro comissário-geral da Expo, Cardoso e Cunha, o "homem" de Cavaco. Da polémica à união Obviamente, a campanha eleitoral do PS para as legislativas foi ontem aberta, na presença das mais destacadas figuras da oposição e de alguns chefes de Estado estrangeiros. No discurso da cerimónia inaugural, António Guterres foi brutal a recolher sozinho os louros do "desígnio nacional", que não só não inventou como foi combatendo durante o seu consulado de líder da oposição. Fê-lo num elogio a Torres Campos - o comissário-geral que nomeou - o qual, "com o seu estilo discreto, rigoroso e determinado, soube transformar um foco de polémica num verdadeiro traço de união entre todos os portugueses". Afinal, tal como dizia Cavaco, Portugal é hoje "uma sociedade aberta e moderna, capaz de vencer a tentação do miserabilismo, de opôr uma nova auto-estima à velha e fatal aliança da inveja com a mediocridade, que tantas vezes nos fez ir ficando para trás". A Expo-98 que "é, antes de mais, um grande momento de afirmação do Portugal europeu, moderno e coeso, virado ao progresso e ao futuro" - "um Portugal de que podemos estar orgulhosos" - "prova que, quando queremos podemos ser e somos tão bons ou melhores que quaisquer outros, capazes de trabalhar bem e de fazer bem feito". Jorge Sampaio foi menos épico e quis demarcar-se ostensivamente de qualquer lembrança com a Exposição do Mundo Português de 1940, lembrando que "Portugal reencontrou, com a revolução do 25 de Abril de 1974, a democracia e o sentido de abertura, modernidade e inovação" e também "o universalismo, a abertura ao exterior, a comunicação com os outros": "Esta exposição realiza-se também na inspiração desses valores. Porque na minha juventude ouvi dizer que gostávamos de estar orgulhosamente sós, digo hoje que estamos e gostamos de estar orgulhosamente acompanhados". Torres Campos, o comissário da Expo, agradeceu a todos, dos "que tiveram a ideia e os que conceberam a exposição", do "governo que acreditou e apresentou a candidatura de Lisboa", aos que "conduziram as actividades técnicas, culturais, financeiras, comerciais e administrativas". Dos que "exerceram cargos de administração e de controlo e já não se encontram nessas funções", aos "milhares de trabalhadores que aqui exerceram ou exercem a sua actividade". Ninguém excluído. E acabou a citar Eduardo Lourenço, que definiu a Expo como "uma maneira de Portugal dizer ao mundo que a sua hora, a da medida dos seus sonhos, é sempre, por dentro, a hora imperial". Ditosa pátria, nestes dias bem amada. Ana Sá Lopes (c) Copyright PÚBLICO Comunicação Social, SA Email: publico@publico.pt

Hoje a Expo já é para todos Luís Ramos Guterres épico. Sampaio preocupado com a universalidade de Portugal. E um memorável dueto de Teresa Salgueiro e José Carreras a fechar um espectáculo inaugural em quase tudo o resto muito pobre. Foi assim ontem, na Exposição Mundial de Lisboa, declarada aberta às 17h21. Foi assim no primeiro dos seus 132 dias, mas apenas para os convidados que puderam entrar. Muitos convidados, naturalmente, quase quatro mil, que depois apenas entreviram o recinto entre discursos, um jantar e uma gala. Hoje, pelo contrário, a Expo será de todos: as partir das nove da manhã, quando abrirem as suas portas, a enorme curiosidade popular dará seguramente lugar às primeiras enchentes. E quando os primeiros titulares de bilhete pago entrarem, já haverá Olharapos a deambular pelo recinto luminoso, entre os pavilhões, os jardins e o imenso mar da Palha. Para os ajudar na sua visita, o PÚBLICO escolheu os melhores pavilhões e publica a agenda actualizada dos espectáculos da primeira semana. Mas, como o país não é só Expo, foi também ouvir os que, mesmo vivendo longe e no interior, gostariam mesmo assim de vir a Lisboa. Se tivessem dinheiro. Esta é a ditosa pátria... Guterres quer fazer da Expo um instrumento da luta pela maioria absoluta e abriu ontem, ao pé do Tejo, a campanha eleitoral - não fora assim e evitaria a deselegância, aliás repetida mais do que uma vez, de que o seu Governo tinha "transformado um foco de polémica num verdadeiro traço de união entre todos os portugueses". Na véspera da abertura do colosso que nasceu do lixo oriental de Lisboa, qualquer um conseguiria o feito de unir o país. Principalmente Cardoso e Cunha que, de resto, teve uma das maiores ovações da cerimónia inaugural. A esperteza de António Guterres compreende-se. Também ela é um traço de união do país, tal como o ministro Jorge Coelho, os piqueniques, as inaugurações vistosas e a desmedida tolerância do povo para com o poder que mantém as taxas de juro baixas. Na cerimónia oficial de inauguração, Sampaio, Guterres, João Soares e Torres Campos fizeram juras pelo futuro radioso de Portugal. A ditosa pátria está agradecida e, como toda a gente sabe, haveremos de merendar na Expo. O ministro saído do povo O ministro Jorge Coelho é um símbolo de Portugal. Neste momento de recordação diária dos heróis de Quinhentos, é oportuno falar dos homens públicos e anónimos que todos os dias, às portas do século XXI, identificam o povo com a ditosa pátria. Na cerimónia inaugural da Expo, que aconteceu ontem no Pavilhão de Portugal, debaixo da pala de Siza Vieira, era um prazer vê-lo a distribuir abraços e gargalhadas sonoras, rodopiando dos braços da oposição (Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas), para os do seu menos bem amado colega Sousa Franco. O ministro da Administração Interna, nº 1 do PS mau-grado tudo, galhofou com António Vitorino, que estava instalado no sector dos vips na qualidade de ex-ministro da tutela, atravessou uma ala para ir falar a Alberto João Jardim, parou um bocado a debater com o seu camarada de aparelho e de Governo Fausto Correia e acabou sentado ao lado de Ferro Rodrigues e João Cravinho. Alegremente, nos últimos lugares da ala destinada a governantes e equiparados. Jorge Coelho, o "piquenicão", a capacidade criadora de Mega Ferreira, o aproveitamento político que Guterres está a fazer da Expo e a tolerância infinita do povo para os governos que mantêm o pão e o circo em doses regulamentares, são símbolos de Portugal. Em contraponto, é de suspeitar que Manuel Maria Carrilho, que ocupava lugar na primeira fila, ao lado de Mariano Gago (a Expo é cultura, arquitectura e ciência, para além de traço de união), esteja longe de unir o que quer que seja. Insuportavelmente enfastiado - a espera estava a ser um "ferro" e os discursos prometiam ser monótonos e pouco imaginativos - Manuel Maria Carrilho acabaria por ser vítima da grande vaia da tarde, quando a sua imagem em grande plano foi reflectida no "videowall". Um jornalista espanhol estranhou a violência contra o ministro da Cultura e perguntou aos portugueses que mal tinha ele feito. Ninguém sabia. Carrilho só é chato, arrogante e pretensioso. Definitivamente, a assistência não foi equitativa na distribuição dos afectos: aplaudiu tanto Cavaco Silva como D. Duarte e Isabel de Herédia, mas arrebatou-se definitivamente com Mega Ferreira. Choveram as palmas para Juan Carlos, e para as primeiras figuras do Estado português, que foram apenas timidamente ensaiadas quando o líder da oposição, Marcelo Rebelo de Sousa, apareceu no ecrã. Já depois de ter aplaudido Cavaco Silva, ainda o premiou com alguns apupos. E viria depois a entusiasmar-se vigorosamente com a referência do "apreço" de Guterres para com o primeiro comissário-geral da Expo, Cardoso e Cunha, o "homem" de Cavaco. Da polémica à união Obviamente, a campanha eleitoral do PS para as legislativas foi ontem aberta, na presença das mais destacadas figuras da oposição e de alguns chefes de Estado estrangeiros. No discurso da cerimónia inaugural, António Guterres foi brutal a recolher sozinho os louros do "desígnio nacional", que não só não inventou como foi combatendo durante o seu consulado de líder da oposição. Fê-lo num elogio a Torres Campos - o comissário-geral que nomeou - o qual, "com o seu estilo discreto, rigoroso e determinado, soube transformar um foco de polémica num verdadeiro traço de união entre todos os portugueses". Afinal, tal como dizia Cavaco, Portugal é hoje "uma sociedade aberta e moderna, capaz de vencer a tentação do miserabilismo, de opôr uma nova auto-estima à velha e fatal aliança da inveja com a mediocridade, que tantas vezes nos fez ir ficando para trás". A Expo-98 que "é, antes de mais, um grande momento de afirmação do Portugal europeu, moderno e coeso, virado ao progresso e ao futuro" - "um Portugal de que podemos estar orgulhosos" - "prova que, quando queremos podemos ser e somos tão bons ou melhores que quaisquer outros, capazes de trabalhar bem e de fazer bem feito". Jorge Sampaio foi menos épico e quis demarcar-se ostensivamente de qualquer lembrança com a Exposição do Mundo Português de 1940, lembrando que "Portugal reencontrou, com a revolução do 25 de Abril de 1974, a democracia e o sentido de abertura, modernidade e inovação" e também "o universalismo, a abertura ao exterior, a comunicação com os outros": "Esta exposição realiza-se também na inspiração desses valores. Porque na minha juventude ouvi dizer que gostávamos de estar orgulhosamente sós, digo hoje que estamos e gostamos de estar orgulhosamente acompanhados". Torres Campos, o comissário da Expo, agradeceu a todos, dos "que tiveram a ideia e os que conceberam a exposição", do "governo que acreditou e apresentou a candidatura de Lisboa", aos que "conduziram as actividades técnicas, culturais, financeiras, comerciais e administrativas". Dos que "exerceram cargos de administração e de controlo e já não se encontram nessas funções", aos "milhares de trabalhadores que aqui exerceram ou exercem a sua actividade". Ninguém excluído. E acabou a citar Eduardo Lourenço, que definiu a Expo como "uma maneira de Portugal dizer ao mundo que a sua hora, a da medida dos seus sonhos, é sempre, por dentro, a hora imperial". Ditosa pátria, nestes dias bem amada. Ana Sá Lopes (c) Copyright PÚBLICO Comunicação Social, SA Email: publico@publico.pt

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