Confrontos políticos vão ser decididos nos tribunais?

15-09-1999
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Pina Moura e Manuela Ferreira Leite: o debate político ameaça passar das bancadas do Parlamento para a barra dos tribunais

Daniel Proença de Carvalho, um dos inquiridos, é taxativo quanto ao caso político da semana: «Esta polémica está a ser enviesadamente transferida para os tribunais, porque é do foro político. Os cidadãos ouvem as posições de um e outro lado e, depois, farão o seu juízo». Em sentido idêntico, o penalista Manuel Costa Andrade afirma que, em matéria de opiniões emitidas no calor dos debates parlamentares, «a vida se encarregará de ir punindo os que são levianos».

Para o ministro da Economia, porém, as acusações da vice-presidente do PSD ao Executivo sobre alegadas irregularidades nos contratos de fornecimento de carvão à EDP extravasaram os limites do que ele considera politicamente incorrecto. Saindo esta semana em defesa do «bom nome» do Governo, Pina Moura lançou um ultimato para uma retractação num prazo de três dias, que ontem expirou.

A regra da liberdade

Ferreira Leite não se retractou, declarando-se imediatamente disposta a prescindir da imunidade parlamentar. E, enquanto se aguarda o seguimento do despique, o PS exibe em público clivagens de opinião: o «Acção Socialista» desta semana titulava em manchete «Ou o PSD pede desculpa ou queixa-crime por difamação», mas o deputado José Magalhães dizia ontem ao «Diário de Notícias» que «a hipótese nem se coloca» e que Ferreira Leite «tem encontro marcado no plenário da AR e não na esquadra».

Costa Andrade frisa que, no debate político, «sempre que se trata de emitir juízos de valor ou opiniões, a regra deve ser a de total liberdade, deixando à opinião pública julgar e condenar quem não tem razão». Também Gomes Mota, ex-mandatário das campanhas presidenciais de Mário Soares, considera que «em princípio, quando um deputado faz qualquer comentário sobre situações políticas, a resposta deve restringir-se tanto quanto possível aos meios políticos».

Proença de Carvalho recorda que as actas de S. Bento estão cheias de peças de oratória semelhantes à que ofendeu o ministro da Economia, e que a tradição parlamentar portuguesa é tratar esses casos «com tolerância». E Germano Marques da Silva, professor de Direito Penal, destaca o que é a «razão de ser» da imunidade parlamentar: «No exercício do debate político há sempre possibilidade de excessos, não é possível determinar os limites da verdade. Na política, a verdade procura-se».

A maioria dos inquiridos ressalva, porém, que a imunidade dos deputados não deve ser absoluta. «Os políticos também são cidadãos», diz Gomes Mota. Se um parlamentar passar da opinião política para a imputação de factos graves, «o caso muda de figura», afirma Costa Andrade, que sublinha: «Quem imputa tem de provar a verdade do que diz ou mostrar que o fez de boa-fé; se não, é difamação».

«Fronteira cinzenta»

O problema, em casos como o actual, é definir a fronteira. «A fronteira nem sempre é fácil de estabelecer, é sempre um pouco cinzenta, porque a lei não pode criar barreiras rígidas que iriam cercear a liberdade de expressão», observa Germano Marques da Silva. Na produção de acusações a titulares de cargos políticos, adianta este penalista, «pesa sempre a interpretação do interesse público; e o deputado é eleito para isso, para interpretar o interesse público».

Resta ver se Pina Moura concretiza a ameaça. Proença de Carvalho não tem dúvidas em afirmar que os tribunais não dariam seguimento à queixa-crime: «Em termos jurídicos, casos como este não têm licitude e não há base para processo». E, mesmo que haja, o jurista José António Barreiros não acredita na sua eficácia: «Quando houver resposta dos tribunais as pessoas já não se lembram do que foi dito, e o debate judicial em processos destes nunca aborda o fundo das questões». Diz quem sabe.

Frederico Carvalho

Pina Moura e Manuela Ferreira Leite: o debate político ameaça passar das bancadas do Parlamento para a barra dos tribunais

Daniel Proença de Carvalho, um dos inquiridos, é taxativo quanto ao caso político da semana: «Esta polémica está a ser enviesadamente transferida para os tribunais, porque é do foro político. Os cidadãos ouvem as posições de um e outro lado e, depois, farão o seu juízo». Em sentido idêntico, o penalista Manuel Costa Andrade afirma que, em matéria de opiniões emitidas no calor dos debates parlamentares, «a vida se encarregará de ir punindo os que são levianos».

Para o ministro da Economia, porém, as acusações da vice-presidente do PSD ao Executivo sobre alegadas irregularidades nos contratos de fornecimento de carvão à EDP extravasaram os limites do que ele considera politicamente incorrecto. Saindo esta semana em defesa do «bom nome» do Governo, Pina Moura lançou um ultimato para uma retractação num prazo de três dias, que ontem expirou.

A regra da liberdade

Ferreira Leite não se retractou, declarando-se imediatamente disposta a prescindir da imunidade parlamentar. E, enquanto se aguarda o seguimento do despique, o PS exibe em público clivagens de opinião: o «Acção Socialista» desta semana titulava em manchete «Ou o PSD pede desculpa ou queixa-crime por difamação», mas o deputado José Magalhães dizia ontem ao «Diário de Notícias» que «a hipótese nem se coloca» e que Ferreira Leite «tem encontro marcado no plenário da AR e não na esquadra».

Costa Andrade frisa que, no debate político, «sempre que se trata de emitir juízos de valor ou opiniões, a regra deve ser a de total liberdade, deixando à opinião pública julgar e condenar quem não tem razão». Também Gomes Mota, ex-mandatário das campanhas presidenciais de Mário Soares, considera que «em princípio, quando um deputado faz qualquer comentário sobre situações políticas, a resposta deve restringir-se tanto quanto possível aos meios políticos».

Proença de Carvalho recorda que as actas de S. Bento estão cheias de peças de oratória semelhantes à que ofendeu o ministro da Economia, e que a tradição parlamentar portuguesa é tratar esses casos «com tolerância». E Germano Marques da Silva, professor de Direito Penal, destaca o que é a «razão de ser» da imunidade parlamentar: «No exercício do debate político há sempre possibilidade de excessos, não é possível determinar os limites da verdade. Na política, a verdade procura-se».

A maioria dos inquiridos ressalva, porém, que a imunidade dos deputados não deve ser absoluta. «Os políticos também são cidadãos», diz Gomes Mota. Se um parlamentar passar da opinião política para a imputação de factos graves, «o caso muda de figura», afirma Costa Andrade, que sublinha: «Quem imputa tem de provar a verdade do que diz ou mostrar que o fez de boa-fé; se não, é difamação».

«Fronteira cinzenta»

O problema, em casos como o actual, é definir a fronteira. «A fronteira nem sempre é fácil de estabelecer, é sempre um pouco cinzenta, porque a lei não pode criar barreiras rígidas que iriam cercear a liberdade de expressão», observa Germano Marques da Silva. Na produção de acusações a titulares de cargos políticos, adianta este penalista, «pesa sempre a interpretação do interesse público; e o deputado é eleito para isso, para interpretar o interesse público».

Resta ver se Pina Moura concretiza a ameaça. Proença de Carvalho não tem dúvidas em afirmar que os tribunais não dariam seguimento à queixa-crime: «Em termos jurídicos, casos como este não têm licitude e não há base para processo». E, mesmo que haja, o jurista José António Barreiros não acredita na sua eficácia: «Quando houver resposta dos tribunais as pessoas já não se lembram do que foi dito, e o debate judicial em processos destes nunca aborda o fundo das questões». Diz quem sabe.

Frederico Carvalho

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