Vidas cruzadas

09-09-1999
marcar artigo

Letras do Fado Vulgar é o título da última obra do tradutor da Divina Comédia (prémio Pessoa em 1995). Dali o fadista irá retirar a matéria-prima para o seu próximo trabalho.

Como se gerou este estranho casamento? Ao longo de vários anos, Carlos do Carmo foi desafiando Graça Moura a escrever para o fado. O escritor resistiu até Junho deste ano quando, após um espectáculo do fadista na embaixada de França, voltaram a discutir o assunto. «Passadas 48 horas, o Vasco telefonou-me a dizer que tinha feito três fados», recorda Carlos do Carmo. «Dez dias mais tarde, tinha 20 e tal e, poucos dias depois, já andava perto dos 40!»

Nada de extraordinário para quem traduziu os Sonetos a Orfeu, de Rilke, em seis dias e a Divina Comédia - um dos pilares da Literatura ocidental - em sete meses. Graça Moura reconhece que se trata de uma aventura nova, em choque com a sua poesia tradicional, de pouca rima e tendendo para a prosa. «E levantou-me problemas inéditos, já que se tratava de poemas para serem cantados.»

Mais habituado a ver os seus poemas musicados está o deputado socialista Manuel Alegre. É reconhecidamente o nosso poeta mais cantado. José Afonso, Amália, Janita Salomé - «até o José Cid» - musicaram poemas seus. Porquê? «Os entendidos dizem que a música já está nos meus versos», responde. Manuel Alegre nunca escreveu para ser cantado, as músicas é que procuraram os seus versos. Até agora.

Fado Fado é o último trabalho do fadista João Braga e apoia-se em seis poemas de Manuel Alegre, escritos especialmente para o efeito. «O disco nasceu de conversas nossas sobre o que deve ser o fado», explica o fadista. «É uma arte poética do fado», completa Manuel Alegre. Os poemas são rasgos de inspiração do poeta após longas conversas nocturnas com o fadista. «Na manhã, seguinte», conta João Braga, «toca o telefone e ouço a voz forte do Manuel. 'Pega aí num papel e escreve'». E assim surgiu o Fado Fado.

Existem áreas em que João Braga e Manuel Alegre têm percursos avessos, mas no fado estão em perfeita sintonia. «Queremos ambos a renovação do fado e isso faz-se em discos como este, não partindo discos aos microfones da Emissora Nacional», argumenta João Braga. Em assuntos de fado, a crítica de Manuel Alegre vai para os que insistem no «marialvismo canalha». Aí, Vasco Graça Moura parece um alvo perfeito.

«Parece-me que ele escreveu, artificialmente, sobre o casticismo, o bilhete postal do fado», considera Manuel Alegre. «Penso que é uma regressão.» Dificilmente estes reparos perturbarão Vasco Graça Moura, que tem uma atitude muito descontraída em relação a «Letras do Fado Vulgar». Assume que não é grande conhecedor de fado, nem se preocupou em pesquisar. «Como muita gente, fui, ao longo da vida, ouvindo fado, participei em desgarradas e parti das habituais ideias feitas: o amor, a morte, a saudade e a presença de Lisboa, não esquecendo a própria zaragata de taberna.» Enfim, aí está a viela, o anticristo da dupla Braga/Alegre. Mas isso não tira o sono a Graça Moura. «Diverti-me.Só não escrevi sobre touradas, que são demasiado marialvas para o meu gosto.» E, acrescenta, sorrindo, «não pensei em poemas para fados dançados. Embora haja um que se chama 'Fado Samba', que inclui uma citação de Dante».

V.S.

Letras do Fado Vulgar é o título da última obra do tradutor da Divina Comédia (prémio Pessoa em 1995). Dali o fadista irá retirar a matéria-prima para o seu próximo trabalho.

Como se gerou este estranho casamento? Ao longo de vários anos, Carlos do Carmo foi desafiando Graça Moura a escrever para o fado. O escritor resistiu até Junho deste ano quando, após um espectáculo do fadista na embaixada de França, voltaram a discutir o assunto. «Passadas 48 horas, o Vasco telefonou-me a dizer que tinha feito três fados», recorda Carlos do Carmo. «Dez dias mais tarde, tinha 20 e tal e, poucos dias depois, já andava perto dos 40!»

Nada de extraordinário para quem traduziu os Sonetos a Orfeu, de Rilke, em seis dias e a Divina Comédia - um dos pilares da Literatura ocidental - em sete meses. Graça Moura reconhece que se trata de uma aventura nova, em choque com a sua poesia tradicional, de pouca rima e tendendo para a prosa. «E levantou-me problemas inéditos, já que se tratava de poemas para serem cantados.»

Mais habituado a ver os seus poemas musicados está o deputado socialista Manuel Alegre. É reconhecidamente o nosso poeta mais cantado. José Afonso, Amália, Janita Salomé - «até o José Cid» - musicaram poemas seus. Porquê? «Os entendidos dizem que a música já está nos meus versos», responde. Manuel Alegre nunca escreveu para ser cantado, as músicas é que procuraram os seus versos. Até agora.

Fado Fado é o último trabalho do fadista João Braga e apoia-se em seis poemas de Manuel Alegre, escritos especialmente para o efeito. «O disco nasceu de conversas nossas sobre o que deve ser o fado», explica o fadista. «É uma arte poética do fado», completa Manuel Alegre. Os poemas são rasgos de inspiração do poeta após longas conversas nocturnas com o fadista. «Na manhã, seguinte», conta João Braga, «toca o telefone e ouço a voz forte do Manuel. 'Pega aí num papel e escreve'». E assim surgiu o Fado Fado.

Existem áreas em que João Braga e Manuel Alegre têm percursos avessos, mas no fado estão em perfeita sintonia. «Queremos ambos a renovação do fado e isso faz-se em discos como este, não partindo discos aos microfones da Emissora Nacional», argumenta João Braga. Em assuntos de fado, a crítica de Manuel Alegre vai para os que insistem no «marialvismo canalha». Aí, Vasco Graça Moura parece um alvo perfeito.

«Parece-me que ele escreveu, artificialmente, sobre o casticismo, o bilhete postal do fado», considera Manuel Alegre. «Penso que é uma regressão.» Dificilmente estes reparos perturbarão Vasco Graça Moura, que tem uma atitude muito descontraída em relação a «Letras do Fado Vulgar». Assume que não é grande conhecedor de fado, nem se preocupou em pesquisar. «Como muita gente, fui, ao longo da vida, ouvindo fado, participei em desgarradas e parti das habituais ideias feitas: o amor, a morte, a saudade e a presença de Lisboa, não esquecendo a própria zaragata de taberna.» Enfim, aí está a viela, o anticristo da dupla Braga/Alegre. Mas isso não tira o sono a Graça Moura. «Diverti-me.Só não escrevi sobre touradas, que são demasiado marialvas para o meu gosto.» E, acrescenta, sorrindo, «não pensei em poemas para fados dançados. Embora haja um que se chama 'Fado Samba', que inclui uma citação de Dante».

V.S.

marcar artigo