A difícil tarefa de ser oposição

31-08-1999
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Plenário da Assembleia da República: a oposição raramente consegue fazer «passar» um projecto; ao contrário do Governo, apesar de minoritário

A maioria das iniciativas legislativas das oposições vai directamente para o «caixote do lixo», por não contar, à partida, com votos suficientes para vingar. Outras, mesmo se passadas a letra de lei, ficam na dependência da acção ou da inacção do Governo, pois só o Executivo pode mobilizar os recursos que as traduzam em soluções práticas para o conjunto dos cidadãos.

Nesses casos, o trabalho só não se perde de todo por ser, simultaneamente, censura política a quem, tendo meios e capacidade para legislar, não o fez em tempo útil, sujeitando-se às imposições alheias.

Durante o último ano parlamentar, o conjunto da oposição apresentou 95 iniciativas, mas apenas oito foram aprovadas como leis da República. Mais de um terço (33) deste pacote de projectos refere-se à criação de concelhos ou à promoção de freguesias a vilas e de vilas a cidades: a maior parte delas consumar-se-á, a seu tempo, até pela unanimidade dos deputados.

Quanto ao curto rol dos projectos passados a letra de lei, sob os auspícios da oposição, só a suspensão das portagens tem directamente reflexos no bolso de um número considerável de cidadãos. As outras não, como é o caso das alterações ao uso e porte de arma, da lei do asilo, das incompatibilidades dos autarcas e da protecção aos motoristas de táxi.

Esta última, então, já existe como lei há cerca de um ano mas é bem capaz de fenecer sem que os objectivos nela previstos se realizem.

«Coligações negativas» não relevam da ficção

Dois dos textos oposicionistas tiveram por destinatários grupos restritíssimos, como o que aprovou pensões para os ex-prisioneiros da guerra colonial (PSD) e o promovido pelos Verdes para equiparar as licenças de maternidade das deputadas ao regime da Função Pública.

São leis simpáticas e custam muito pouco ao erário público: por isso, ninguém se lhes opôs, nem o partido que suporta o Governo, pelo que beneficiaram do absoluto consenso parlamentar.

Em contrapartida, a esta safra de muito papel e poucas leis, o Governo (ou o PS por ele) levou 50 diplomas ao Parlamento, dos quais 30 já saíram no «Diário da República», ou aguardam vez em Belém para serem promulgadas. E há ainda oito à espera de relator, na 1ª comissão parlamentar, para se posicionarem como prioridades do ano que principia a 15 de Setembro.

A saber, nomeadamente: os estatutos dos jornalistas e do pessoal dirigente das administrações central e local, a regulamentação da publicidade postal e telefónica, a lei orgânica dos tribunais judiciais e as taxas de mulheres nas listas eleitorais.

Apesar de o Governo não dispor na Assembleia de apoio maioritário e de frequentemente se queixar das «coligações negativas», a verdade é que tem recebido luz verde para quase todas as propostas. Em linhas gerais e quanto à legislação, mais parece que continua a haver um regime de maioria absoluta. Basta, aliás, a abstenção de um dos grupos da oposição para a maioria relativa do PS valer em absoluto. E assim tem acontecido, repetidamente, ora com a abstenção do PP, ora do PCP, ou mesmo com votos a favor de um ou outro.

Os grandes embates com as chamadas «coligações negativas» deram-se, aí sim, sobre as portagens no Oeste e a lei das Finanças Locais.

No primeiro caso, o conjunto da oposição obrigou o ministro João Cravinho a contar-lhe os votos, embora não levando a guerra até às últimas consequências. A eliminação definitiva de portagens estava prevista no projecto de lei, mas acabou amenizada em suspensão temporal, até haver estradas alternativas. Isto numa espécie de acordo paralegal, para evitar o veto político do Presidente da República.

Quanto às Finanças Locais, a «coligação negativa» funcionou, mas só para produzir efeitos políticos e não legais.

PSD, PP e PCP aprovaram, de facto e na generalidade, projectos que o Governo rejeitava liminarmente, ameaçando até com eleições antecipadas. Mas deixaram-nos depois a congelar na comissão, até ali chegar a segunda versão da proposta do Governo, aprovada com a abstenção do Partido Comunista.

Um poder inglório, sem o Orçamento

Apurado o saldo deste confronto e apesar de ter perdido a batalha preliminar, foi ainda o Governo que fez ganho de causa, na batalha final.

A oposição recuou nas suas pretensões e a base do diploma hoje em vigor é a que João Cravinho defendia. Quando muito, o que a oposição conseguiu foi obrigar o Governo, mediante uma pressão política muito forte, a alargar os cordões à bolsa mais do que contava.

Pelo exposto se vê como é o poder das oposições, no que toca à iniciativa legislativa: justamente porque não manuseiam os cordelinhos do Orçamento. E é ainda mais vão o dos deputados, individualmente considerados, quando não enfileiram no apoio ao Governo.

Por isso mesmo são raros os diplomas propostos com uma só assinatura. Durante a sessão legislativa passada só há registo de um, na intenção de elevar a freguesia de Marialva, no concelho de Meda, à categoria de vila. Subscreveu-o Lemos Damião, eleito pelo PSD e hoje simples deputado independente.

O regimento atribuiu a todos os deputados o direito geral de iniciativa parlamentar. Mas só admite aos independentes a apresentação de um projecto de lei por ano. E, para o agendarem, exige-lhes o suporte de uma proposta da comissão competente, em razão da matéria.

Logo, a maioria dos grupos parlamentares representados na comissão pode esvaziar os efeitos práticos deste direito individual dos deputados.

Daniel Reis

Plenário da Assembleia da República: a oposição raramente consegue fazer «passar» um projecto; ao contrário do Governo, apesar de minoritário

A maioria das iniciativas legislativas das oposições vai directamente para o «caixote do lixo», por não contar, à partida, com votos suficientes para vingar. Outras, mesmo se passadas a letra de lei, ficam na dependência da acção ou da inacção do Governo, pois só o Executivo pode mobilizar os recursos que as traduzam em soluções práticas para o conjunto dos cidadãos.

Nesses casos, o trabalho só não se perde de todo por ser, simultaneamente, censura política a quem, tendo meios e capacidade para legislar, não o fez em tempo útil, sujeitando-se às imposições alheias.

Durante o último ano parlamentar, o conjunto da oposição apresentou 95 iniciativas, mas apenas oito foram aprovadas como leis da República. Mais de um terço (33) deste pacote de projectos refere-se à criação de concelhos ou à promoção de freguesias a vilas e de vilas a cidades: a maior parte delas consumar-se-á, a seu tempo, até pela unanimidade dos deputados.

Quanto ao curto rol dos projectos passados a letra de lei, sob os auspícios da oposição, só a suspensão das portagens tem directamente reflexos no bolso de um número considerável de cidadãos. As outras não, como é o caso das alterações ao uso e porte de arma, da lei do asilo, das incompatibilidades dos autarcas e da protecção aos motoristas de táxi.

Esta última, então, já existe como lei há cerca de um ano mas é bem capaz de fenecer sem que os objectivos nela previstos se realizem.

«Coligações negativas» não relevam da ficção

Dois dos textos oposicionistas tiveram por destinatários grupos restritíssimos, como o que aprovou pensões para os ex-prisioneiros da guerra colonial (PSD) e o promovido pelos Verdes para equiparar as licenças de maternidade das deputadas ao regime da Função Pública.

São leis simpáticas e custam muito pouco ao erário público: por isso, ninguém se lhes opôs, nem o partido que suporta o Governo, pelo que beneficiaram do absoluto consenso parlamentar.

Em contrapartida, a esta safra de muito papel e poucas leis, o Governo (ou o PS por ele) levou 50 diplomas ao Parlamento, dos quais 30 já saíram no «Diário da República», ou aguardam vez em Belém para serem promulgadas. E há ainda oito à espera de relator, na 1ª comissão parlamentar, para se posicionarem como prioridades do ano que principia a 15 de Setembro.

A saber, nomeadamente: os estatutos dos jornalistas e do pessoal dirigente das administrações central e local, a regulamentação da publicidade postal e telefónica, a lei orgânica dos tribunais judiciais e as taxas de mulheres nas listas eleitorais.

Apesar de o Governo não dispor na Assembleia de apoio maioritário e de frequentemente se queixar das «coligações negativas», a verdade é que tem recebido luz verde para quase todas as propostas. Em linhas gerais e quanto à legislação, mais parece que continua a haver um regime de maioria absoluta. Basta, aliás, a abstenção de um dos grupos da oposição para a maioria relativa do PS valer em absoluto. E assim tem acontecido, repetidamente, ora com a abstenção do PP, ora do PCP, ou mesmo com votos a favor de um ou outro.

Os grandes embates com as chamadas «coligações negativas» deram-se, aí sim, sobre as portagens no Oeste e a lei das Finanças Locais.

No primeiro caso, o conjunto da oposição obrigou o ministro João Cravinho a contar-lhe os votos, embora não levando a guerra até às últimas consequências. A eliminação definitiva de portagens estava prevista no projecto de lei, mas acabou amenizada em suspensão temporal, até haver estradas alternativas. Isto numa espécie de acordo paralegal, para evitar o veto político do Presidente da República.

Quanto às Finanças Locais, a «coligação negativa» funcionou, mas só para produzir efeitos políticos e não legais.

PSD, PP e PCP aprovaram, de facto e na generalidade, projectos que o Governo rejeitava liminarmente, ameaçando até com eleições antecipadas. Mas deixaram-nos depois a congelar na comissão, até ali chegar a segunda versão da proposta do Governo, aprovada com a abstenção do Partido Comunista.

Um poder inglório, sem o Orçamento

Apurado o saldo deste confronto e apesar de ter perdido a batalha preliminar, foi ainda o Governo que fez ganho de causa, na batalha final.

A oposição recuou nas suas pretensões e a base do diploma hoje em vigor é a que João Cravinho defendia. Quando muito, o que a oposição conseguiu foi obrigar o Governo, mediante uma pressão política muito forte, a alargar os cordões à bolsa mais do que contava.

Pelo exposto se vê como é o poder das oposições, no que toca à iniciativa legislativa: justamente porque não manuseiam os cordelinhos do Orçamento. E é ainda mais vão o dos deputados, individualmente considerados, quando não enfileiram no apoio ao Governo.

Por isso mesmo são raros os diplomas propostos com uma só assinatura. Durante a sessão legislativa passada só há registo de um, na intenção de elevar a freguesia de Marialva, no concelho de Meda, à categoria de vila. Subscreveu-o Lemos Damião, eleito pelo PSD e hoje simples deputado independente.

O regimento atribuiu a todos os deputados o direito geral de iniciativa parlamentar. Mas só admite aos independentes a apresentação de um projecto de lei por ano. E, para o agendarem, exige-lhes o suporte de uma proposta da comissão competente, em razão da matéria.

Logo, a maioria dos grupos parlamentares representados na comissão pode esvaziar os efeitos práticos deste direito individual dos deputados.

Daniel Reis

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