Festa na aldeia

01-09-1999
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O bispo fez questão de presidir à primeira comunhão, em 1991, e à comunhão solene, três anos mais tarde, de uma sobrinha neta

A convicção de Celeste Santos traduz o sentimento da população da aldeia de Gagos do Jarmelo (situada na antiga estrada de ligação entre Guarda e Vilar Formoso), onde D. José nasceu no dia 6 de Janeiro de 1932. Da presença do prelado na aldeia natal somente guardam na memória duas datas. A da ordenação sacerdotal, em Março de 1957 - «fizemos-lhe uma grande festa quando aqui veio celebrar a primeira missa e até enfeitámos as ruas e a igreja» -, e a da elevação ao episcopado, em Agosto de 1989, quando se fez uma missa campal - ocasião aproveitada por um artista da terra, António Barreiros, para o obsequiar com um quadro que retrata Gagos do Jarmelo.

Este ano, a população da aldeia, que ainda conserva as primitivas casas de granito, gostaria de receber D. José Saraiva Martins «para uma outra festa». Já não reside na localidade nenhum dos seus quatro irmãos, mas ao fundo da Rua da Horta ainda se mantém a casa da família, perto da paróquia.

A pintura de António Barreiros ocupa um lugar de destaque no escritório da sua casa em Roma, situada na Via Della Conciliazone, que dá acesso à Praça de S. Pedro. D. José vive na «Cidade Santa» desde os 17 anos. Depois de ter completado o liceu no seminário dos Missionários do Imaculado Coração de Maria, em Vila Nova de Gaia, os superiores decidiram enviá-lo para Roma estudar Teologia.

Ordenado padre com 25 anos, o seu empenho nos estudos (doutorou-se em Filosofia e Teologia) levou os mestres a aconselharem-no a seguir a carreira académica. Nunca mais regressou a Portugal, senão para passar férias. Até 1980 deu aulas no Instituto Claretiano, pertencente à sua ordem religiosa, e em duas das Universidades Pontifícias, a Latranense e a Urbaniana. Ainda conseguiu obter uma especialização na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, e escrever mais de um dezena de livros sobre Teologia Dogmática. No mesmo ano, o Papa João Paulo II nomeia-o reitor da Urbaniana. Esta universidade, que depende directamente do Vaticano, é destinada à formação de missionários e teólogos dos chamados países de missão da África, Ásia e América Latina.

«Este foi o modo como assumiu a sua vocação missionária», diz Abílio Pina Ribeiro, superior dos Missionários Imaculado Coração de Maria. E o padre Pina Ribeiro salienta que ele «cumpriu bem a missão» - além de ter reformulado os currículos da Urbaniana de acordo com doutrina do Vaticano II, que instituiu um esquema de segurança social para os professores - o primeiro numa academia da Santa Sé. E em 82, tendo em conta a devoção ao Espírito Santo que as Igrejas do Oriente cultivam, promoveu um encontro entre teólogos do Ocidente e do Oriente, quando aquele tema era ainda esquecido pela teologia ocidental.

D. José Saraiva Martins com a família

O cargo deu-lhe o direito a ser ordenado bispo. E foi durante os dez anos que esteve na Congregação que deixou evidenciar as suas opções teológicas e pastorais. Apesar de durante a vida académica «nunca ter evidenciado nenhuma tendência liberal, D. José era olhado como um homem de consensos e de opções teológicas equilibradas», afirma um canonista português que estudou em Roma. As diversas viagens de vigilância que efectuou demonstraram, todavia, «alguma inflexibilidade para com as diferentes sensibilidades culturais e teológicas», reconhece o mesmo canonista. D. José mandou encerrar o Instituto do México, dirigido por padres jesuítas, por considerar que o ensino ali ministrado era pouco ortodoxo com as determinações doutrinais do Papa. E, no Brasil, mandou fechar um seminário na diocese do Recife, por não possuir capela e nas suas paredes circular informação marxista.

Entre o clero da Igreja portuguesa, D. José Saraiva Martins passou praticamente despercebido, até à sua nomeação para a Causa dos Santos. «As responsabilidades de administração na vida académica absorveram-no», diz um professor da Universidade Católica Portuguesa, que anota ainda o facto de «sempre se ter alheado dos grandes momentos da Igreja, em Portugal, por nunca ter estado ligado às questões pastorais».

As duas semanas de Agosto que passa em Portugal, gasta-as a descansar na casa-mãe dos Missionários do Imaculado Coração de Maria, em Lisboa. «A vida sedentária e de permanentes audiências que leva em Roma leva-o a evitar a programação de encontros, exceptuando com os quatro irmãos e os numerosos sobrinhos», confidencia o padre Pina Ribeiro. Isola-se, dedicando os dias a longos passeios, a pé, em Lisboa. E nunca programa qualquer encontro com os seus pares portugueses.

«Connosco, mostra-se sempre extremamente afável e interessado pelos assuntos de cada um.» Maria Helena Saraiva, a sobrinha em cuja casa D. José reúne toda a família, garante que «as reuniões com o tio são sempre de boa disposição». «Não tem por hábito falar das funções que desempenha», diz Helena Saraiva. D. José evita ainda incomodar os familiares com questões de âmbito religioso: «É um assunto que ele deixa que cada um viva como pretende», afirma a sobrinha.

Em Roma, D. José prefere dedicar o tempo que a Congregação lhe deixa disponível para tratar das plantas que possui no terraço da casa, ou para acompanhar, pela televisão, os jogos da Lazio, o seu clube preferido. Por vezes é capaz de levar a um restaurante as duas freiras que o apoiam em casa.

A discrição terá pesado na sua escolha para responsável máximo da Congregação para a Causa dos Santos, no dia 30 de Maio. «Um dos dicastérios mais importantes da Cúria, por ser o rosto visível da dimensão espiritual da Igreja», como considera o teólogo contactado em Roma. Colocado num lugar ocupado normalmente por um cardeal, a Igreja portuguesa espera que um próximo consistório o nomeie cardeal. Resta saber se João Paulo II ainda reunirá um novo consistório, já que o último se realizou em Fevereiro passado, durante o qual nomeou 20 novos cardeais, ficando assim preenchido o corpo hierárquico que escolherá o próximo sucessor de Pedro. Dos 165 actuais cardeais, apenas 123 dos que tiverem menos de 80 anos, na ocasião de eleger um novo Papa, é que poderão votar.

O bispo fez questão de presidir à primeira comunhão, em 1991, e à comunhão solene, três anos mais tarde, de uma sobrinha neta

A convicção de Celeste Santos traduz o sentimento da população da aldeia de Gagos do Jarmelo (situada na antiga estrada de ligação entre Guarda e Vilar Formoso), onde D. José nasceu no dia 6 de Janeiro de 1932. Da presença do prelado na aldeia natal somente guardam na memória duas datas. A da ordenação sacerdotal, em Março de 1957 - «fizemos-lhe uma grande festa quando aqui veio celebrar a primeira missa e até enfeitámos as ruas e a igreja» -, e a da elevação ao episcopado, em Agosto de 1989, quando se fez uma missa campal - ocasião aproveitada por um artista da terra, António Barreiros, para o obsequiar com um quadro que retrata Gagos do Jarmelo.

Este ano, a população da aldeia, que ainda conserva as primitivas casas de granito, gostaria de receber D. José Saraiva Martins «para uma outra festa». Já não reside na localidade nenhum dos seus quatro irmãos, mas ao fundo da Rua da Horta ainda se mantém a casa da família, perto da paróquia.

A pintura de António Barreiros ocupa um lugar de destaque no escritório da sua casa em Roma, situada na Via Della Conciliazone, que dá acesso à Praça de S. Pedro. D. José vive na «Cidade Santa» desde os 17 anos. Depois de ter completado o liceu no seminário dos Missionários do Imaculado Coração de Maria, em Vila Nova de Gaia, os superiores decidiram enviá-lo para Roma estudar Teologia.

Ordenado padre com 25 anos, o seu empenho nos estudos (doutorou-se em Filosofia e Teologia) levou os mestres a aconselharem-no a seguir a carreira académica. Nunca mais regressou a Portugal, senão para passar férias. Até 1980 deu aulas no Instituto Claretiano, pertencente à sua ordem religiosa, e em duas das Universidades Pontifícias, a Latranense e a Urbaniana. Ainda conseguiu obter uma especialização na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, e escrever mais de um dezena de livros sobre Teologia Dogmática. No mesmo ano, o Papa João Paulo II nomeia-o reitor da Urbaniana. Esta universidade, que depende directamente do Vaticano, é destinada à formação de missionários e teólogos dos chamados países de missão da África, Ásia e América Latina.

«Este foi o modo como assumiu a sua vocação missionária», diz Abílio Pina Ribeiro, superior dos Missionários Imaculado Coração de Maria. E o padre Pina Ribeiro salienta que ele «cumpriu bem a missão» - além de ter reformulado os currículos da Urbaniana de acordo com doutrina do Vaticano II, que instituiu um esquema de segurança social para os professores - o primeiro numa academia da Santa Sé. E em 82, tendo em conta a devoção ao Espírito Santo que as Igrejas do Oriente cultivam, promoveu um encontro entre teólogos do Ocidente e do Oriente, quando aquele tema era ainda esquecido pela teologia ocidental.

D. José Saraiva Martins com a família

O cargo deu-lhe o direito a ser ordenado bispo. E foi durante os dez anos que esteve na Congregação que deixou evidenciar as suas opções teológicas e pastorais. Apesar de durante a vida académica «nunca ter evidenciado nenhuma tendência liberal, D. José era olhado como um homem de consensos e de opções teológicas equilibradas», afirma um canonista português que estudou em Roma. As diversas viagens de vigilância que efectuou demonstraram, todavia, «alguma inflexibilidade para com as diferentes sensibilidades culturais e teológicas», reconhece o mesmo canonista. D. José mandou encerrar o Instituto do México, dirigido por padres jesuítas, por considerar que o ensino ali ministrado era pouco ortodoxo com as determinações doutrinais do Papa. E, no Brasil, mandou fechar um seminário na diocese do Recife, por não possuir capela e nas suas paredes circular informação marxista.

Entre o clero da Igreja portuguesa, D. José Saraiva Martins passou praticamente despercebido, até à sua nomeação para a Causa dos Santos. «As responsabilidades de administração na vida académica absorveram-no», diz um professor da Universidade Católica Portuguesa, que anota ainda o facto de «sempre se ter alheado dos grandes momentos da Igreja, em Portugal, por nunca ter estado ligado às questões pastorais».

As duas semanas de Agosto que passa em Portugal, gasta-as a descansar na casa-mãe dos Missionários do Imaculado Coração de Maria, em Lisboa. «A vida sedentária e de permanentes audiências que leva em Roma leva-o a evitar a programação de encontros, exceptuando com os quatro irmãos e os numerosos sobrinhos», confidencia o padre Pina Ribeiro. Isola-se, dedicando os dias a longos passeios, a pé, em Lisboa. E nunca programa qualquer encontro com os seus pares portugueses.

«Connosco, mostra-se sempre extremamente afável e interessado pelos assuntos de cada um.» Maria Helena Saraiva, a sobrinha em cuja casa D. José reúne toda a família, garante que «as reuniões com o tio são sempre de boa disposição». «Não tem por hábito falar das funções que desempenha», diz Helena Saraiva. D. José evita ainda incomodar os familiares com questões de âmbito religioso: «É um assunto que ele deixa que cada um viva como pretende», afirma a sobrinha.

Em Roma, D. José prefere dedicar o tempo que a Congregação lhe deixa disponível para tratar das plantas que possui no terraço da casa, ou para acompanhar, pela televisão, os jogos da Lazio, o seu clube preferido. Por vezes é capaz de levar a um restaurante as duas freiras que o apoiam em casa.

A discrição terá pesado na sua escolha para responsável máximo da Congregação para a Causa dos Santos, no dia 30 de Maio. «Um dos dicastérios mais importantes da Cúria, por ser o rosto visível da dimensão espiritual da Igreja», como considera o teólogo contactado em Roma. Colocado num lugar ocupado normalmente por um cardeal, a Igreja portuguesa espera que um próximo consistório o nomeie cardeal. Resta saber se João Paulo II ainda reunirá um novo consistório, já que o último se realizou em Fevereiro passado, durante o qual nomeou 20 novos cardeais, ficando assim preenchido o corpo hierárquico que escolherá o próximo sucessor de Pedro. Dos 165 actuais cardeais, apenas 123 dos que tiverem menos de 80 anos, na ocasião de eleger um novo Papa, é que poderão votar.

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