«Avante!» Nº 1263

09-10-1999
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A TALHE DE FOICE

Reunir e impor

O Grupo Parlamentar e a Comissão Política do Partido Socialista reuniram-se na passada terça-feira para decidirem o que fazer com o referendo sobre a despenalização do aborto, cozinhado pelas direcções do PS e do PSD horas depois de a Assembleia da República ter aprovado o Projecto de Lei, proposto pela JS e apoiado pelo PS, que consagra essa mesma despenalização.

À hora em que escrevemos ainda não se sabe o resultado da reunião, o que não tem importância: o desfecho já fora anunciado na imprensa através de títulos como o da primeira página do Diário de Notícias desse dia, afirmando: «Direcção do PS impõe referendo aos deputados».

Especulação jornalística? Nada disso. A notícia assim titulada pelo DN estava bem estribada: tinha a sustentá-la nem mais nem menos que o inevitável ministro adjunto Jorge Coelho, cuja intervenção, a fazer no magno e reservado encontro, o matutino lisboeta parecia conhecer tão bem como o próprio. Pelo que se conclui que Jorge Coelho e seus pares já não se limitam a manejar a governação e o partido nos locais e tempo adequados: também usam os jornais como campo das suas próprias manobras, e por antecipação.

Veja-se e aprecie-se.

«Na reunião do grupo parlamentar com a Comissão Política», garantia o DN um dia antes dos acontecimentos, «o ministro adjunto será porta-voz da indignação do líder do partido, António Guterres, perante os "ataques" internos de que diz ser alvo a propósito da abertura manifestada para um entendimento com o PSD para a realização de um referendo sobre o aborto».

Recorde-se que os «ataques» internos, a existirem, consistirão na inevitável perplexidade dos deputados do PS em verem uma lei por si proposta e aprovada na Assembleia da República ser, horas depois, hipotecada pela direcção do partido a um referendo cozinhado com os adversários, pondo em causa o grupo parlamentar, o PS e a própria dignidade da Assembleia da República.

Mas adiante.

«Na reunião de hoje», continuava o DN, «Jorge Coelho vai dizer que, à excepção da regionalização, nenhuma das batalhas em que o grupo parlamentar se envolveu ou se prepara para envolver - aborto, uniões de facto, droga – foi motivo de campanha nas eleições de 95», pelo que «para legislar sobre essas matérias o PS terá de recorrer ao referendo».

O pior é que os «motivos» da campanha eleitoral do PS em 1995 também não foram legislados, nomeadamente as fartas promessas nas áreas do Ensino, da Saúde, da justiça social... Que tal um referendo para averiguar o que o eleitorado pensa disso?

Finalmente, «Coelho alertará os deputados para o facto de, ao porem em debate temas polémicos que não foram sancionados nas legislativas de 95, estarem a trabalhar para a derrota nas legislativas de 99. "Se sem maioria absoluta fazem isto, o que não farão com maioria absoluta", interrogar-se-ão, segundo Coelho, os eleitores».

Pelo que ficamos a saber duas coisas.

Uma, que o PS não anda a trabalhar para o país: a sua «política do coração» só bate com o objectivo de ganhar eleições e manter-se nos poleiros.

Outra, a de que o ministro Jorge Coelho considera, afinal, as maiorias absolutas um caminho aberto para os abusos de poder.

E está cheio de razão. Sobretudo se forem parar às mãos de tão grandes democratas. — Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1263 - 12.Fevereiro.98

A TALHE DE FOICE

Reunir e impor

O Grupo Parlamentar e a Comissão Política do Partido Socialista reuniram-se na passada terça-feira para decidirem o que fazer com o referendo sobre a despenalização do aborto, cozinhado pelas direcções do PS e do PSD horas depois de a Assembleia da República ter aprovado o Projecto de Lei, proposto pela JS e apoiado pelo PS, que consagra essa mesma despenalização.

À hora em que escrevemos ainda não se sabe o resultado da reunião, o que não tem importância: o desfecho já fora anunciado na imprensa através de títulos como o da primeira página do Diário de Notícias desse dia, afirmando: «Direcção do PS impõe referendo aos deputados».

Especulação jornalística? Nada disso. A notícia assim titulada pelo DN estava bem estribada: tinha a sustentá-la nem mais nem menos que o inevitável ministro adjunto Jorge Coelho, cuja intervenção, a fazer no magno e reservado encontro, o matutino lisboeta parecia conhecer tão bem como o próprio. Pelo que se conclui que Jorge Coelho e seus pares já não se limitam a manejar a governação e o partido nos locais e tempo adequados: também usam os jornais como campo das suas próprias manobras, e por antecipação.

Veja-se e aprecie-se.

«Na reunião do grupo parlamentar com a Comissão Política», garantia o DN um dia antes dos acontecimentos, «o ministro adjunto será porta-voz da indignação do líder do partido, António Guterres, perante os "ataques" internos de que diz ser alvo a propósito da abertura manifestada para um entendimento com o PSD para a realização de um referendo sobre o aborto».

Recorde-se que os «ataques» internos, a existirem, consistirão na inevitável perplexidade dos deputados do PS em verem uma lei por si proposta e aprovada na Assembleia da República ser, horas depois, hipotecada pela direcção do partido a um referendo cozinhado com os adversários, pondo em causa o grupo parlamentar, o PS e a própria dignidade da Assembleia da República.

Mas adiante.

«Na reunião de hoje», continuava o DN, «Jorge Coelho vai dizer que, à excepção da regionalização, nenhuma das batalhas em que o grupo parlamentar se envolveu ou se prepara para envolver - aborto, uniões de facto, droga – foi motivo de campanha nas eleições de 95», pelo que «para legislar sobre essas matérias o PS terá de recorrer ao referendo».

O pior é que os «motivos» da campanha eleitoral do PS em 1995 também não foram legislados, nomeadamente as fartas promessas nas áreas do Ensino, da Saúde, da justiça social... Que tal um referendo para averiguar o que o eleitorado pensa disso?

Finalmente, «Coelho alertará os deputados para o facto de, ao porem em debate temas polémicos que não foram sancionados nas legislativas de 95, estarem a trabalhar para a derrota nas legislativas de 99. "Se sem maioria absoluta fazem isto, o que não farão com maioria absoluta", interrogar-se-ão, segundo Coelho, os eleitores».

Pelo que ficamos a saber duas coisas.

Uma, que o PS não anda a trabalhar para o país: a sua «política do coração» só bate com o objectivo de ganhar eleições e manter-se nos poleiros.

Outra, a de que o ministro Jorge Coelho considera, afinal, as maiorias absolutas um caminho aberto para os abusos de poder.

E está cheio de razão. Sobretudo se forem parar às mãos de tão grandes democratas. — Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1263 - 12.Fevereiro.98

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