EXPRESSO -

14-09-1999
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«Marcelo Rebelo de Sousa confia demasiado nas suas próprias manigâncias e parece não perceber que o manobrismo político só consegue transformá-lo num lamentável aprendiz de feiticeiro. Se continuar assim nem precisa de voltar ao Chão da Lagoa para se estatelar no chão da política.»

O chão da política

TODOS os anos por esta altura o presidente do PSD/Madeira proporciona ao país, no Chão da Lagoa, uma festa partidária regional, grotesca e hilariante, à qual se tem associado, desde há três anos, como malabarista político convidado, o actual presidente do PSD/Continente. Diga-se desde já, em abono da verdade, que o inefável professor Marcelo Rebelo de Sousa tem dado, ao truculento doutor Alberto João Jardim, um contributo decisivo para transformar a festa num espectáculo político absolutamente delirante e surrealista. Este ano, o arraial partidário no Chão da Lagoa teve a (des)vantagem de juntar o (in)útil ao (des)agradável, a caricatura partidária ao oportunismo político, a ameaça desbragada à incoerência dos discursos. Foi o espectáculo deplorável da falta de sinceridade e de convicções políticas do professor Marcelo e do doutor Jardim, apimentado pelos gracejos caceteiros e antidemocráticos do senhor Jaime Ramos. Um observador político mais complacente considerou, todavia, que «o habitualmente virulento Jaime Ramos esteve brando». Efectivamente, o cavalheiro limitou-se a proferir a branda ameaça de «tratar do pêlo dos inimigos da autonomia», dizendo apenas que eles «têm de ser abatidos». É certo que não foi mais longe, tendo o país político ficado sem saber se será a murro, à cacetada ou a tiro que os «inimigos» da Madeira terão de ser «abatidos». Mas, como escreveu Camilo numa das suas Novelas do Minho, ele há «gracejos que matam». E o professor Marcelo que se cuide, com o discurso tão exacerbadamente anti-regionalista que agora costuma desbobinar. Este foi, aliás, o ponto mais delirante e surrealista do acontecimento. Ver e ouvir o professor Marcelo a pregar contra a regionalização perante a mais autonomista das plateias regionais desta ditosa pátria. Ver e ouvir o mais trauliteiro e autonomista dos caciques regionais deste país a dar o dito por não dito e a prometer ao professor Marcelo um rotundo «não» do PSD/Madeira no referendo sobre a regionalização. Duas vertiginosas viragens políticas de 180 graus. Há três anos, o professor Marcelo era convictamente a favor da regionalização. Agora, é exacerbadamente contra. Há três meses, o doutor Jardim ainda era adepto do «sim» à regionalização. Há três semanas, era adepto do «nim» (voto branco, voto nulo). Agora, já é adepto (incondicional?) do «não». Este espectáculo circense de puro contorcionismo político-partidário não deve confortar ninguém. Nem os que são sinceramente a favor, nem os que são (como eu) genuinamente contra a regionalização político-administrativa do continente. As cambalhotas do professor Marcelo constituem um descarado exemplo de oportunismo político. O que está em causa, para ele, é tão-só a vontade de poder dentro do PSD, associada à sofreguidão do «aparelho laranja» de fazer chegar outra vez o PSD ao poder. Já as piruetas do doutor Jardim fiam mais fino, embora também não escapem a um escandaloso oportunismo político. O que está em causa, para ele, é a conservação do poder absoluto na Madeira, associada à vontade de mais poder dentro do PSD e ao velho desejo de fazer uma carreira política rumo ao poder, no continente. Não se ponha a pau o professor Marcelo e passará, num ápice, de «refém» político, que já é, do PSD/Madeira, a «prisioneiro» político do doutor Jardim. Que é um «passarão». Graças à complacência de quase toda a classe política portuguesa (as excepções são raras), o doutor Jardim foi radicalizando o seu discurso até às proporções grotescas e inimagináveis que hoje tem. Já diz que este não é um «país decente», que o Estado português é «mafioso» e, até, que os portugueses «devem dar um pontapé no rabo» do engenheiro Guterres, para «pôr Marcelo em primeiro-ministro». Que importa? Quase todos os políticos lusitanos o temem, todos os governos se curvam perante as exigências (sobretudo económicas e financeiras) que ele faz e, ainda por cima, quase todos o elogiam. O discurso do doutor Jardim é, simultaneamente, uma caricatura da regionalização e o exemplo vivo do «défice democrático» na Madeira. Não sendo a única razão, é seguramente um dos mais fortes argumentos contra a regionalização. Só porque incitou os madeirenses a «lutar por Portugal» e convenceu o chefe do PSD/Madeira a mudar de voto, o professor Marcelo é bem capaz de estar a pensar que, com as suas fulgurantes habilidades políticas, até está a dar a volta ao texto e a meter no bolso o doutor Jardim. Puro engano. O chefe do PSD/Continente confia demasiado nas suas próprias manigâncias e parece não perceber que o manobrismo político só consegue transformá-lo num lamentável aprendiz de feiticeiro. Se continuar assim de manobra em manobra, nem precisa de voltar ao Chão da Lagoa para se estatelar no chão da política.

«Marcelo Rebelo de Sousa confia demasiado nas suas próprias manigâncias e parece não perceber que o manobrismo político só consegue transformá-lo num lamentável aprendiz de feiticeiro. Se continuar assim nem precisa de voltar ao Chão da Lagoa para se estatelar no chão da política.»

O chão da política

TODOS os anos por esta altura o presidente do PSD/Madeira proporciona ao país, no Chão da Lagoa, uma festa partidária regional, grotesca e hilariante, à qual se tem associado, desde há três anos, como malabarista político convidado, o actual presidente do PSD/Continente. Diga-se desde já, em abono da verdade, que o inefável professor Marcelo Rebelo de Sousa tem dado, ao truculento doutor Alberto João Jardim, um contributo decisivo para transformar a festa num espectáculo político absolutamente delirante e surrealista. Este ano, o arraial partidário no Chão da Lagoa teve a (des)vantagem de juntar o (in)útil ao (des)agradável, a caricatura partidária ao oportunismo político, a ameaça desbragada à incoerência dos discursos. Foi o espectáculo deplorável da falta de sinceridade e de convicções políticas do professor Marcelo e do doutor Jardim, apimentado pelos gracejos caceteiros e antidemocráticos do senhor Jaime Ramos. Um observador político mais complacente considerou, todavia, que «o habitualmente virulento Jaime Ramos esteve brando». Efectivamente, o cavalheiro limitou-se a proferir a branda ameaça de «tratar do pêlo dos inimigos da autonomia», dizendo apenas que eles «têm de ser abatidos». É certo que não foi mais longe, tendo o país político ficado sem saber se será a murro, à cacetada ou a tiro que os «inimigos» da Madeira terão de ser «abatidos». Mas, como escreveu Camilo numa das suas Novelas do Minho, ele há «gracejos que matam». E o professor Marcelo que se cuide, com o discurso tão exacerbadamente anti-regionalista que agora costuma desbobinar. Este foi, aliás, o ponto mais delirante e surrealista do acontecimento. Ver e ouvir o professor Marcelo a pregar contra a regionalização perante a mais autonomista das plateias regionais desta ditosa pátria. Ver e ouvir o mais trauliteiro e autonomista dos caciques regionais deste país a dar o dito por não dito e a prometer ao professor Marcelo um rotundo «não» do PSD/Madeira no referendo sobre a regionalização. Duas vertiginosas viragens políticas de 180 graus. Há três anos, o professor Marcelo era convictamente a favor da regionalização. Agora, é exacerbadamente contra. Há três meses, o doutor Jardim ainda era adepto do «sim» à regionalização. Há três semanas, era adepto do «nim» (voto branco, voto nulo). Agora, já é adepto (incondicional?) do «não». Este espectáculo circense de puro contorcionismo político-partidário não deve confortar ninguém. Nem os que são sinceramente a favor, nem os que são (como eu) genuinamente contra a regionalização político-administrativa do continente. As cambalhotas do professor Marcelo constituem um descarado exemplo de oportunismo político. O que está em causa, para ele, é tão-só a vontade de poder dentro do PSD, associada à sofreguidão do «aparelho laranja» de fazer chegar outra vez o PSD ao poder. Já as piruetas do doutor Jardim fiam mais fino, embora também não escapem a um escandaloso oportunismo político. O que está em causa, para ele, é a conservação do poder absoluto na Madeira, associada à vontade de mais poder dentro do PSD e ao velho desejo de fazer uma carreira política rumo ao poder, no continente. Não se ponha a pau o professor Marcelo e passará, num ápice, de «refém» político, que já é, do PSD/Madeira, a «prisioneiro» político do doutor Jardim. Que é um «passarão». Graças à complacência de quase toda a classe política portuguesa (as excepções são raras), o doutor Jardim foi radicalizando o seu discurso até às proporções grotescas e inimagináveis que hoje tem. Já diz que este não é um «país decente», que o Estado português é «mafioso» e, até, que os portugueses «devem dar um pontapé no rabo» do engenheiro Guterres, para «pôr Marcelo em primeiro-ministro». Que importa? Quase todos os políticos lusitanos o temem, todos os governos se curvam perante as exigências (sobretudo económicas e financeiras) que ele faz e, ainda por cima, quase todos o elogiam. O discurso do doutor Jardim é, simultaneamente, uma caricatura da regionalização e o exemplo vivo do «défice democrático» na Madeira. Não sendo a única razão, é seguramente um dos mais fortes argumentos contra a regionalização. Só porque incitou os madeirenses a «lutar por Portugal» e convenceu o chefe do PSD/Madeira a mudar de voto, o professor Marcelo é bem capaz de estar a pensar que, com as suas fulgurantes habilidades políticas, até está a dar a volta ao texto e a meter no bolso o doutor Jardim. Puro engano. O chefe do PSD/Continente confia demasiado nas suas próprias manigâncias e parece não perceber que o manobrismo político só consegue transformá-lo num lamentável aprendiz de feiticeiro. Se continuar assim de manobra em manobra, nem precisa de voltar ao Chão da Lagoa para se estatelar no chão da política.

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