«Avante!» Nº 1262

06-10-1999
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Iraque

EUA apertam o cerco

Entre os apelos da Rússia à comunidade internacional para que prossiga «as pesquisas persistentes para (encontrar) uma solução pacífica» para a crise iraquina, e as ameaças da Secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, de flagelar o Iraque com um ataque militar «significativo», há um diálogo de surdos cuja única utilidade parece ser a de preparar a opinião pública internacional para a «inevitabilidade» do bombardeamento de Bagdad.

Enquanto Saddam Hussein toca a reunir, preparando as suas hostes para o massacre e restaurando apoios no ódio colectivo ao império americano, os representantes norte-americanos fazem o périplo pelas capitais dos países aliados e afins expondo razões e colhendo, se não apoios, pelo menos conivências.

Como de costume em casos semelhantes, a «diplomacia» alimenta um manancial de informações contraditórias, que muito convenientemente vão tacteando o terreno de eventuais receptividades e alimentando especulações. Foi o que sucedeu no início da semana, com os representantes russos a garantirem o acordo de Bagdad para a inspecção de oito silos apontados como reservatórios de armas químicas, logo desmentidos por responsáveis iraquianos, que vieram negar ter dado acordo para a referida inspecção. Entre uma afirmação e outra, os norte-americanos disseram de sua justiça: a abertura dos silos seria necessária... mas não suficiente.

Nesta diplomacia musculada que se joga no Golfo, ressalta uma vez mais a total incapacidade das Nações Unidas para se afirmar como o efectivo centro de decisões na resolução dos problemas a nível internacional. Se é um facto que o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, continua a garantir que o mundo não está na «décima primeira hora» antes do desencadear de uma acção militar contra o Iraque e que os próprios Estados Unidos preferiam que fosse encontrada uma solução diplomática, não é menos verdade que da parte das Nações Unidas e do Conselho de Segurança não houve qualquer reacção ao anúncio da Casa Branca de que os EUA estariam prontos a tomar sozinhos, se necessário fosse, as medidas de retaliação contra o Iraque.

É sintomático que Annan tenha afirmado, após um encontro com Bill Richardson, o representante norte-americano no Conselho de Segurança, esperar «que os iraquianos se submetam e que não tenhamos de recorrer à força como último meio», sobretudo tendo em conta que a questão nem sequer fora discutida no Conselho de Segurança.

Diplomacia, mas...

Curiosa é também a reacção dos principais responsáveis políticos mundiais à iminência de nova tempestade no deserto. À excepção da Grã-Bretanha, onde o governo trabalhista de Tony Blair não mudou uma vírgula ao tradicional apoio incondicional ao amigo norte-americano, e de Israel, por razões óbvias, ninguém parece acreditar nas acusações dos EUA quanto às capacidades agressivas do Iraque. E no entanto...

O Presidente egípcio, Hosni Moubarak, apelou a Saddam Hussein para que «contenha» a crise entre o Iraque e as Nações Unidas para evitar novos sofrimentos ao povo iraquiano.

O governo jordano, por seu lado, entrou em estado de alerta, prevendo as consequências de um possível ataque dos Estados Unidos contra o Iraque. Em carta enviada de Londres, onde se encontra a receber tratamento médico, o Rei Hussein - ignorando deliberadamente o exemplo do vizinho Israel - adverte que «os Estados Unidos e o mundo não podem aceitar que alguém desafie a vontade internacional e as resoluções da ONU». Na sua opinião, «quando os membros do Conselho de Segurança declararem o fracasso dos esforços diplomáticos para resolver a crise, não haverá outra alternativa que o uso da força para impedir um país de utilizar de novo armas de destruição maciça».

Vale a pena recordar que não escandalizou ninguém a denúncia, na imprensa israelita, de uma alegada ameaça nuclear de Israel ao Iraque, no caso de serem disparados mísseis iraquianos contra o seu território. Bastou que o ministro israelita da Defesa, Yitzhak Mordehai, viesse a público afirmar que «todas essas informações são estúpidas», para que o caso ficasse arrumado.

Posições que justificam a confiança do secretário da Defesa norte-americano, William Cohen, que acredita na possibilidade de as forças norte-americanas poderem, se necessário, utilizar bases aéreas no Golfo, em caso de intervenção militar contra o Iraque.

«Sinto-me confiante, depois de ter falado com vários países do Golfo, de que teremos o apoio necessário para realizar todas as operações necessárias», declarou há dias em conferência de imprensa.

Por seu lado, o presidente francês, Jacques Chirac, e o presidente do Conselho italiano, Romano Prodi, dizem defender a necessidade de «continuar a agir seguindo as modalidades mais adaptadas para obter uma redução das graves tensões actuais, no quadro do respeito rigoroso das importantes resoluções das Nações Unidas», como se afirma num comunicado divulgado em Roma. Uma posição que privilegia a via diplomática, mas suficientemente maleável para responder a qualquer eventualidade.

Uma eventualidade que, segundo o contra-almirante Michael Mullen, comandante de um grupo de combate norte-americano no Golfo pode traduzir-se em ataques sucessivos contra o Iraque durante semanas «de uma forma muito precisa e muito devastadora».

Muito oportunamente, uma sondagem divulgada segunda-feira revela que a maioria dos norte-americanos (dois terços da população) apoia um ataque ao Iraque para fazer cumprir as deliberações da ONU, e que grande parte acha que a questão não pretende desviar as atenções dos escândalos sexuais com que se debate Bill Clinton.

_____

PCP rejeita envolvimento de Portugal

Reagindo às recentes declarações de Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros, o PCP alerta para a gravidade de um envolvimento de Portugal na estratégia agressiva dos EUA. Em nota do Gabinete de Imprensa, divulgada na passada terça-feira, os comunistas consideram que um tal envolvimento comprometeria a soberania nacional e os interesses e a cooperação do nosso país com o mundo árabe.

1. As ameaças dos EUA de intervenção militar no Iraque constituem um grave perigo para a paz e segurança na região e no mundo, e inserem-se nos seus propósitos de hegemonia mundial. 2. Esta política da Administração Clinton, levada a efeito à revelia do próprio Conselho de Segurança da ONU, encontra sérias resistências no mundo, incluindo entre os seus mais directos aliados. 3. A visita de Bill Richardson a Lisboa e o seu encontro com Jaime Gama insere-se exactamente no objectivo dos EUA de vencer resistências e ganhar apoios para os seus propósitos agressivos em relação ao Iraque. 4. A posição do Governo Português assumida por Jaime Gama é particularmente grave para a dignidade, a soberania e os interesses nacionais porque não defendeu que o conflito entre os EUA e o Iraque deve ser resolvido no quadro da ONU por via diplomática, nem garantiu que as bases americanas nas Lages não serão utilizadas para agredir o Iraque. Esta posição do Governo Português é tanto mais inquietante quanto outros países da U.E., entre eles Espanha e França, se demarcaram claramente da posição norte-americana. 5. O PCP alerta para a gravidade de um envolvimento de Portugal nesta estratégia agressiva dos EUA, que compromete a soberania nacional e os interesses e a cooperação do nosso país com o mundo árabe.

JCP entrega carta no MNE

Amanhã, pelas 15 horas, a JCP promove uma concentração frente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde entrega uma carta aberta exigindo esclarecimentos sobre qual a atitude do Governo português sobre a questão do Iraque.

Na missiva, os jovens comunistas opõem-se a qualquer ataque ao Iraque , posição que igualmente irão reiterar junto da Embaixada dos Estados Unidos em Lisboa.

«Avante!» Nº 1262 - 5.Fevereiro.98

Iraque

EUA apertam o cerco

Entre os apelos da Rússia à comunidade internacional para que prossiga «as pesquisas persistentes para (encontrar) uma solução pacífica» para a crise iraquina, e as ameaças da Secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, de flagelar o Iraque com um ataque militar «significativo», há um diálogo de surdos cuja única utilidade parece ser a de preparar a opinião pública internacional para a «inevitabilidade» do bombardeamento de Bagdad.

Enquanto Saddam Hussein toca a reunir, preparando as suas hostes para o massacre e restaurando apoios no ódio colectivo ao império americano, os representantes norte-americanos fazem o périplo pelas capitais dos países aliados e afins expondo razões e colhendo, se não apoios, pelo menos conivências.

Como de costume em casos semelhantes, a «diplomacia» alimenta um manancial de informações contraditórias, que muito convenientemente vão tacteando o terreno de eventuais receptividades e alimentando especulações. Foi o que sucedeu no início da semana, com os representantes russos a garantirem o acordo de Bagdad para a inspecção de oito silos apontados como reservatórios de armas químicas, logo desmentidos por responsáveis iraquianos, que vieram negar ter dado acordo para a referida inspecção. Entre uma afirmação e outra, os norte-americanos disseram de sua justiça: a abertura dos silos seria necessária... mas não suficiente.

Nesta diplomacia musculada que se joga no Golfo, ressalta uma vez mais a total incapacidade das Nações Unidas para se afirmar como o efectivo centro de decisões na resolução dos problemas a nível internacional. Se é um facto que o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, continua a garantir que o mundo não está na «décima primeira hora» antes do desencadear de uma acção militar contra o Iraque e que os próprios Estados Unidos preferiam que fosse encontrada uma solução diplomática, não é menos verdade que da parte das Nações Unidas e do Conselho de Segurança não houve qualquer reacção ao anúncio da Casa Branca de que os EUA estariam prontos a tomar sozinhos, se necessário fosse, as medidas de retaliação contra o Iraque.

É sintomático que Annan tenha afirmado, após um encontro com Bill Richardson, o representante norte-americano no Conselho de Segurança, esperar «que os iraquianos se submetam e que não tenhamos de recorrer à força como último meio», sobretudo tendo em conta que a questão nem sequer fora discutida no Conselho de Segurança.

Diplomacia, mas...

Curiosa é também a reacção dos principais responsáveis políticos mundiais à iminência de nova tempestade no deserto. À excepção da Grã-Bretanha, onde o governo trabalhista de Tony Blair não mudou uma vírgula ao tradicional apoio incondicional ao amigo norte-americano, e de Israel, por razões óbvias, ninguém parece acreditar nas acusações dos EUA quanto às capacidades agressivas do Iraque. E no entanto...

O Presidente egípcio, Hosni Moubarak, apelou a Saddam Hussein para que «contenha» a crise entre o Iraque e as Nações Unidas para evitar novos sofrimentos ao povo iraquiano.

O governo jordano, por seu lado, entrou em estado de alerta, prevendo as consequências de um possível ataque dos Estados Unidos contra o Iraque. Em carta enviada de Londres, onde se encontra a receber tratamento médico, o Rei Hussein - ignorando deliberadamente o exemplo do vizinho Israel - adverte que «os Estados Unidos e o mundo não podem aceitar que alguém desafie a vontade internacional e as resoluções da ONU». Na sua opinião, «quando os membros do Conselho de Segurança declararem o fracasso dos esforços diplomáticos para resolver a crise, não haverá outra alternativa que o uso da força para impedir um país de utilizar de novo armas de destruição maciça».

Vale a pena recordar que não escandalizou ninguém a denúncia, na imprensa israelita, de uma alegada ameaça nuclear de Israel ao Iraque, no caso de serem disparados mísseis iraquianos contra o seu território. Bastou que o ministro israelita da Defesa, Yitzhak Mordehai, viesse a público afirmar que «todas essas informações são estúpidas», para que o caso ficasse arrumado.

Posições que justificam a confiança do secretário da Defesa norte-americano, William Cohen, que acredita na possibilidade de as forças norte-americanas poderem, se necessário, utilizar bases aéreas no Golfo, em caso de intervenção militar contra o Iraque.

«Sinto-me confiante, depois de ter falado com vários países do Golfo, de que teremos o apoio necessário para realizar todas as operações necessárias», declarou há dias em conferência de imprensa.

Por seu lado, o presidente francês, Jacques Chirac, e o presidente do Conselho italiano, Romano Prodi, dizem defender a necessidade de «continuar a agir seguindo as modalidades mais adaptadas para obter uma redução das graves tensões actuais, no quadro do respeito rigoroso das importantes resoluções das Nações Unidas», como se afirma num comunicado divulgado em Roma. Uma posição que privilegia a via diplomática, mas suficientemente maleável para responder a qualquer eventualidade.

Uma eventualidade que, segundo o contra-almirante Michael Mullen, comandante de um grupo de combate norte-americano no Golfo pode traduzir-se em ataques sucessivos contra o Iraque durante semanas «de uma forma muito precisa e muito devastadora».

Muito oportunamente, uma sondagem divulgada segunda-feira revela que a maioria dos norte-americanos (dois terços da população) apoia um ataque ao Iraque para fazer cumprir as deliberações da ONU, e que grande parte acha que a questão não pretende desviar as atenções dos escândalos sexuais com que se debate Bill Clinton.

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PCP rejeita envolvimento de Portugal

Reagindo às recentes declarações de Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros, o PCP alerta para a gravidade de um envolvimento de Portugal na estratégia agressiva dos EUA. Em nota do Gabinete de Imprensa, divulgada na passada terça-feira, os comunistas consideram que um tal envolvimento comprometeria a soberania nacional e os interesses e a cooperação do nosso país com o mundo árabe.

1. As ameaças dos EUA de intervenção militar no Iraque constituem um grave perigo para a paz e segurança na região e no mundo, e inserem-se nos seus propósitos de hegemonia mundial. 2. Esta política da Administração Clinton, levada a efeito à revelia do próprio Conselho de Segurança da ONU, encontra sérias resistências no mundo, incluindo entre os seus mais directos aliados. 3. A visita de Bill Richardson a Lisboa e o seu encontro com Jaime Gama insere-se exactamente no objectivo dos EUA de vencer resistências e ganhar apoios para os seus propósitos agressivos em relação ao Iraque. 4. A posição do Governo Português assumida por Jaime Gama é particularmente grave para a dignidade, a soberania e os interesses nacionais porque não defendeu que o conflito entre os EUA e o Iraque deve ser resolvido no quadro da ONU por via diplomática, nem garantiu que as bases americanas nas Lages não serão utilizadas para agredir o Iraque. Esta posição do Governo Português é tanto mais inquietante quanto outros países da U.E., entre eles Espanha e França, se demarcaram claramente da posição norte-americana. 5. O PCP alerta para a gravidade de um envolvimento de Portugal nesta estratégia agressiva dos EUA, que compromete a soberania nacional e os interesses e a cooperação do nosso país com o mundo árabe.

JCP entrega carta no MNE

Amanhã, pelas 15 horas, a JCP promove uma concentração frente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde entrega uma carta aberta exigindo esclarecimentos sobre qual a atitude do Governo português sobre a questão do Iraque.

Na missiva, os jovens comunistas opõem-se a qualquer ataque ao Iraque , posição que igualmente irão reiterar junto da Embaixada dos Estados Unidos em Lisboa.

«Avante!» Nº 1262 - 5.Fevereiro.98

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