Humanismo democrático

21-09-1999
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EDUCAÇÃO OU BARBÁRIE?

Guilherme d'Oliveira Martins Gradiva, 1998,

224 págs., 2310$00

A obra divide-se em três partes, cada uma compreendendo vários capítulos curtos e incisivos. «As causas para as pessoas» é o título da Parte I, seguindo-se «Educação e Europa: as pessoas em causa» e, para terminar, «Educação com causas e com pessoas». A educação é a preocupação central do autor - que actualmente desempenha as funções de secretário de Estado da Administração Educativa -, e é na batalha pela educação que se joga a oposição à barbárie; as causas são importantes, porque o autor considera que o «pensamento débil» está a conduzir ao apagamento dos ideais; mas recusa que as causas dêem lugar à tirania das abstracções e insiste que as pessoas devem estar «na primeira linha das nossas preocupações» (pág. 11).

No primeiro ensaio, «Causas e pessoas ou como ligar os valores à realidade», Guilherme d'Oliveira Martins passa em revista algumas das principais perplexidades da época actual. «Depois de 1989, com o fim da Guerra Fria e da bipolarização mundial, iniciou-se a procura, ainda sem sucesso, de um novo modelo. Para já há consciência de que coexistem elementos contraditórios - o internacionalismo convive com o reconhecimento de um novo papel para as nações, a reforma do Estado social e de bem-estar depara-se com o fim do pleno emprego, a mundialização e a fragmentação completam-se, apesar do paradoxo, e o equilíbrio deixou de poder ser visto como regra para passar a ter de ser visto como tendência» (pág. 13).

Citando Eduardo Lourenço, Oliveira Martins observa que «o que a violência moderna tem de novo é a mistura indissociável de perversidade e tecnicidade. Não por acaso, a mais sofisticada crítica, do cinema ou da televisão, utiliza o adjectivo perverso como o mais sedutor dos elogios... Este fim de século, de uma violência sem exemplo, tem a televisão que merece e merece a televisão que tem» (pág. 18). Esta ameaça do caos ético do fim do século leva Oliveira Martins a recordar os trabalhos de Isaiah Berlin sobre o pluralismo e a sua insistente distinção entre pluralismo e relativismo: «Se Isaiah Berlin tem reflectido sobre a 'incomensurabilidade dos valores', a verdade é que recusa uma posição relativista. Exclui algumas crenças, práticas, atitudes e modos de vida, considerando-as incompatíveis com a nossa humanidade comum» (pág. 24).

Perante as perplexidades do fim do século, Guilherme d'Oliveira Martins reitera o seu compromisso com o humanismo democrático, em que a educação para os valores e para a cidadania desempenha um papel central. No capítulo «Educação ou barbárie», que dá o título ao livro, o autor reflecte sobre massificação e excelência, alternativas dilemáticas. Aqui, tal como em vários outros domínios, Oliveira Martins recusa optar exclusivamente por uma das soluções: «Afinal, a lógica igualitária e a lógica elitista são duas faces da mesma moeda - ambas exprimem o 'espírito da democracia'. Igualdade de oportunidades e correcção das desigualdades não podem ser confundidas com 'mediocrização'» (pág. 67). Mais adiante, Oliveira Martins dirá que «a escola democrática deve ser uma escola de ideais e de causas... em que é a dignidade das pessoas que está sobretudo em causa».

Os cinco capítulos dedicados à Europa constituem outra oportunidade para ilustrar o equilíbrio e a moderação que caracterizam a atitude intelectual do autor. Diz ele: «Falta vontade. Falta idealismo. Falta imaginação e sentido prático» (pág. 139). Para depois acrescentar que «é necessário voltar ao método dos 'pais fundadores', evitando a tentação da 'fuga para diante'» (pág. 141). «A 'democracia supranacional' constrói-se pela afirmação das especificidades europeias, dos valores e interesses comuns, numa convergência de Estados e nações, e não a partir da ilusão de um 'super-Estado' ou de um Estado federal» (pág. 148).

«Rómulo - ou saber encantar» é o título de um luminoso capítulo dedicado ao velho professor do Liceu Pedro Nunes. Trata-se de Rómulo de Carvalho, ou do poeta António Gedeão, que Oliveira Martins recorda como «o sentido da medida, o rigor e a elegância do professor que conheci sempre - mas que nunca chegou a dar-me aulas» (pág. 108). Outros capítulos são dedicados a Eduardo Lourenço, José Luis Aranguren, Georges Duby, Jean-Marie Domenach e François Furet.

Quando chegamos ao fim do livro somos tentados a regressar ao início. «Uma palavra de esperança? Naturalmente que sim. As causas e os ideais do humanismo e da democracia são chamados ao centro dos acontecimentos» (pág. 30).n

JOÃO CARLOS ESPADA

EDUCAÇÃO OU BARBÁRIE?

Guilherme d'Oliveira Martins Gradiva, 1998,

224 págs., 2310$00

A obra divide-se em três partes, cada uma compreendendo vários capítulos curtos e incisivos. «As causas para as pessoas» é o título da Parte I, seguindo-se «Educação e Europa: as pessoas em causa» e, para terminar, «Educação com causas e com pessoas». A educação é a preocupação central do autor - que actualmente desempenha as funções de secretário de Estado da Administração Educativa -, e é na batalha pela educação que se joga a oposição à barbárie; as causas são importantes, porque o autor considera que o «pensamento débil» está a conduzir ao apagamento dos ideais; mas recusa que as causas dêem lugar à tirania das abstracções e insiste que as pessoas devem estar «na primeira linha das nossas preocupações» (pág. 11).

No primeiro ensaio, «Causas e pessoas ou como ligar os valores à realidade», Guilherme d'Oliveira Martins passa em revista algumas das principais perplexidades da época actual. «Depois de 1989, com o fim da Guerra Fria e da bipolarização mundial, iniciou-se a procura, ainda sem sucesso, de um novo modelo. Para já há consciência de que coexistem elementos contraditórios - o internacionalismo convive com o reconhecimento de um novo papel para as nações, a reforma do Estado social e de bem-estar depara-se com o fim do pleno emprego, a mundialização e a fragmentação completam-se, apesar do paradoxo, e o equilíbrio deixou de poder ser visto como regra para passar a ter de ser visto como tendência» (pág. 13).

Citando Eduardo Lourenço, Oliveira Martins observa que «o que a violência moderna tem de novo é a mistura indissociável de perversidade e tecnicidade. Não por acaso, a mais sofisticada crítica, do cinema ou da televisão, utiliza o adjectivo perverso como o mais sedutor dos elogios... Este fim de século, de uma violência sem exemplo, tem a televisão que merece e merece a televisão que tem» (pág. 18). Esta ameaça do caos ético do fim do século leva Oliveira Martins a recordar os trabalhos de Isaiah Berlin sobre o pluralismo e a sua insistente distinção entre pluralismo e relativismo: «Se Isaiah Berlin tem reflectido sobre a 'incomensurabilidade dos valores', a verdade é que recusa uma posição relativista. Exclui algumas crenças, práticas, atitudes e modos de vida, considerando-as incompatíveis com a nossa humanidade comum» (pág. 24).

Perante as perplexidades do fim do século, Guilherme d'Oliveira Martins reitera o seu compromisso com o humanismo democrático, em que a educação para os valores e para a cidadania desempenha um papel central. No capítulo «Educação ou barbárie», que dá o título ao livro, o autor reflecte sobre massificação e excelência, alternativas dilemáticas. Aqui, tal como em vários outros domínios, Oliveira Martins recusa optar exclusivamente por uma das soluções: «Afinal, a lógica igualitária e a lógica elitista são duas faces da mesma moeda - ambas exprimem o 'espírito da democracia'. Igualdade de oportunidades e correcção das desigualdades não podem ser confundidas com 'mediocrização'» (pág. 67). Mais adiante, Oliveira Martins dirá que «a escola democrática deve ser uma escola de ideais e de causas... em que é a dignidade das pessoas que está sobretudo em causa».

Os cinco capítulos dedicados à Europa constituem outra oportunidade para ilustrar o equilíbrio e a moderação que caracterizam a atitude intelectual do autor. Diz ele: «Falta vontade. Falta idealismo. Falta imaginação e sentido prático» (pág. 139). Para depois acrescentar que «é necessário voltar ao método dos 'pais fundadores', evitando a tentação da 'fuga para diante'» (pág. 141). «A 'democracia supranacional' constrói-se pela afirmação das especificidades europeias, dos valores e interesses comuns, numa convergência de Estados e nações, e não a partir da ilusão de um 'super-Estado' ou de um Estado federal» (pág. 148).

«Rómulo - ou saber encantar» é o título de um luminoso capítulo dedicado ao velho professor do Liceu Pedro Nunes. Trata-se de Rómulo de Carvalho, ou do poeta António Gedeão, que Oliveira Martins recorda como «o sentido da medida, o rigor e a elegância do professor que conheci sempre - mas que nunca chegou a dar-me aulas» (pág. 108). Outros capítulos são dedicados a Eduardo Lourenço, José Luis Aranguren, Georges Duby, Jean-Marie Domenach e François Furet.

Quando chegamos ao fim do livro somos tentados a regressar ao início. «Uma palavra de esperança? Naturalmente que sim. As causas e os ideais do humanismo e da democracia são chamados ao centro dos acontecimentos» (pág. 30).n

JOÃO CARLOS ESPADA

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