Financiamento dos partidos

10-10-1999
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Acabe-se com o financiamento político por empresas

Por OCTÁVIO TEIXEIRA

Membro da Comissão Política

Há duas ou três semanas, o ex-presidente da Junta Autónoma das Estradas, general Garcia dos Santos, veio a público denunciar que haveria corrupção naquele organismo do Estado e que partidos haveria que eram favorecidos financeiramente pelas actividades da JAE.

Não fica claro se os eventuais casos de corrupção estão directamente ligados ao favorecimento de alguns partidos políticos, ou se se trata de situações paralelas cujo elo de ligação é, apenas, o facto de terem como sujeito comum a JAE.

Para o que agora pretendo relevar, isso pouco importa neste momento.

Quanto à corrupção, as denúncias públicas da sua existência, na JAE como noutros serviços públicos e em negócios privados, não são de hoje. O que espanta, o que não me parece possível compreender, é que ao longo de anos praticamente nenhum caso de denunciada corrupção no nosso País tenha sido objecto de condenação judicial. Na sua generalidade, esses casos terão sido arquivados pelo Ministério Público por não se ter provado a corrupção. E, segundo afirmações vindas a público e proferidas pelos seus responsáveis, essa ausência de prova não se fica a dever à inexistência ou insuficiência de meios de investigação.

Não querendo meter a mão em seara alheia (a investigação judicial), custa-me a crer que haja no nosso país meios suficientes de investigação quando, legalmente ou na prática, o sigilo bancário continua a ser rei e senhor. Não me parece possível combater o chamado "crime de colarinhos brancos", esteja ele relacionado com a corrupção, com a lavagem de dinheiro no âmbito do tráfico de drogas ou de armas, ou com a evasão fiscal, sem que as entidades competentes para a investigação, e sob estrita exigência do segredo profissional, tenham acesso às contas bancárias sob suspeita.

E também não entendo que determinadas entidades, como o Primeiro-Ministro, coloquem o segredo bancário como um direito fundamental, melhor, como o mais fundamental de todos os direitos fundamentais dos cidadãos. Não o é em nenhum outro país do mundo dito civilizado, e nenhuma razão especial existe para que o seja em Portugal. A não ser que se pretenda, ao fim e ao cabo, que os crimes de corrupção, de lavagem de dinheiro sujo, de evasão fiscal, e outros que tais, continuem a ser arquivados por falta de provas ... O que num estado de direito democrático é completamente inaceitável.

Quanto à denuncia de favorecimento financeiro de partidos políticos, também não é de hoje o "diz que diz" e, mais grave que isso, o sentimento público, mais ou menos generalizado, de que assim é. Mas quando se fazem declarações com a gravidade das que foram feitas, é legítimo exigir que sejam "postos os nomes aos bois" e que não se deixe no ar a suspeição sobre todos os partidos políticos.

O desenvolvimento de qualquer crise de confiança dos cidadãos perante os partidos políticos e, designadamente, da suspeição popular da existência de relações pantanosas e ilícitas entre os partidos e o poder económico, só pode contribuir para minar o regime democrático e para alimentar a demagogia populista de forças antidemocráticas.

Por isso, a nenhum partido político, com a consciência tranquila e seriamente interessado na transparência da vida política, é permitido ignorar as acusações directas do general Garcia dos Santos de que foi abordado para que os favores, no âmbito da JAE, deixassem de beneficiar um partido para passarem a privilegiar outro (subentende-se que se trata dos partidos políticos que se revezaram no poder). Como já em 1995 a nenhum partido político seria legítimo mostrar indiferença e "meter a cabeça na areia", perante acusações então feitas de empresas portuguesas estarem colocadas "na situação de terem de contribuir com parte tão importante para o financiamento das instituições políticas".

Em 1995 como agora, o PCP recusou-se a participar numa qualquer "conspiração de silêncio" sobre o financiamento de partidos políticos pelo mundo dos negócios. Por isso, agora como em 1995, o PCP teve a iniciativa de reapresentar um projecto de lei visando duas questões centrais da lei de financiamento dos partidos políticos: a proibição de financiamento de partidos por empresas e a redução substancial dos limites de despesa em campanhas eleitorais.

Porque, ao contrário do que afirmam alguns membros do Governo, a questão fundamental não é a de os financiamentos pelas empresas serem legais ou ilegais. A questão fundamental é a de haver financiamentos por empresas.

Desde logo, por uma razão de (bom)senso comum: se a questão fosse apenas entre os financiamentos legais e os ilegais, então estes últimos não existiriam. Porque se há financiamentos ilegais por parte das empresas, então é porque há partidos que querem, participam, recebem e consomem esses fundos ilegais! Ninguém os obriga a receber o que alegadamente não querem! E como nenhum desses partidos, até hoje, propôs o aumento dos limites legais para o financiamento por empresas a partidos, então só se pode concluir que tais partidos políticos pretendem que se mantenha a possibilidade legal de financiamento por empresas para dar cobertura à continuação dos financiamentos ilegais.

Mas, ainda e fundamentalmente, a questão do financiamento por empresas é a central porque o financiamento privado dos partidos políticos tem como razão última a opção política. E essa opção é de pessoas e não de empresas.

E não se vislumbram que razões altruístas possam levar empresas a financiarem um partido político, já que, por natureza, o objectivo essencial e a razão de existência de empresas privadas é a obtenção e a maximização do lucro. Por detrás desses financiamentos sempre haverá, expressa ou implicitamente, a perspectiva de obtenção de uma contrapartida, em matéria de legislação, de adjudicações de obras e serviços públicos, de favorecimento nas privatizações, de isenções fiscais ou subsídios orçamentais.

Isto é, esse financiamento tende a criar laços de reciprocidade entre os financiadores e os financiados, de potencial domínio destes (os partidos) por aqueles (as empresas). Admitir o financiamento empresarial dos partidos políticos é aceitar um autêntico "patrocínio" da vida política por empresas, o que, demonstradamente, implica um importante e generalizado risco de corrupção.

E quanto ao argumento de que, mesmo com a proibição legal de financiamentos por empresas, poderem continuar a existir financiamentos ilegais, a verdade é que se nenhuma lei pode impedir eventuais comportamentos culposos, não é menos certo que a responsabilidade pesa sobre os que transgridem e não sobre as leis moralizadoras. E só existindo essas regras legais os transgressores podem ser devida e publicamente culpabilizados e punidos. Tal como sucede em todos os crimes punidos na nossa lei penal.

Acabe-se pois, de uma vez por todas, com o financiamento de partidos políticos por empresas, sejam elas públicas ou privadas, como o PCP sempre tem proposto e defendido.

E reduzam-se substancialmente as despesas com as campanhas eleitorais. Não apenas, e já seria razão mais que suficiente, porque o gasto de centenas de milhares de contos em campanhas eleitorais (há quem diga acima de um milhão de contos) por alguns partidos, tem necessariamente de chocar os cidadãos e de os levar a divorciarem-se crescentemente da vida política. Mas também porque esses "rios" de dinheiro substituem o debate democrático assente em ideias e propostas políticas pelo marketing político. E, ainda, porque se forem necessários muito menores recursos financeiros para as campanhas eleitorais, não me restam dúvidas que haverá muito menor apetite pelos financiamentos ilegais. Sejam eles quais forem.

«Avante!» Nº 1299 - 22.Outubro.1998

Acabe-se com o financiamento político por empresas

Por OCTÁVIO TEIXEIRA

Membro da Comissão Política

Há duas ou três semanas, o ex-presidente da Junta Autónoma das Estradas, general Garcia dos Santos, veio a público denunciar que haveria corrupção naquele organismo do Estado e que partidos haveria que eram favorecidos financeiramente pelas actividades da JAE.

Não fica claro se os eventuais casos de corrupção estão directamente ligados ao favorecimento de alguns partidos políticos, ou se se trata de situações paralelas cujo elo de ligação é, apenas, o facto de terem como sujeito comum a JAE.

Para o que agora pretendo relevar, isso pouco importa neste momento.

Quanto à corrupção, as denúncias públicas da sua existência, na JAE como noutros serviços públicos e em negócios privados, não são de hoje. O que espanta, o que não me parece possível compreender, é que ao longo de anos praticamente nenhum caso de denunciada corrupção no nosso País tenha sido objecto de condenação judicial. Na sua generalidade, esses casos terão sido arquivados pelo Ministério Público por não se ter provado a corrupção. E, segundo afirmações vindas a público e proferidas pelos seus responsáveis, essa ausência de prova não se fica a dever à inexistência ou insuficiência de meios de investigação.

Não querendo meter a mão em seara alheia (a investigação judicial), custa-me a crer que haja no nosso país meios suficientes de investigação quando, legalmente ou na prática, o sigilo bancário continua a ser rei e senhor. Não me parece possível combater o chamado "crime de colarinhos brancos", esteja ele relacionado com a corrupção, com a lavagem de dinheiro no âmbito do tráfico de drogas ou de armas, ou com a evasão fiscal, sem que as entidades competentes para a investigação, e sob estrita exigência do segredo profissional, tenham acesso às contas bancárias sob suspeita.

E também não entendo que determinadas entidades, como o Primeiro-Ministro, coloquem o segredo bancário como um direito fundamental, melhor, como o mais fundamental de todos os direitos fundamentais dos cidadãos. Não o é em nenhum outro país do mundo dito civilizado, e nenhuma razão especial existe para que o seja em Portugal. A não ser que se pretenda, ao fim e ao cabo, que os crimes de corrupção, de lavagem de dinheiro sujo, de evasão fiscal, e outros que tais, continuem a ser arquivados por falta de provas ... O que num estado de direito democrático é completamente inaceitável.

Quanto à denuncia de favorecimento financeiro de partidos políticos, também não é de hoje o "diz que diz" e, mais grave que isso, o sentimento público, mais ou menos generalizado, de que assim é. Mas quando se fazem declarações com a gravidade das que foram feitas, é legítimo exigir que sejam "postos os nomes aos bois" e que não se deixe no ar a suspeição sobre todos os partidos políticos.

O desenvolvimento de qualquer crise de confiança dos cidadãos perante os partidos políticos e, designadamente, da suspeição popular da existência de relações pantanosas e ilícitas entre os partidos e o poder económico, só pode contribuir para minar o regime democrático e para alimentar a demagogia populista de forças antidemocráticas.

Por isso, a nenhum partido político, com a consciência tranquila e seriamente interessado na transparência da vida política, é permitido ignorar as acusações directas do general Garcia dos Santos de que foi abordado para que os favores, no âmbito da JAE, deixassem de beneficiar um partido para passarem a privilegiar outro (subentende-se que se trata dos partidos políticos que se revezaram no poder). Como já em 1995 a nenhum partido político seria legítimo mostrar indiferença e "meter a cabeça na areia", perante acusações então feitas de empresas portuguesas estarem colocadas "na situação de terem de contribuir com parte tão importante para o financiamento das instituições políticas".

Em 1995 como agora, o PCP recusou-se a participar numa qualquer "conspiração de silêncio" sobre o financiamento de partidos políticos pelo mundo dos negócios. Por isso, agora como em 1995, o PCP teve a iniciativa de reapresentar um projecto de lei visando duas questões centrais da lei de financiamento dos partidos políticos: a proibição de financiamento de partidos por empresas e a redução substancial dos limites de despesa em campanhas eleitorais.

Porque, ao contrário do que afirmam alguns membros do Governo, a questão fundamental não é a de os financiamentos pelas empresas serem legais ou ilegais. A questão fundamental é a de haver financiamentos por empresas.

Desde logo, por uma razão de (bom)senso comum: se a questão fosse apenas entre os financiamentos legais e os ilegais, então estes últimos não existiriam. Porque se há financiamentos ilegais por parte das empresas, então é porque há partidos que querem, participam, recebem e consomem esses fundos ilegais! Ninguém os obriga a receber o que alegadamente não querem! E como nenhum desses partidos, até hoje, propôs o aumento dos limites legais para o financiamento por empresas a partidos, então só se pode concluir que tais partidos políticos pretendem que se mantenha a possibilidade legal de financiamento por empresas para dar cobertura à continuação dos financiamentos ilegais.

Mas, ainda e fundamentalmente, a questão do financiamento por empresas é a central porque o financiamento privado dos partidos políticos tem como razão última a opção política. E essa opção é de pessoas e não de empresas.

E não se vislumbram que razões altruístas possam levar empresas a financiarem um partido político, já que, por natureza, o objectivo essencial e a razão de existência de empresas privadas é a obtenção e a maximização do lucro. Por detrás desses financiamentos sempre haverá, expressa ou implicitamente, a perspectiva de obtenção de uma contrapartida, em matéria de legislação, de adjudicações de obras e serviços públicos, de favorecimento nas privatizações, de isenções fiscais ou subsídios orçamentais.

Isto é, esse financiamento tende a criar laços de reciprocidade entre os financiadores e os financiados, de potencial domínio destes (os partidos) por aqueles (as empresas). Admitir o financiamento empresarial dos partidos políticos é aceitar um autêntico "patrocínio" da vida política por empresas, o que, demonstradamente, implica um importante e generalizado risco de corrupção.

E quanto ao argumento de que, mesmo com a proibição legal de financiamentos por empresas, poderem continuar a existir financiamentos ilegais, a verdade é que se nenhuma lei pode impedir eventuais comportamentos culposos, não é menos certo que a responsabilidade pesa sobre os que transgridem e não sobre as leis moralizadoras. E só existindo essas regras legais os transgressores podem ser devida e publicamente culpabilizados e punidos. Tal como sucede em todos os crimes punidos na nossa lei penal.

Acabe-se pois, de uma vez por todas, com o financiamento de partidos políticos por empresas, sejam elas públicas ou privadas, como o PCP sempre tem proposto e defendido.

E reduzam-se substancialmente as despesas com as campanhas eleitorais. Não apenas, e já seria razão mais que suficiente, porque o gasto de centenas de milhares de contos em campanhas eleitorais (há quem diga acima de um milhão de contos) por alguns partidos, tem necessariamente de chocar os cidadãos e de os levar a divorciarem-se crescentemente da vida política. Mas também porque esses "rios" de dinheiro substituem o debate democrático assente em ideias e propostas políticas pelo marketing político. E, ainda, porque se forem necessários muito menores recursos financeiros para as campanhas eleitorais, não me restam dúvidas que haverá muito menor apetite pelos financiamentos ilegais. Sejam eles quais forem.

«Avante!» Nº 1299 - 22.Outubro.1998

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