O erro da carta

30-08-1999
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«Não cuides das razões que levam / os romenos à / demanda de Portugal / em busca de trabalho, que elas radicam / nos mistérios insondáveis da fé»

(in «Livro da Errância»)

Milagre q fes Fº Torres en planeando o estermineo do dezemprego na Europa d'Oeste (Ex-voto: o almo reflectindo sobre a aplicação da ideia ao desemprego infantil)

Lembra-se V. Eminência da Primeira Carta de Pedro? «Vós, servos, com todo o temor submetei-vos aos vossos patrões, não só aos bons e compreensivos, mas também aos que são duros. É louvável alguém suportar maus tratos, sofrendo injustamente por amor de Deus. Que mérito haveria em suportar com paciência, se fosseis esbofeteados por terdes agido mal?» (1Pd 2, 18-20). Tratando-se de uma carta escrita já lá vai algum tempo, mas também destinada às gerações vindouras, seja-me permitido apontar-lhe um erro de previsão. Ocupou-se o apóstolo, apenas, do rebanho enquadrado no sistema de produção, esquecendo-se de dar a mínima orientação às ovelhas desempregadas, impedidas de amar a Deus através de um patrão de mau feitio. E assim continuariam, sem hipótese de agradar ao Supremo, não fora a intervenção do deputado português, que apresentou aos seus pares um esquema que arruma o desemprego nos horizontes da memória.

Com a simplicidade própria dos eleitos, Torres azabumbou o mundo ao defender a exportação dos desempregados para os países de Leste. Mergulha a tese do bem-aventurado na falta de mão-de-obra naquelas plagas e, sendo assim, bem podiam as suas indústrias intermédias absorver, livres de encargos, os sem-emprego da União Europeia: «Se os países de acolhimento quisessem pagar algo mais, isso já dependia deles, mas o nosso subsídio de desemprego dá para viver perfeitamente numa Bulgária ou Roménia.» Com a vantagem de o sujeito aprender línguas.

Não esclareceu o deputado por que carga d'água haveriam os exportados de trabalhar naqueles países se o subsídio lhes bastava para lá viverem confortavelmente. E, não trabalhando, que estranhos desígnios levariam os países de acolhimento a querer pagar «algo mais» aos turistas. Ou por que diabo haveriam os ocidentais de trabalhar pelo valor do subsídio se têm direito à achega justamente por não trabalharem. Mas são assim os verdadeiros prodígios, não se prendem os milagreiros com minudências que só poderiam confundir os beneficiários.

O plano defendido por Torres, objecto de grande reflexão no seio do Partido Popular Europeu, está voltado, apenas, para o envio dos sem-patrão para os países de Leste, numa «espécie de ajuda de pré-adesão à União Europeia». Mas imagine V. Eminência a aplicação do esquema ao continente africano. Limpava-se a comunidade europeia de sujeitos que dão mau aspecto às estatísticas e ajudava-se à reconstrução daqueles países. E, que assim não fosse, o subsídio de desemprego daria perfeitamente para um homem viver no centro da Jamba. Em poupando, poderia mesmo mandar ir a mulher e os filhos.

A Bem da Canonização,

MÁRIO LINDOLFO

«Não cuides das razões que levam / os romenos à / demanda de Portugal / em busca de trabalho, que elas radicam / nos mistérios insondáveis da fé»

(in «Livro da Errância»)

Milagre q fes Fº Torres en planeando o estermineo do dezemprego na Europa d'Oeste (Ex-voto: o almo reflectindo sobre a aplicação da ideia ao desemprego infantil)

Lembra-se V. Eminência da Primeira Carta de Pedro? «Vós, servos, com todo o temor submetei-vos aos vossos patrões, não só aos bons e compreensivos, mas também aos que são duros. É louvável alguém suportar maus tratos, sofrendo injustamente por amor de Deus. Que mérito haveria em suportar com paciência, se fosseis esbofeteados por terdes agido mal?» (1Pd 2, 18-20). Tratando-se de uma carta escrita já lá vai algum tempo, mas também destinada às gerações vindouras, seja-me permitido apontar-lhe um erro de previsão. Ocupou-se o apóstolo, apenas, do rebanho enquadrado no sistema de produção, esquecendo-se de dar a mínima orientação às ovelhas desempregadas, impedidas de amar a Deus através de um patrão de mau feitio. E assim continuariam, sem hipótese de agradar ao Supremo, não fora a intervenção do deputado português, que apresentou aos seus pares um esquema que arruma o desemprego nos horizontes da memória.

Com a simplicidade própria dos eleitos, Torres azabumbou o mundo ao defender a exportação dos desempregados para os países de Leste. Mergulha a tese do bem-aventurado na falta de mão-de-obra naquelas plagas e, sendo assim, bem podiam as suas indústrias intermédias absorver, livres de encargos, os sem-emprego da União Europeia: «Se os países de acolhimento quisessem pagar algo mais, isso já dependia deles, mas o nosso subsídio de desemprego dá para viver perfeitamente numa Bulgária ou Roménia.» Com a vantagem de o sujeito aprender línguas.

Não esclareceu o deputado por que carga d'água haveriam os exportados de trabalhar naqueles países se o subsídio lhes bastava para lá viverem confortavelmente. E, não trabalhando, que estranhos desígnios levariam os países de acolhimento a querer pagar «algo mais» aos turistas. Ou por que diabo haveriam os ocidentais de trabalhar pelo valor do subsídio se têm direito à achega justamente por não trabalharem. Mas são assim os verdadeiros prodígios, não se prendem os milagreiros com minudências que só poderiam confundir os beneficiários.

O plano defendido por Torres, objecto de grande reflexão no seio do Partido Popular Europeu, está voltado, apenas, para o envio dos sem-patrão para os países de Leste, numa «espécie de ajuda de pré-adesão à União Europeia». Mas imagine V. Eminência a aplicação do esquema ao continente africano. Limpava-se a comunidade europeia de sujeitos que dão mau aspecto às estatísticas e ajudava-se à reconstrução daqueles países. E, que assim não fosse, o subsídio de desemprego daria perfeitamente para um homem viver no centro da Jamba. Em poupando, poderia mesmo mandar ir a mulher e os filhos.

A Bem da Canonização,

MÁRIO LINDOLFO

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