O deputado que quer ser jardineiro

30-09-1999
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Francisco Camilo, um deputado socialista à procura de emprego: «Se mendigasse um 'job' ao partido ou ao Governo, provavelmente ninguém se escandalizava»

Eleito por Portalegre nas listas do PS e assíduo frequentador das últimas filas da sua bancada, Francisco Camilo limitou-se a cumprir o fadário de milhares de desempregados. Isto é: foi à procura de emprego mais seguro e duradouro, que o de deputado, e encontrou-o na Câmara Municipal de Sintra, como jardineiro.

«Queriam que fosse roubar?»

Tanto bastou para o nome do deputado Camilo, tão desconhecido no Parlamento quanto o são várias dezenas de outros parlamentares, saltar para os títulos dos jornais.

Embaraçou o partido, comentaram uns; perdeu a confiança política de quem o elegeu, disseram outros. E teria, até, violado a ética parlamentar, a avaliar pelo burburinho que a notícia do deputado-jardineiro provocou em S. Bento.

«Se calhar, queriam que eu fosse roubar», respondeu ele a quem o interpelou. E, ao EXPRESSO, Francisco Camilo admitiu que, «se andasse a mendigar um ?job? ao partido ou ao Governo, talvez achassem normal e ninguém se escandalizava».

Ainda se, à polémica, estivesse subjacente alguma desconfiança sobre a lisura do concurso em que participou.... Ou eventual favorecimento, uma vez que é deputado do PS e a Sintra preside Edite Estrela...

Mas não. Ele sujeitou-se às regras gerais do concurso, foi mais um entre cento e tal concorrentes, recebeu o tratamento conferido aos demais (entre eles até um engenheiro agrário) e foi proposto pelo júri do concurso para preencher uma das 24 vagas.

Logo, o escândalo dever-se-á, apenas, ao facto de um deputado se apresentar no mercado de trabalho em igualdade de circunstâncias como qualquer outro cidadão. O que muito o surpreendeu.

Gato escaldado...

Para se entender melhor a súbita vontade de um deputado tratar da sua vida, fora da política, é preciso referir as regras da escolha do pessoal político nos partidos e, nomeadamente, a formação das listas de candidatos a deputados.

Para além da confiança das estruturas partidárias locais, convém aos candidatos beneficiarem, ao menos, do beneplácito dos dirigentes nacionais. E Francisco Camilo, que chegou a presidir à federação distrital do PS, até às últimas eleições, parece duvidar das garantias de apoio futuro, por parte dos dirigentes nacionais. Tudo em função de um litígio com Miranda Calha.

Ambos disputaram o primeiro lugar da lista de candidatos às eleições de 95 e Camilo perdeu essa guerra, o que não lhe augurava grande futuro. E, como gato escaldado, tratou de precaver-se para a eventualidade de não voltar a S. Bento.

No distrito de Portalegre, que elege três deputados, este litígio faz sentido para um profissional da política: as eleições são um risco para o número dois.

Felizmente para Camilo e Calha, o PS ganhou as eleições e ambos se elegeram, trocando de posições com o PSD, que tinha dois na anterior legislatura e agora só dispõe de um. Mas, sendo Miranda Calha uma figura nacional e actual secretário de Estado do Desporto, Camilo sabe que o desfecho de 95 se pode repetir em 99. O que o deixaria no desemprego, perdendo o PS as eleições no distrito.

Por isso, anuncia a intenção de trabalhar fora da política, mesmo que a jardineiro, «até encontrar um emprego melhor, para mim e para a minha família».

O que não justifica qualquer espanto, como sublinha o deputado e filho de um homem do Norte, «que foi para o Alentejo trabalhar nas pedreiras e chegou a ter 60 empregados por sua conta».

Recomeço de vida à beira dos 50

Francisco José Pinto Camilo é natural de Alpalhão, concelho de Nisa e completa 48 anos em Novembro. No final da legislatura, estará à beira dos 50, sendo esta, talvez, a última oportunidade para arranjar um emprego que o preserve do efémero que é a política.

Funcionário técnico-administrativo de profissão e tendo como habilitações o antigo sétimo ano incompleto, só num curtíssimo período de três meses exerceu a sua profissão original. Tinha regressado da Guiné, onde foi furriel miliciano até Agosto de 1975.

No «Verão Quente» inscreveu-se no PS e, desde então, ou foi funcionário do partido ou exerceu cargos de nomeação política.

Foi, nomeadamente, adjunto do governador civil e do presidente da Câmara de Portalegre. Presidiu, depois, à Região de Turismo de S. Mamede, até ser eleito para a Assembleia.

Agora, está decidido: se e quando for nomeado jardineiro da Câmara de Sintra tomará posse e só pedirá a suspensão de funções enquanto for deputado.

D.R.

Francisco Camilo, um deputado socialista à procura de emprego: «Se mendigasse um 'job' ao partido ou ao Governo, provavelmente ninguém se escandalizava»

Eleito por Portalegre nas listas do PS e assíduo frequentador das últimas filas da sua bancada, Francisco Camilo limitou-se a cumprir o fadário de milhares de desempregados. Isto é: foi à procura de emprego mais seguro e duradouro, que o de deputado, e encontrou-o na Câmara Municipal de Sintra, como jardineiro.

«Queriam que fosse roubar?»

Tanto bastou para o nome do deputado Camilo, tão desconhecido no Parlamento quanto o são várias dezenas de outros parlamentares, saltar para os títulos dos jornais.

Embaraçou o partido, comentaram uns; perdeu a confiança política de quem o elegeu, disseram outros. E teria, até, violado a ética parlamentar, a avaliar pelo burburinho que a notícia do deputado-jardineiro provocou em S. Bento.

«Se calhar, queriam que eu fosse roubar», respondeu ele a quem o interpelou. E, ao EXPRESSO, Francisco Camilo admitiu que, «se andasse a mendigar um ?job? ao partido ou ao Governo, talvez achassem normal e ninguém se escandalizava».

Ainda se, à polémica, estivesse subjacente alguma desconfiança sobre a lisura do concurso em que participou.... Ou eventual favorecimento, uma vez que é deputado do PS e a Sintra preside Edite Estrela...

Mas não. Ele sujeitou-se às regras gerais do concurso, foi mais um entre cento e tal concorrentes, recebeu o tratamento conferido aos demais (entre eles até um engenheiro agrário) e foi proposto pelo júri do concurso para preencher uma das 24 vagas.

Logo, o escândalo dever-se-á, apenas, ao facto de um deputado se apresentar no mercado de trabalho em igualdade de circunstâncias como qualquer outro cidadão. O que muito o surpreendeu.

Gato escaldado...

Para se entender melhor a súbita vontade de um deputado tratar da sua vida, fora da política, é preciso referir as regras da escolha do pessoal político nos partidos e, nomeadamente, a formação das listas de candidatos a deputados.

Para além da confiança das estruturas partidárias locais, convém aos candidatos beneficiarem, ao menos, do beneplácito dos dirigentes nacionais. E Francisco Camilo, que chegou a presidir à federação distrital do PS, até às últimas eleições, parece duvidar das garantias de apoio futuro, por parte dos dirigentes nacionais. Tudo em função de um litígio com Miranda Calha.

Ambos disputaram o primeiro lugar da lista de candidatos às eleições de 95 e Camilo perdeu essa guerra, o que não lhe augurava grande futuro. E, como gato escaldado, tratou de precaver-se para a eventualidade de não voltar a S. Bento.

No distrito de Portalegre, que elege três deputados, este litígio faz sentido para um profissional da política: as eleições são um risco para o número dois.

Felizmente para Camilo e Calha, o PS ganhou as eleições e ambos se elegeram, trocando de posições com o PSD, que tinha dois na anterior legislatura e agora só dispõe de um. Mas, sendo Miranda Calha uma figura nacional e actual secretário de Estado do Desporto, Camilo sabe que o desfecho de 95 se pode repetir em 99. O que o deixaria no desemprego, perdendo o PS as eleições no distrito.

Por isso, anuncia a intenção de trabalhar fora da política, mesmo que a jardineiro, «até encontrar um emprego melhor, para mim e para a minha família».

O que não justifica qualquer espanto, como sublinha o deputado e filho de um homem do Norte, «que foi para o Alentejo trabalhar nas pedreiras e chegou a ter 60 empregados por sua conta».

Recomeço de vida à beira dos 50

Francisco José Pinto Camilo é natural de Alpalhão, concelho de Nisa e completa 48 anos em Novembro. No final da legislatura, estará à beira dos 50, sendo esta, talvez, a última oportunidade para arranjar um emprego que o preserve do efémero que é a política.

Funcionário técnico-administrativo de profissão e tendo como habilitações o antigo sétimo ano incompleto, só num curtíssimo período de três meses exerceu a sua profissão original. Tinha regressado da Guiné, onde foi furriel miliciano até Agosto de 1975.

No «Verão Quente» inscreveu-se no PS e, desde então, ou foi funcionário do partido ou exerceu cargos de nomeação política.

Foi, nomeadamente, adjunto do governador civil e do presidente da Câmara de Portalegre. Presidiu, depois, à Região de Turismo de S. Mamede, até ser eleito para a Assembleia.

Agora, está decidido: se e quando for nomeado jardineiro da Câmara de Sintra tomará posse e só pedirá a suspensão de funções enquanto for deputado.

D.R.

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