Frigideiras entre ruínas romanas

12-09-1999
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HÁ MUITAS lojas com história mas raras são as que convivem com a própria História. Sob uma pastelaria de Braga encontram-se ruínas romanas, visíveis através da placa envidraçada que funciona como chão do estabelecimento. Uma combinação entre «frigideiras», um pastel tradicional que já Júlio Diniz saboreava, com vestígios da civilização romana, com pelo menos 1500 anos de existência. Um rebaixamento das instalações da Pastelaria Frigideiras do Cantinho, no Largo de S. João do Souto, em Braga, permitiu descobrir que ela se localizava exactamente por cima daquilo que os arqueólogos do Ministério da Cultura não hesitaram em reconhecer como «estrutura e espólio de uma habitação da época romana, ocupada entre os séculos II a V da nossa era». Assim que se apercebeu da raridade que possuía debaixo dos pés, Fernando Oliveira Pereira, um dos dois sócios-gerentes, tudo fez para poder conservar intacta a ruinaria. Apetitosa concepção da Bracara Augusta O curioso é que as ruínas, em virtude da colocação de um piso envidraçado, podem ser vistas e apreciadas enquanto se saboreia uma «frigideira», pastel de carne que é a tradicional e mais antiga especialidade da casa. «A mais apetitosa concepção da augusta cidade cesária», escreveu Júlio Diniz, nos Serões da Província, acerca deste petisco cuja tradição de fabrico remonta a 1797. No subsolo de Braga encontra-se a maior cidade romana da faixa atlântica. É que as muralhas de Bracara Augusta têm cinco quilómetros quadrados, uma área cinco vezes superior à de Conímbriga - concluiu um estudo que tem vindo a ser desenvolvido pelo Gabinete de Arqueologia da autarquia, pelo Museu D. Diogo de Sousa e pela Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho. As obras de renovação do perímetro urbano têm permitido descobrir os contornos da antiga cidade romana, pois em diversos locais se encontram vestígios da presença humana de épocas remotas.

Assim que se apercebeu da raridade que possuía debaixo dos pés, Fernando Oliveira Pereira, um dos dois sócios-gerentes, tudo fez para poder conservar intactas as ruínas, que podem ser vistas e apreciadas através de um piso envidraçado2

Assim, à semelhança do que aconteceu noutros pontos da cidade, foram encontrados, no local onde se situa a Pastelaria Frigideiras do Cantinho, restos de construção e materiais arqueológicos de uso quotidiano de uma época romana posterior ao nascimento de Cristo. Tudo começou em 1995 quando os donos da confeitaria, com o intuito de ampliar as instalações, resolveram fazer obras. Dois anos de obras «Adquirimos o edifício ao lado da casa-mãe e resolvemos rebaixá-lo para aí podermos instalar o centro de produção dos pastéis», explica Fernando Pereira, de 68 anos, natural de Vila Verde. Eis senão quando se dá o achado. «Ficámos espantados com o tamanho das casas encontradas, porque inicialmente todos pensavam que eram só umas pedrinhas», conta Fernando Pereira, o sócio que se opôs à ideia inicial da Câmara Municipal de Braga que passava pela remoção das ruínas para outro espaço. Apaixonado pela história e pelos antepassados, conseguiu manter estes autênticos testemunhos da civilização romana no local. Uma decisão que prolongou as obras até Junho de 1997, data em que a Frigideiras do Cantinho reabriu. É que após a descoberta realizaram-se dois trabalhos em paralelo. Enquanto decorriam os trabalhos de renovação das instalações, também os arqueólogos da Câmara Municipal e do Ministério da Cultura estudavam os objectos encontrados. Para conservar as ruínas romanas naquele local, foi encontrada uma solução inovadora para o revestimento do chão do estabelecimento. Totalmente suportada financeiramente pelos sócios do Cantinho, foi decidida a colocação de enormes vigas de aço que suportam os vidros com três centímetros de espessura que hoje constituem o piso da pastelaria - uma solução bem diferente da adoptada em 1991, no célebre caso da «Praia das Sapatas» (buracos para a colocação de alicerces), que levou à destruição de ruínas romanas que estavam bem à vista de todos, para no local se poderem construir quatro vivendas.

A ideia era permitir ao cliente apreciar a arquitectura romana. E de facto assim foi durante algum tempo. «Todos quantos cá entravam pela primeira vez depois das obras ficavam maravilhados e passavam uns largos minutos a observar as ruínas», conta o sócio-gerente da pastelaria. De resto, a reabertura da confeitaria contou com a presença do ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho. Mas mais recentemente, o acto contemplativo deixou de ser realizado nas melhores condições. É que o vidro colocado não é da melhor qualidade e com o tempo ficou riscado, tornando-se mais baço, o que impossibilita, de facto, que os clientes do Cantinho possam dispensar a atenção que as ruínas merecem. Presentemente, os dois proprietários tentam encontrar um vidro com outras características e que não risque, tendo já encetado contactos com uma empresa espanhola. O exemplo desta velha pastelaria do centro histórico ilustra bem o modelo original da investigação arqueológica em Braga, segundo o qual é o potencial construtor a financiar as operações de recuperação dos vestígios ancestrais. Frigideiras do Cantinho

Largo de São João do Souto

4700 Braga

Tel.: 053-263991 NÉLSON SOARES

HÁ MUITAS lojas com história mas raras são as que convivem com a própria História. Sob uma pastelaria de Braga encontram-se ruínas romanas, visíveis através da placa envidraçada que funciona como chão do estabelecimento. Uma combinação entre «frigideiras», um pastel tradicional que já Júlio Diniz saboreava, com vestígios da civilização romana, com pelo menos 1500 anos de existência. Um rebaixamento das instalações da Pastelaria Frigideiras do Cantinho, no Largo de S. João do Souto, em Braga, permitiu descobrir que ela se localizava exactamente por cima daquilo que os arqueólogos do Ministério da Cultura não hesitaram em reconhecer como «estrutura e espólio de uma habitação da época romana, ocupada entre os séculos II a V da nossa era». Assim que se apercebeu da raridade que possuía debaixo dos pés, Fernando Oliveira Pereira, um dos dois sócios-gerentes, tudo fez para poder conservar intacta a ruinaria. Apetitosa concepção da Bracara Augusta O curioso é que as ruínas, em virtude da colocação de um piso envidraçado, podem ser vistas e apreciadas enquanto se saboreia uma «frigideira», pastel de carne que é a tradicional e mais antiga especialidade da casa. «A mais apetitosa concepção da augusta cidade cesária», escreveu Júlio Diniz, nos Serões da Província, acerca deste petisco cuja tradição de fabrico remonta a 1797. No subsolo de Braga encontra-se a maior cidade romana da faixa atlântica. É que as muralhas de Bracara Augusta têm cinco quilómetros quadrados, uma área cinco vezes superior à de Conímbriga - concluiu um estudo que tem vindo a ser desenvolvido pelo Gabinete de Arqueologia da autarquia, pelo Museu D. Diogo de Sousa e pela Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho. As obras de renovação do perímetro urbano têm permitido descobrir os contornos da antiga cidade romana, pois em diversos locais se encontram vestígios da presença humana de épocas remotas.

Assim que se apercebeu da raridade que possuía debaixo dos pés, Fernando Oliveira Pereira, um dos dois sócios-gerentes, tudo fez para poder conservar intactas as ruínas, que podem ser vistas e apreciadas através de um piso envidraçado2

Assim, à semelhança do que aconteceu noutros pontos da cidade, foram encontrados, no local onde se situa a Pastelaria Frigideiras do Cantinho, restos de construção e materiais arqueológicos de uso quotidiano de uma época romana posterior ao nascimento de Cristo. Tudo começou em 1995 quando os donos da confeitaria, com o intuito de ampliar as instalações, resolveram fazer obras. Dois anos de obras «Adquirimos o edifício ao lado da casa-mãe e resolvemos rebaixá-lo para aí podermos instalar o centro de produção dos pastéis», explica Fernando Pereira, de 68 anos, natural de Vila Verde. Eis senão quando se dá o achado. «Ficámos espantados com o tamanho das casas encontradas, porque inicialmente todos pensavam que eram só umas pedrinhas», conta Fernando Pereira, o sócio que se opôs à ideia inicial da Câmara Municipal de Braga que passava pela remoção das ruínas para outro espaço. Apaixonado pela história e pelos antepassados, conseguiu manter estes autênticos testemunhos da civilização romana no local. Uma decisão que prolongou as obras até Junho de 1997, data em que a Frigideiras do Cantinho reabriu. É que após a descoberta realizaram-se dois trabalhos em paralelo. Enquanto decorriam os trabalhos de renovação das instalações, também os arqueólogos da Câmara Municipal e do Ministério da Cultura estudavam os objectos encontrados. Para conservar as ruínas romanas naquele local, foi encontrada uma solução inovadora para o revestimento do chão do estabelecimento. Totalmente suportada financeiramente pelos sócios do Cantinho, foi decidida a colocação de enormes vigas de aço que suportam os vidros com três centímetros de espessura que hoje constituem o piso da pastelaria - uma solução bem diferente da adoptada em 1991, no célebre caso da «Praia das Sapatas» (buracos para a colocação de alicerces), que levou à destruição de ruínas romanas que estavam bem à vista de todos, para no local se poderem construir quatro vivendas.

A ideia era permitir ao cliente apreciar a arquitectura romana. E de facto assim foi durante algum tempo. «Todos quantos cá entravam pela primeira vez depois das obras ficavam maravilhados e passavam uns largos minutos a observar as ruínas», conta o sócio-gerente da pastelaria. De resto, a reabertura da confeitaria contou com a presença do ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho. Mas mais recentemente, o acto contemplativo deixou de ser realizado nas melhores condições. É que o vidro colocado não é da melhor qualidade e com o tempo ficou riscado, tornando-se mais baço, o que impossibilita, de facto, que os clientes do Cantinho possam dispensar a atenção que as ruínas merecem. Presentemente, os dois proprietários tentam encontrar um vidro com outras características e que não risque, tendo já encetado contactos com uma empresa espanhola. O exemplo desta velha pastelaria do centro histórico ilustra bem o modelo original da investigação arqueológica em Braga, segundo o qual é o potencial construtor a financiar as operações de recuperação dos vestígios ancestrais. Frigideiras do Cantinho

Largo de São João do Souto

4700 Braga

Tel.: 053-263991 NÉLSON SOARES

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