Aborto volta ao Parlamento
Despenalizar
A interrupção voluntária da gravidez voltou ontem a concitar as atenções do Parlamento. Para além de um projecto de resolução do PSD sobre referendo ao aborto, o debate centrou-se em quatro projectos de lei. Nos casos do PCP e da JS (embora esta tenha recuado e diminuído o prazo para dez semanas), trata-se, no fundamental, de excluir a ilicitude da IGV em determinadas situações, garantindo que a mulher a possa praticar em condições de higiene e segurança.
Numa posição extrema, assumidamente contrária à prática do aborto, coloca-se o PP, que decalcou o seu projecto de um texto italiano de natureza idêntica visando conceder protecção jurídica ao embrião humano, através de uma mudança no ordenamento jurídico do Código Civil. Dois deputados socialistas (Eurico Figueiredo e António Braga) subscreveram um outro projecto de lei que, basicamente, condiciona a interrupção voluntária da gravidez a um parecer favorável de uma comissão de especialistas, isto é, conferem ao Estado o poder de invadir a esfera dos direitos individuais da mulher.
Como sucedeu em todas as discussões anteriores sobre esta matéria, houve quem viesse de novo a terreiro assumir posições que significam ou uma fuga ao debate ou uma tentativa de desvirtuar o que nele são as questões substantivas. No primeiro caso posicionou-se claramente o PSD ao utilizar a figura do referendo não como forma de consulta popular mas apenas como meio de obstaculizar a Assembleia da República de legislar em plena legitimidade. Se assim não fosse não teria deixado cair a proposta de referendo que apresentou há um ano e da qual se desinteressou depois da rejeição dos projectos então em debate.
Na linha de alguns sectores que pretendem impor os seus códigos morais a toda a sociedade, passando ao lado do que está verdadeiramente em jogo, colocou-se, por sua vez, o PP, ao subscrever um projecto que que se limita a servir a "estratégia individual de afirmação" de Maria José Nogueira Pinto e relativamente ao qual não se lhe reconhece qualquer "sustentação científica e filosófica consensual".
Decalcado de um outro projecto apresentado em Itália pelo Movimento Juntos pela Vida, que neste país suscitou múltiplos protestos e condenações, o texto do PP, como assinalou Odete Santos em conversa com o "Avante!", na véspera do debate, foi relativamente fácil de elaborar, na medida em que as "consequências só foram medidas no que toca aos objectivos prosseguidos: ilegalizar toda e qualquer interrupção voluntária da gravidez, perpetuar o flagelo do aborto clandestino e impedir todas a investigação científica a respeito do embrião".
Um campo em tudo oposto àquele em que se colocam os que defendem a necessidade imperiosa de pôr termo ao drama do aborto clandestino e que consideram como questão central a exclusão da nossa ordem jurídica da criminalização da mulher que se vê obrigada a recorrer à IVG e que a possa praticar, em determinadas condições e prazos, com garantias de higiene e segurança.
Ora é aqui que reside a questão essencial, tanto mais que sendo certo que na origem do aborto provocado estão os graves problemas sociais que se abatem sobre as mulheres e as famílias, não é menos verdade que é a actual lei criminal que fomenta os graves problemas de saúde pública decorrentes do aborto clandestino.
Como observa Odete Santos, em tom muito crítico, trata-se de uma lei "que causa problemas mais graves do que aqueles que diz querer evitar", uma lei "ineficaz, inadequada à protecção da vida intra uterina", que "conserva resquícios de uma moral que se pretende impor a toda a sociedade", que "promove a violência contra as mulheres" e que as olha de "uma forma intolerante".
O que está em causa, pois, na perspectiva da bancada comunista é o facto de persistirem os graves problemas sociais que empurram as mulheres para o aborto clandestino, do mesmo modo que se mantém, em sua consequência, um grave problema de saúde pública.
Pôr fim a esta violência, ao sofrimento e às condições degradantes e desumanas a que muitas mulheres estão sujeitas, eis, pois, o objectivo dos que, como o PCP, defendem a despenalização, não impondo com isso a ninguém as suas convicções, mas garantindo uma solução que ponha termo ao aborto clandestino.
Octávio Teixeira:
Garantir uma solução
que ponha termo ao aborto clandestino
Até à hora do fecho da nossa edição tudo continuava em aberto quanto a saber se seria conseguido o número de votos capaz de assegurar a aprovação dos projectos de lei do PS e do PCP sobre a interrupção voluntária da gravidez. Certeza, e apenas essa, havia quanto ao esforço da bancada comunista em garantir, como anunciou ao "Avante!" o líder parlamentar comunista na véspera do debate, que seja "encontrada e aprovada uma solução que ponha termo ao drama do aborto clandestino, afastando da ordem jurídica portuguesa a criminalização da mulher que se vê obrigada a recorrer ao aborto, e que o possa realizar, em determinadas situações e prazos, com garantias de higiene e segurança". Diversamente do PS, cuja posição mais parecia ser a de sobrepor questões político-partidárias e arranjos dentro do seu próprio grupo parlamentar à questão de fundo, a explicação dada por Octávio Teixeira para o posicionamento do Grupo comunista reside na sua preocupação de reduzir ao mínimo os riscos de qualquer uma das iniciativas legislativas acabar por ser inviabilizada. Para a decisão final que vier a ser tomada pelo PCP, entretanto, concorrem também as conclusões da análise dos especialistas médicos solicitada pelos comunistas quanto à consequência da redução do período da IVG de 12 para 10 semanas. Registe-se que PCP preconiza a solução das doze semanas, enquanto o projecto da JS encurta o prazo para as dez semanas. Mesmo considerando que o projecto de lei do PS representa um significativo recuo relativamente ao conteúdo do apresentado em Fevereiro de 1977, o PCP entendeu, pois, que, pela sua parte, tudo deveria ser feito no sentido de garantir a exclusão da ilicitude do aborto em determinadas situações e prazos. No sentido de garantir atempadamente esse objectivo, ainda na passada semana, Octávio Teixeira dirigiu uma carta ao líder parlamentar do PS, Francisco Assis, propondo-lhe como hipótese de trabalho a aprovação na generalidade dos dois projectos, após o que - e foi também essa a disponibilidade por si revelada - haveria lugar em sede de especialidade para os ajustamentos e melhorias considerados necessários. Na resposta, recorde-se, Francisco Assis, em tom lacónico, limitou-se a dizer que aos deputados socialistas seria dada liberdade de voto no decorrer da votação, pelo que a bancada do PS não estaria em condições de anuir à proposta do PCP. Comentando esta posição da direcção da bancada socialista, Octávio Teixeira não deixou de registar o facto de o PS ter apresentado e feito agendar rapidamente um projecto de lei sobre a IVG, que "assume como seu", não garantindo, simultaneamente, "que ao menos os seus deputados o votarão favoravelmente". No que a si diz respeito, o PCP votará seguramente o seu projecto de lei, afirmou ainda Octávio Teixeira, que, depois de todas as diligências feitas, declina qualquer responsabilidade caso não seja garantida a viabilização dos dois projectos de lei.
Odete Santos:
Este é um confronto
Entre a humanidade e a violência
"Esta é uma luta das mulheres pelo fim da barbárie, pelo direito à igualdade de tratamento, pelo direito à cidadania", nestes precisos termos sintetizou Odete Santos ao nosso jornal aquele que é, porventura, o sentido mais profundo do projecto de lei do PCP sobre a interrupção voluntária da gravidez. Segura da justeza da sua posição ao querer banir do nosso ordenamento jurídico a criminalização da mulher, a parlamentar comunista não deixa de fazer notar, porém, como é defendido por todos quantos defendem a despenalização, que "não impomos a ninguém as nossas convicções, e todos nós consideramos, e sabemos que as mulheres também assim sentem, que o aborto que se tem de provocar não é um método contraceptivo, e que deve ser prevenido através da educação sexual e do planeamento familiar". Entende por essa razão, como salientou no breve depoimento que prestou ao "Avante!", que "quem se auto-intitula defensor da vida e não se comove com a vida e a saúde das mulheres, nem com a qualidade de vida das crianças, esses sim, querem impor as suas convicções a todas as mulheres, querem impor-lhes a privação dos mais elementares direitos". "É por isso que este combate é um confronto entre a tolerância e a intolerância. Um confronto entre a humanidade e a violência. Um confronto entre os que defendem o pluralismo da sociedade, e os que aceitam como único modelo, aquele que lhes ensinaram, e que transforma em crime e pecado toda a conduta que viole as únicas regras de convivência em sociedade que vesgamente admitem", acrescentou. Neste contexto devem, pois, ser apreciados os objectivos visados no diploma do PCP, a que veio a associar-se o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, e que Odete Santos resumiu do seguinte modo: "A IVG deve ser despenalizada nas primeiras doze semanas, sendo de todo em todo injustificável que se retroceda relativamente ao prazo. É um facto médico assente que é até às 12 semanas de gravidez, que o aborto comporta menos riscos para a mulher, sendo os riscos neste período menores do que os riscos que se correm no parto. Assim, o prazo de 12 semanas assenta na constatação de que, nesse período, não deve o Estado intervir numa decisão que pertence ao foro íntimo da mulher porque não existem praticamente riscos para a sua saúde. Sendo assim, não se encontram motivos para um prazo inferior, já que não está em causa a busca do início da pessoa humana. A decisão compete única e exclusivamente à mulher, pelo que se considera inadequado regredir no que se encontra já hoje legislado, admitindo a possibilidade de vir a ser ouvido quanto à decisão o outro progenitor".
14 organizações e mais de 300 personalidades
subscrevem Plataforma
PELO DIREITO DE OPTAR "Plataforma pelo direito de optar", assim se designa a declaração subscrita por quatorze organizações e cerca de 300 personalidades reclamando a aprovação pela Assembleia da República de uma lei que consagre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras doze semanas, a pedido da mulher. A apresentação do documento, que coincidiu com uma acção de sensibilização da opinião pública levada a cabo simultaneamente em Faro, Évora, Setúbal, Coimbra, Porto e Braga, ocorreu faz amanhã oito dias, em plena Rua Augusta, na capital. Ana Paula Xavier, do MDM, falando em nome dos seus subscritores, entre os quais figuram nomes como João Dória Nobrega, Júlio Machado Vaz, Manuel Carvalho da Silva, Emídio Rangel, Margarida Medina Martins, Maria do Sameiro Araújo, Maria da Purificação Araújo, Nuno Miguel, Silva Santos, Teresa Féria, Teresa Villaverde Cabral, Graça Mexia, António Peres Metelo, Carlo Brito, Daniel Sampaio, Demétrio Alves, Conceição Brito Lopes, Dulce Rebelo, Fernanda Lapa, João Martins, Luísa Amorim, Luísa Basto e Manuel Lopes, procedeu à apresentação das linhas essenciais do texto, pondo em relevo o facto de todos terem em comum - organizações e pessoas - "a defesa da maternidade e paternidade conscientes e responsáveis e o direito à saúde". No capítulo em que esclarecem os "princípios éticos da Plataforma", os seus apoiantes declaram o apoio às "propostas existentes que propõem um alargamento das causas pelas quais as mulheres que o necessitem e assim o decidirem possam interromper uma gravidez de forma legal, assistida e segura". Por si reafirmada é a necessidade de "melhorar cada vez mais o acesso ao planeamento familiar e à educação sexual como elementos essenciais de prevenção das gravidezes não desejadas e do recurso ao aborto", salientando ao mesmo tempo que o "aborto não é nem deve ser um método de planeamento familiar, mas sim um último recurso perante uma gravidez não desejada ou não aconselhável". Convictos de que "é possível diminuir para níveis mais baixos o recurso ao aborto", os autores da Plataforma reconhecem, todavia, que não é possível erradicá-lo completamente, porquanto, mesmo em condições ideiais de planeamento familiar, nenhum método contraceptivo é totalmente seguro, do mesmo modo que "continuarão a existir situações específicas, características da própria condição humana, em que mulheres se deparam com uma gravidez não desejada ou desaconselhável". Nessa medida, por entenderem que a "maternidade e a paternidade são opções individuais", manifestam a sua discordância pela obrigatoriedade imposta pela legislação na continuação da gravidez, mesmo quando se trate do período inicial ou de determinadas situações limite, defendendo, diversamente, sob o ponto de vista ético, que em "certas situações específicas e dentro de prazos determinados as mulheres ou os casais tenham direito a decidir interromper uma gravidez". São, aliás, estes pressupostos que explicam a oposição dos subscritores das Plataforma às propostas que "apontam para o reconhecimento da personalidade jurídica do feto desde o momento da concepção", como quer o PP, propostas estas que consideram "profundamente fundamentalistas e desumanas". A realização de um referendo sobre esta matéria também não acolhe qualquer tipo de simpatia por parte das organizações que rubricam o documento, pela razão simples, observam, que "não pode o Estado tentar apurar maiorias em matérias que são do foro íntimo e pessoal", antes deve, isso sim, "garantir que na Lei e de facto seja tido em conta o pluralismo de opiniões existente e que os cidadãos o possam expressar em liberdade e segurança". No documento, que se desenvolve ao longo de cinco páginas, nas quais é reconhecida a "legitimidade e urgência da reabertura deste debate na sociedade portuguesa", os subscritores tomam ainda posição sobre o alargamento de motivos e prazos para a IVG legal e segura, manifestando o seu acordo quanto ao prazo de doze semanas. Quanto às estruturas de aconselhamento - Centro de Aconselhamento Familiar - , embora admitam poder ter um "papel positivo na informação", afirmam que "a decisão última sobre a IVG deve caber à mulher grávida". Subscrevem a "Plataforma pelo Direito de Optar" as seguintes organizações: ABRIL - Associação Regional para a Democracia e o Desenvolvimento, Associação para o Planeamento da Família, Associação das Mulheres Juristas, Associação Portuguesa dos Enfermeiros, CGTP-IN, Movimento Democrático das Mulheres, Juventude Comunista Portuguesa, Juventude Socialista, Organização das Mulheres Comunistas, Grupo de Mulheres do PSR, SIndicato dos Médicos da Zona Sul, Movimento pela Emancipação Social das Mulheres Portuguesas - UMAR, Departamento de Mulheres da UDP.
«Avante!» Nº 1262 - 5.Fevereiro.98
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Aborto volta ao Parlamento
Despenalizar
A interrupção voluntária da gravidez voltou ontem a concitar as atenções do Parlamento. Para além de um projecto de resolução do PSD sobre referendo ao aborto, o debate centrou-se em quatro projectos de lei. Nos casos do PCP e da JS (embora esta tenha recuado e diminuído o prazo para dez semanas), trata-se, no fundamental, de excluir a ilicitude da IGV em determinadas situações, garantindo que a mulher a possa praticar em condições de higiene e segurança.
Numa posição extrema, assumidamente contrária à prática do aborto, coloca-se o PP, que decalcou o seu projecto de um texto italiano de natureza idêntica visando conceder protecção jurídica ao embrião humano, através de uma mudança no ordenamento jurídico do Código Civil. Dois deputados socialistas (Eurico Figueiredo e António Braga) subscreveram um outro projecto de lei que, basicamente, condiciona a interrupção voluntária da gravidez a um parecer favorável de uma comissão de especialistas, isto é, conferem ao Estado o poder de invadir a esfera dos direitos individuais da mulher.
Como sucedeu em todas as discussões anteriores sobre esta matéria, houve quem viesse de novo a terreiro assumir posições que significam ou uma fuga ao debate ou uma tentativa de desvirtuar o que nele são as questões substantivas. No primeiro caso posicionou-se claramente o PSD ao utilizar a figura do referendo não como forma de consulta popular mas apenas como meio de obstaculizar a Assembleia da República de legislar em plena legitimidade. Se assim não fosse não teria deixado cair a proposta de referendo que apresentou há um ano e da qual se desinteressou depois da rejeição dos projectos então em debate.
Na linha de alguns sectores que pretendem impor os seus códigos morais a toda a sociedade, passando ao lado do que está verdadeiramente em jogo, colocou-se, por sua vez, o PP, ao subscrever um projecto que que se limita a servir a "estratégia individual de afirmação" de Maria José Nogueira Pinto e relativamente ao qual não se lhe reconhece qualquer "sustentação científica e filosófica consensual".
Decalcado de um outro projecto apresentado em Itália pelo Movimento Juntos pela Vida, que neste país suscitou múltiplos protestos e condenações, o texto do PP, como assinalou Odete Santos em conversa com o "Avante!", na véspera do debate, foi relativamente fácil de elaborar, na medida em que as "consequências só foram medidas no que toca aos objectivos prosseguidos: ilegalizar toda e qualquer interrupção voluntária da gravidez, perpetuar o flagelo do aborto clandestino e impedir todas a investigação científica a respeito do embrião".
Um campo em tudo oposto àquele em que se colocam os que defendem a necessidade imperiosa de pôr termo ao drama do aborto clandestino e que consideram como questão central a exclusão da nossa ordem jurídica da criminalização da mulher que se vê obrigada a recorrer à IVG e que a possa praticar, em determinadas condições e prazos, com garantias de higiene e segurança.
Ora é aqui que reside a questão essencial, tanto mais que sendo certo que na origem do aborto provocado estão os graves problemas sociais que se abatem sobre as mulheres e as famílias, não é menos verdade que é a actual lei criminal que fomenta os graves problemas de saúde pública decorrentes do aborto clandestino.
Como observa Odete Santos, em tom muito crítico, trata-se de uma lei "que causa problemas mais graves do que aqueles que diz querer evitar", uma lei "ineficaz, inadequada à protecção da vida intra uterina", que "conserva resquícios de uma moral que se pretende impor a toda a sociedade", que "promove a violência contra as mulheres" e que as olha de "uma forma intolerante".
O que está em causa, pois, na perspectiva da bancada comunista é o facto de persistirem os graves problemas sociais que empurram as mulheres para o aborto clandestino, do mesmo modo que se mantém, em sua consequência, um grave problema de saúde pública.
Pôr fim a esta violência, ao sofrimento e às condições degradantes e desumanas a que muitas mulheres estão sujeitas, eis, pois, o objectivo dos que, como o PCP, defendem a despenalização, não impondo com isso a ninguém as suas convicções, mas garantindo uma solução que ponha termo ao aborto clandestino.
Octávio Teixeira:
Garantir uma solução
que ponha termo ao aborto clandestino
Até à hora do fecho da nossa edição tudo continuava em aberto quanto a saber se seria conseguido o número de votos capaz de assegurar a aprovação dos projectos de lei do PS e do PCP sobre a interrupção voluntária da gravidez. Certeza, e apenas essa, havia quanto ao esforço da bancada comunista em garantir, como anunciou ao "Avante!" o líder parlamentar comunista na véspera do debate, que seja "encontrada e aprovada uma solução que ponha termo ao drama do aborto clandestino, afastando da ordem jurídica portuguesa a criminalização da mulher que se vê obrigada a recorrer ao aborto, e que o possa realizar, em determinadas situações e prazos, com garantias de higiene e segurança". Diversamente do PS, cuja posição mais parecia ser a de sobrepor questões político-partidárias e arranjos dentro do seu próprio grupo parlamentar à questão de fundo, a explicação dada por Octávio Teixeira para o posicionamento do Grupo comunista reside na sua preocupação de reduzir ao mínimo os riscos de qualquer uma das iniciativas legislativas acabar por ser inviabilizada. Para a decisão final que vier a ser tomada pelo PCP, entretanto, concorrem também as conclusões da análise dos especialistas médicos solicitada pelos comunistas quanto à consequência da redução do período da IVG de 12 para 10 semanas. Registe-se que PCP preconiza a solução das doze semanas, enquanto o projecto da JS encurta o prazo para as dez semanas. Mesmo considerando que o projecto de lei do PS representa um significativo recuo relativamente ao conteúdo do apresentado em Fevereiro de 1977, o PCP entendeu, pois, que, pela sua parte, tudo deveria ser feito no sentido de garantir a exclusão da ilicitude do aborto em determinadas situações e prazos. No sentido de garantir atempadamente esse objectivo, ainda na passada semana, Octávio Teixeira dirigiu uma carta ao líder parlamentar do PS, Francisco Assis, propondo-lhe como hipótese de trabalho a aprovação na generalidade dos dois projectos, após o que - e foi também essa a disponibilidade por si revelada - haveria lugar em sede de especialidade para os ajustamentos e melhorias considerados necessários. Na resposta, recorde-se, Francisco Assis, em tom lacónico, limitou-se a dizer que aos deputados socialistas seria dada liberdade de voto no decorrer da votação, pelo que a bancada do PS não estaria em condições de anuir à proposta do PCP. Comentando esta posição da direcção da bancada socialista, Octávio Teixeira não deixou de registar o facto de o PS ter apresentado e feito agendar rapidamente um projecto de lei sobre a IVG, que "assume como seu", não garantindo, simultaneamente, "que ao menos os seus deputados o votarão favoravelmente". No que a si diz respeito, o PCP votará seguramente o seu projecto de lei, afirmou ainda Octávio Teixeira, que, depois de todas as diligências feitas, declina qualquer responsabilidade caso não seja garantida a viabilização dos dois projectos de lei.
Odete Santos:
Este é um confronto
Entre a humanidade e a violência
"Esta é uma luta das mulheres pelo fim da barbárie, pelo direito à igualdade de tratamento, pelo direito à cidadania", nestes precisos termos sintetizou Odete Santos ao nosso jornal aquele que é, porventura, o sentido mais profundo do projecto de lei do PCP sobre a interrupção voluntária da gravidez. Segura da justeza da sua posição ao querer banir do nosso ordenamento jurídico a criminalização da mulher, a parlamentar comunista não deixa de fazer notar, porém, como é defendido por todos quantos defendem a despenalização, que "não impomos a ninguém as nossas convicções, e todos nós consideramos, e sabemos que as mulheres também assim sentem, que o aborto que se tem de provocar não é um método contraceptivo, e que deve ser prevenido através da educação sexual e do planeamento familiar". Entende por essa razão, como salientou no breve depoimento que prestou ao "Avante!", que "quem se auto-intitula defensor da vida e não se comove com a vida e a saúde das mulheres, nem com a qualidade de vida das crianças, esses sim, querem impor as suas convicções a todas as mulheres, querem impor-lhes a privação dos mais elementares direitos". "É por isso que este combate é um confronto entre a tolerância e a intolerância. Um confronto entre a humanidade e a violência. Um confronto entre os que defendem o pluralismo da sociedade, e os que aceitam como único modelo, aquele que lhes ensinaram, e que transforma em crime e pecado toda a conduta que viole as únicas regras de convivência em sociedade que vesgamente admitem", acrescentou. Neste contexto devem, pois, ser apreciados os objectivos visados no diploma do PCP, a que veio a associar-se o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, e que Odete Santos resumiu do seguinte modo: "A IVG deve ser despenalizada nas primeiras doze semanas, sendo de todo em todo injustificável que se retroceda relativamente ao prazo. É um facto médico assente que é até às 12 semanas de gravidez, que o aborto comporta menos riscos para a mulher, sendo os riscos neste período menores do que os riscos que se correm no parto. Assim, o prazo de 12 semanas assenta na constatação de que, nesse período, não deve o Estado intervir numa decisão que pertence ao foro íntimo da mulher porque não existem praticamente riscos para a sua saúde. Sendo assim, não se encontram motivos para um prazo inferior, já que não está em causa a busca do início da pessoa humana. A decisão compete única e exclusivamente à mulher, pelo que se considera inadequado regredir no que se encontra já hoje legislado, admitindo a possibilidade de vir a ser ouvido quanto à decisão o outro progenitor".
14 organizações e mais de 300 personalidades
subscrevem Plataforma
PELO DIREITO DE OPTAR "Plataforma pelo direito de optar", assim se designa a declaração subscrita por quatorze organizações e cerca de 300 personalidades reclamando a aprovação pela Assembleia da República de uma lei que consagre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras doze semanas, a pedido da mulher. A apresentação do documento, que coincidiu com uma acção de sensibilização da opinião pública levada a cabo simultaneamente em Faro, Évora, Setúbal, Coimbra, Porto e Braga, ocorreu faz amanhã oito dias, em plena Rua Augusta, na capital. Ana Paula Xavier, do MDM, falando em nome dos seus subscritores, entre os quais figuram nomes como João Dória Nobrega, Júlio Machado Vaz, Manuel Carvalho da Silva, Emídio Rangel, Margarida Medina Martins, Maria do Sameiro Araújo, Maria da Purificação Araújo, Nuno Miguel, Silva Santos, Teresa Féria, Teresa Villaverde Cabral, Graça Mexia, António Peres Metelo, Carlo Brito, Daniel Sampaio, Demétrio Alves, Conceição Brito Lopes, Dulce Rebelo, Fernanda Lapa, João Martins, Luísa Amorim, Luísa Basto e Manuel Lopes, procedeu à apresentação das linhas essenciais do texto, pondo em relevo o facto de todos terem em comum - organizações e pessoas - "a defesa da maternidade e paternidade conscientes e responsáveis e o direito à saúde". No capítulo em que esclarecem os "princípios éticos da Plataforma", os seus apoiantes declaram o apoio às "propostas existentes que propõem um alargamento das causas pelas quais as mulheres que o necessitem e assim o decidirem possam interromper uma gravidez de forma legal, assistida e segura". Por si reafirmada é a necessidade de "melhorar cada vez mais o acesso ao planeamento familiar e à educação sexual como elementos essenciais de prevenção das gravidezes não desejadas e do recurso ao aborto", salientando ao mesmo tempo que o "aborto não é nem deve ser um método de planeamento familiar, mas sim um último recurso perante uma gravidez não desejada ou não aconselhável". Convictos de que "é possível diminuir para níveis mais baixos o recurso ao aborto", os autores da Plataforma reconhecem, todavia, que não é possível erradicá-lo completamente, porquanto, mesmo em condições ideiais de planeamento familiar, nenhum método contraceptivo é totalmente seguro, do mesmo modo que "continuarão a existir situações específicas, características da própria condição humana, em que mulheres se deparam com uma gravidez não desejada ou desaconselhável". Nessa medida, por entenderem que a "maternidade e a paternidade são opções individuais", manifestam a sua discordância pela obrigatoriedade imposta pela legislação na continuação da gravidez, mesmo quando se trate do período inicial ou de determinadas situações limite, defendendo, diversamente, sob o ponto de vista ético, que em "certas situações específicas e dentro de prazos determinados as mulheres ou os casais tenham direito a decidir interromper uma gravidez". São, aliás, estes pressupostos que explicam a oposição dos subscritores das Plataforma às propostas que "apontam para o reconhecimento da personalidade jurídica do feto desde o momento da concepção", como quer o PP, propostas estas que consideram "profundamente fundamentalistas e desumanas". A realização de um referendo sobre esta matéria também não acolhe qualquer tipo de simpatia por parte das organizações que rubricam o documento, pela razão simples, observam, que "não pode o Estado tentar apurar maiorias em matérias que são do foro íntimo e pessoal", antes deve, isso sim, "garantir que na Lei e de facto seja tido em conta o pluralismo de opiniões existente e que os cidadãos o possam expressar em liberdade e segurança". No documento, que se desenvolve ao longo de cinco páginas, nas quais é reconhecida a "legitimidade e urgência da reabertura deste debate na sociedade portuguesa", os subscritores tomam ainda posição sobre o alargamento de motivos e prazos para a IVG legal e segura, manifestando o seu acordo quanto ao prazo de doze semanas. Quanto às estruturas de aconselhamento - Centro de Aconselhamento Familiar - , embora admitam poder ter um "papel positivo na informação", afirmam que "a decisão última sobre a IVG deve caber à mulher grávida". Subscrevem a "Plataforma pelo Direito de Optar" as seguintes organizações: ABRIL - Associação Regional para a Democracia e o Desenvolvimento, Associação para o Planeamento da Família, Associação das Mulheres Juristas, Associação Portuguesa dos Enfermeiros, CGTP-IN, Movimento Democrático das Mulheres, Juventude Comunista Portuguesa, Juventude Socialista, Organização das Mulheres Comunistas, Grupo de Mulheres do PSR, SIndicato dos Médicos da Zona Sul, Movimento pela Emancipação Social das Mulheres Portuguesas - UMAR, Departamento de Mulheres da UDP.
«Avante!» Nº 1262 - 5.Fevereiro.98