«Há uma crise de liderança»

02-09-1999
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«Os dirigentes do PS andaram a fazer pequenas malandrices, ao estilo reguila do Bairro Alto. O partido tem estado vulnerável a uma meia dúzia de conspiradores»

EXPRESSO - O mapa das regiões está arrumado?

EURICO FIGUEIREDO - A posição oficial do PS é a de que está. Mas isso é um enorme erro político, porque tem de ser garantida aos concelhos de Aveiro que querem mudar para o Entre-Douro-e-Minho a possibilidade de ficarem na região que querem. É um erro de palmatória o partido no Governo punir as populações. Vai ter de haver mais mudanças.

EXP. - Por que é que a direcção do PS não as aceita?

E.F. - Porque tem havido da parte do PS uma enorme incompetência estratégica em assuntos que têm a ver com a coordenação do partido com o Governo e o grupo parlamentar.

EXP. - A que se deve essa descoordenação?

E.F. - Não é novidade para ninguém que a descoordenação se deve aos dois anos de calvário por que passou o António Guterres. Há um grave crise de liderança, que tem de ser resolvida, porque os quadros mais próximos de Guterres foram incapazes de funcionar no momento em que ele precisava que a sua retaguarda fosse protegida.

EXP. - Como é que se manifesta a crise de liderança?

E.F. - A regionalização e a história do aborto foram duas grandes confusões. Os meus camaradas responsáveis por estes processos confundiram as grandes linhas estratégicas com as negociatas do avança e recua. Andaram a fazer pequenas malandrices ao estilo reguila do Bairro Alto. Não agiram como líderes políticos. O PS tem estado vulnerável a uma meia dúzia de conspiradores que impõem a sua própria estratégia, que não é a do bom senso e da governabilidade.

EXP. - A confusão interna em que o PS mergulhou é demérito vosso ou mérito do PSD?

E.F. - As duas coisas. A estratégia do PSD tem sido meter o PS no charco da ingovernabilidade. E temos de admitir que o tem conseguido. Estamos a perder tempo com temas laterais e folclóricos, como a revisão constitucional e os chamados problemas de consciência que dividem o nosso eleitorado, em vez de nos preocuparmos com reformas que são fundamentais para o país, como a regionalização e as reformas do sistema fiscal, dos tribunais e da saúde. Os partidos são para governar e o PS está a afastar-se dos grandes objectivos.

EXP. - Foi por isso que votou contra a Lei do Aborto?

E.F. - Não só, mas também. Leis como essa não fazem do PS um partido mais credível e fiável junto da sua base de apoio. Estou convencido de que do Tejo para cima mais de 50 por cento dos eleitores socialistas se sentiram aldrabados com o apoio do partido à Lei do Aborto da JS.

EXP. - Luís Filipe Menezes diz que o mapa da «risca ao meio» atira as regiões do interior para a órbita da Espanha. Não teme isso?

E.F. - Nem percebo essa lógica. É como estar a falar latim num mundo de computadores e sem fronteiras. Não é ajuizado pensar-se que é por causa da regionalização que Bragança se virará mais para Madrid ou para o Porto.

EXP. - Uma só região Norte seria má para Trás-os-Montes?

E.F. - Eu vivo no Porto, os meus filhos são tripeiros, mas sei que há no Porto um sentimento de prejuízo e ressentimento em relação ao resto do país. Se houvesse um Grande Norte, as pessoas do Porto estariam pouco preocupadas com o bem-estar de Bragança, Foz Côa e Boticas. Não me chocaria mesmo uma terceira região no Norte, separando o Douro Litoral do Minho. Mas devo dizer que se o PSD, quando tinha a maioria absoluta, tivesse feito a regionalização seguindo o mapa das cinco regiões-plano, eu, como transmontano, não me levantaria contra.

EXP. - O «sim» à regionalização vai ganhar?

E.F. - Vai, se o PS e o PC tiverem juízo. Onde o «sim» é mais frágil é na cintura urbana de Lisboa, na qual os dois partidos são francamente maioritários. PS e PC não podem continuar de candeias às avessas por causa do aborto. Eles acusam-nos de termos sido pantomineiros e até certo ponto têm razão. Mas não podem esquecer que a regionalização é uma oportunidade histórica para voltarem à organização do Estado português, de onde foram afastados em 76.

Jorge Fiel

«Os dirigentes do PS andaram a fazer pequenas malandrices, ao estilo reguila do Bairro Alto. O partido tem estado vulnerável a uma meia dúzia de conspiradores»

EXPRESSO - O mapa das regiões está arrumado?

EURICO FIGUEIREDO - A posição oficial do PS é a de que está. Mas isso é um enorme erro político, porque tem de ser garantida aos concelhos de Aveiro que querem mudar para o Entre-Douro-e-Minho a possibilidade de ficarem na região que querem. É um erro de palmatória o partido no Governo punir as populações. Vai ter de haver mais mudanças.

EXP. - Por que é que a direcção do PS não as aceita?

E.F. - Porque tem havido da parte do PS uma enorme incompetência estratégica em assuntos que têm a ver com a coordenação do partido com o Governo e o grupo parlamentar.

EXP. - A que se deve essa descoordenação?

E.F. - Não é novidade para ninguém que a descoordenação se deve aos dois anos de calvário por que passou o António Guterres. Há um grave crise de liderança, que tem de ser resolvida, porque os quadros mais próximos de Guterres foram incapazes de funcionar no momento em que ele precisava que a sua retaguarda fosse protegida.

EXP. - Como é que se manifesta a crise de liderança?

E.F. - A regionalização e a história do aborto foram duas grandes confusões. Os meus camaradas responsáveis por estes processos confundiram as grandes linhas estratégicas com as negociatas do avança e recua. Andaram a fazer pequenas malandrices ao estilo reguila do Bairro Alto. Não agiram como líderes políticos. O PS tem estado vulnerável a uma meia dúzia de conspiradores que impõem a sua própria estratégia, que não é a do bom senso e da governabilidade.

EXP. - A confusão interna em que o PS mergulhou é demérito vosso ou mérito do PSD?

E.F. - As duas coisas. A estratégia do PSD tem sido meter o PS no charco da ingovernabilidade. E temos de admitir que o tem conseguido. Estamos a perder tempo com temas laterais e folclóricos, como a revisão constitucional e os chamados problemas de consciência que dividem o nosso eleitorado, em vez de nos preocuparmos com reformas que são fundamentais para o país, como a regionalização e as reformas do sistema fiscal, dos tribunais e da saúde. Os partidos são para governar e o PS está a afastar-se dos grandes objectivos.

EXP. - Foi por isso que votou contra a Lei do Aborto?

E.F. - Não só, mas também. Leis como essa não fazem do PS um partido mais credível e fiável junto da sua base de apoio. Estou convencido de que do Tejo para cima mais de 50 por cento dos eleitores socialistas se sentiram aldrabados com o apoio do partido à Lei do Aborto da JS.

EXP. - Luís Filipe Menezes diz que o mapa da «risca ao meio» atira as regiões do interior para a órbita da Espanha. Não teme isso?

E.F. - Nem percebo essa lógica. É como estar a falar latim num mundo de computadores e sem fronteiras. Não é ajuizado pensar-se que é por causa da regionalização que Bragança se virará mais para Madrid ou para o Porto.

EXP. - Uma só região Norte seria má para Trás-os-Montes?

E.F. - Eu vivo no Porto, os meus filhos são tripeiros, mas sei que há no Porto um sentimento de prejuízo e ressentimento em relação ao resto do país. Se houvesse um Grande Norte, as pessoas do Porto estariam pouco preocupadas com o bem-estar de Bragança, Foz Côa e Boticas. Não me chocaria mesmo uma terceira região no Norte, separando o Douro Litoral do Minho. Mas devo dizer que se o PSD, quando tinha a maioria absoluta, tivesse feito a regionalização seguindo o mapa das cinco regiões-plano, eu, como transmontano, não me levantaria contra.

EXP. - O «sim» à regionalização vai ganhar?

E.F. - Vai, se o PS e o PC tiverem juízo. Onde o «sim» é mais frágil é na cintura urbana de Lisboa, na qual os dois partidos são francamente maioritários. PS e PC não podem continuar de candeias às avessas por causa do aborto. Eles acusam-nos de termos sido pantomineiros e até certo ponto têm razão. Mas não podem esquecer que a regionalização é uma oportunidade histórica para voltarem à organização do Estado português, de onde foram afastados em 76.

Jorge Fiel

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