«Avante!» Nº 1273 -

27-04-1999
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A TALHE DE FOICE

Corridinho

O Congresso do PSD realizado o passado fim de semana em Tavira não desiludiu as expectativas. Mais uma vez, o magno encontro dos pêpêdês foi uma pista onde dançaram as ambições do momento.

O próprio líder estabelecera as regras do jogo – a aprovação da sua estratégia e a sua recondução na liderança com a «inequívoca maioria de dois terços». Era um tudo ou nada de grande jogador e uma parada particularmente alta, dada a controvérsia que desencadeou a sua nova estratégia – o comprometimento de uma aliança com o defenestrado PP para uma próxima reconstituição da «AD», que Deus tem.

Postas as coisas nestes termos, os rivais de cabeceira do actual líder mostraram-se algo inseguros. Pedro Santana Lopes só no segundo dia abriu bico e Durão Barroso, quando saiu de um avião para se encaminhar para o congresso, parecia ainda não saber que, horas depois e logo no primeiro dia dos trabalhos, havia de se apresentar como oponente do líder que horas antes – e à saída do mesmo avião – apoiara sem equívoco.

Mas como o equívoco é a argamassa que une esta gente, lá apareceu de repente o Barroso a trepidar o congresso com uma intervenção a reivindicar princípios, a rezar a Cavaco Silva e a ladainhar uma missa fúnebre pela pretensão do actual líder em exumar a aliança de direita numa reconstruída «AD». As palmas subiram de tom e Marcelo também, o que deixou tudo na mesma. Tão na mesma, que no dia seguinte Pedro Santana Lopes, face ao líder, apenas de atreveu a um «nim» (espécie opinativa cujo hermafroditismo contém, simultaneamente, o «sim» e o «não»). Tudo, é claro, embrulhado em repolhuda coloquialidade, que o homem tem uma reputação a defender.

Perante isto, Durão Barroso deixou repentinamente de defender princípios e pôs-se à inteira disposição dos fins pretendidos pelo líder. Um disponibilidade que deixa o líder sozinho e sob ameaça de cobrança posterior, caso as coisas dêem para o torto.

Enfim, o costume entre estes companheiros.

E lá teve Marcelo a sua maioria de dois terços (tão expressiva que conseguiu um voto a mais), tornando-se o original líder da unanimidade duma ideia com que a maioria discorda. De qualquer modo acabou tudo em abraços e ala que se faz tarde.

Não sem antes ouvirem o reconfirmado líder. Subindo ao palanque a cavalo na sua maioria de dois terços, Marcelo traçou de si o perfil de um general à frente de um exército possuído da mesma ideia fixa: o assalto ao poder. Obviamente, obteve os aplausos ensurdecedores dos congressistas, que tinham assim acabado de ouvir a única coisa que realmente lhes interessa.

Acusando o PS de ter o «governo mais à direita que houve em Portugal desde o 25 de Abril», Marcelo saracoteou-se a preceito para lhe dar uma réplica de «esquerda», enunciando várias malfeitorias governamentais e esquecendo-se que, todas elas, foram lançadas pelos governos do PSD, limitando-se o PS e prossegui-las e aprofundá-las – aliás com igual empenho e afã.

Quanto a «alternativas», as tais que renascerão da «AD» para «salvar o País» (ah, desgraçada pátria, que nunca te faltam «salvadores» para te afundar...) ninguém ouviu dizer quais são mas toda a gente ficou a saber a que se resumem: ao regresso do PSD ao poder, desta vez com o bodo na mão de Marcelo Rebelo de Sousa.

Para quem, talvez por influência da localização algarvia deste congresso, a coisa parece que agora vai de corrida.

Mas o mais certo é sair corridinho. — Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1273 - 23.Abril.98

A TALHE DE FOICE

Corridinho

O Congresso do PSD realizado o passado fim de semana em Tavira não desiludiu as expectativas. Mais uma vez, o magno encontro dos pêpêdês foi uma pista onde dançaram as ambições do momento.

O próprio líder estabelecera as regras do jogo – a aprovação da sua estratégia e a sua recondução na liderança com a «inequívoca maioria de dois terços». Era um tudo ou nada de grande jogador e uma parada particularmente alta, dada a controvérsia que desencadeou a sua nova estratégia – o comprometimento de uma aliança com o defenestrado PP para uma próxima reconstituição da «AD», que Deus tem.

Postas as coisas nestes termos, os rivais de cabeceira do actual líder mostraram-se algo inseguros. Pedro Santana Lopes só no segundo dia abriu bico e Durão Barroso, quando saiu de um avião para se encaminhar para o congresso, parecia ainda não saber que, horas depois e logo no primeiro dia dos trabalhos, havia de se apresentar como oponente do líder que horas antes – e à saída do mesmo avião – apoiara sem equívoco.

Mas como o equívoco é a argamassa que une esta gente, lá apareceu de repente o Barroso a trepidar o congresso com uma intervenção a reivindicar princípios, a rezar a Cavaco Silva e a ladainhar uma missa fúnebre pela pretensão do actual líder em exumar a aliança de direita numa reconstruída «AD». As palmas subiram de tom e Marcelo também, o que deixou tudo na mesma. Tão na mesma, que no dia seguinte Pedro Santana Lopes, face ao líder, apenas de atreveu a um «nim» (espécie opinativa cujo hermafroditismo contém, simultaneamente, o «sim» e o «não»). Tudo, é claro, embrulhado em repolhuda coloquialidade, que o homem tem uma reputação a defender.

Perante isto, Durão Barroso deixou repentinamente de defender princípios e pôs-se à inteira disposição dos fins pretendidos pelo líder. Um disponibilidade que deixa o líder sozinho e sob ameaça de cobrança posterior, caso as coisas dêem para o torto.

Enfim, o costume entre estes companheiros.

E lá teve Marcelo a sua maioria de dois terços (tão expressiva que conseguiu um voto a mais), tornando-se o original líder da unanimidade duma ideia com que a maioria discorda. De qualquer modo acabou tudo em abraços e ala que se faz tarde.

Não sem antes ouvirem o reconfirmado líder. Subindo ao palanque a cavalo na sua maioria de dois terços, Marcelo traçou de si o perfil de um general à frente de um exército possuído da mesma ideia fixa: o assalto ao poder. Obviamente, obteve os aplausos ensurdecedores dos congressistas, que tinham assim acabado de ouvir a única coisa que realmente lhes interessa.

Acusando o PS de ter o «governo mais à direita que houve em Portugal desde o 25 de Abril», Marcelo saracoteou-se a preceito para lhe dar uma réplica de «esquerda», enunciando várias malfeitorias governamentais e esquecendo-se que, todas elas, foram lançadas pelos governos do PSD, limitando-se o PS e prossegui-las e aprofundá-las – aliás com igual empenho e afã.

Quanto a «alternativas», as tais que renascerão da «AD» para «salvar o País» (ah, desgraçada pátria, que nunca te faltam «salvadores» para te afundar...) ninguém ouviu dizer quais são mas toda a gente ficou a saber a que se resumem: ao regresso do PSD ao poder, desta vez com o bodo na mão de Marcelo Rebelo de Sousa.

Para quem, talvez por influência da localização algarvia deste congresso, a coisa parece que agora vai de corrida.

Mas o mais certo é sair corridinho. — Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1273 - 23.Abril.98

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