Carta-aberta dos ferroviários da CP

18-08-1999
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Estômbar, política e outros desastres

Carta-aberta

dos ferroviários

ao presidente

do Conselho de Gerência da CP

Na sequência de uma carta enviada pelo presidente do CG da CP aos trabalhadores da CP, relacionada com o acidente ferroviário do passado dia 8 de Novembro, a Comissão Executiva da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Ferroviários Portugueses decidiu dirigir ao dr. Crisóstomo Teixeira uma carta-aberta, que aqui publicamos.

Apelos

«Dirigiu V Exª uma carta aos trabalhadores da CP, ao que parece com o propósito de «produzir um apelo à sensatez e moderação verbal» dos dirigentes sindicais que se permitiram apontar as causas mais profundas do acidente ocorrido no passado dia 8 de Novembro, em Estômbar, e que matou quatro pessoas, entre elas um ferroviário. Além das irreparáveis perdas de vidas, este acidente causou ainda mais de uma dezena de feridos, entre os quais outro ferroviário, para não falar já dos elevados prejuízos materiais.

Acontece que também queremos fazer um apelo ao senhor presidente do CG, que é, precisamente, o de procurar confinar-se aos factos e deixar os considerandos de natureza político-partidária para outras ocasiões menos inoportunas.

Como sempre, o CG, mesmo antes das conclusões das comissões de inquérito, apressou-se na explicação simplista das causas do acidente. Falha humana. Nem mais. O inquérito, os inquéritos, para si, serão mera formalidade. O veredicto já foi ditado.»

Falhas

«Mas a haver falha humana, ela tem raízes não em Estômbar mas em Lisboa, porque é aqui que temos de encontrar os principais responsáveis pelo estado de atraso em que se encontra a rede de caminho-de-ferro, sobretudo nas zonas do interior do País.

Focar as causas do acidente apenas no momento exacto em que ele aconteceu, tal como em Alcafache e outros, é pura e simplesmente ignorar as verdadeiras causas dos mesmos e tentar, assim, iludir a opinião pública, porque os governantes e os sucessivos CGs da CP sabem, perfeitamente, que, tal como as coisas se encontram, só o zelo, a capacidade profissional dos ferroviários e o seu empenhamento tão mal recompensado permitem a segurança do sistema ferroviário.

É certo que o atraso do caminho-de-ferro não começou agora, mas não é menos verdade que, tal como V Exª sabe, a ocorrência de acidentes como o de Estômbar, de Alcafache e outros se deve à inexistência de modernos meios de comunicação, como o rádio-solo, e também o facto dos sucessivos CGs terem promovido o desguarnecimento das estações e dos próprios comboios, na sanha irresponsável da extinção de postos de trabalho.

Ao contrário de V Exª, que, estando a escrever um texto, e ao ver que se enganou, rasga o papel e resolve assim o problema, neste tipo de exploração ferroviária um trabalhador, ao ver que se enganou ou ao verificar que houve uma falha, já não tem qualquer sistema de recurso ou possibilidade de corrigir a situação.

Talvez ainda não o tenham informado, mas saiba V. Exª que as estações como Estômbar eram, ainda há poucos anos, guarnecidas, no mínimo, com três trabalhadores. E hoje está só um.

Só por teimosia é que V Exª não reconhecerá que a redução de pessoal foi feita antes da implementação de novas tecnologias que substituem a presença humana. Só por má-fé se pode vir tentar responsabilizar os dirigentes sindicais, que, no desempenho das suas funções, alertaram para a necessidade de se alterar o actual estado de coisas.»

Contributos

«Esta tem sido a postura desta Federação. Ao longo dos tempos temos, de uma forma responsável e séria, tentado dar contributos positivos para a modernização e desenvolvimento do caminho-de-ferro.

Em 1986, promoveu esta Federação, com a colaboração da Comissão de Trabalhadores da CP, um encontro nacional sobre segurança ferroviária. As causas do acidente de Estômbar foram lá apontadas e foram igualmente apontadas soluções, mas infelizmente, passados 11 anos, pouco foi feito.

Como há muito para fazer e porque uma boa parte dessas conclusões permanecem actuais, aproveitamos para lhe enviar uma cópia das mesmas, se V. Exª estiver de boa-fé, quando fala sobre estes temas, alterará certamente a sua opinião sobre a postura desta estrutura sindical.

Registamos como positivas as declarações de V. Exª, no passado dia 17 na Antena 1, sobre o alargamento do sistema de rádio-solo a toda a rede nacional. Com esta sua promessa, reconhece que as declarações desta Federação, emitidas logo a seguir ao acidente, têm razão de ser e que o acidente de Estômbar teria sido evitado se essa medida já tivesse sido tomada.

Apelamos, no entanto, para que, tal como por ocasião do acidente de Alcafache, a sua promessa seja mais do que uma declaração de circunstância e se torne realidade o mais breve possível, porque esse investimento será sempre mais barato que a perda de vidas humanas.

Entretanto, é necessário que não esqueçamos que, hoje, a situação é igual à do dia do acidente, ou seja, as estações de Estômbar e da restante rede de cantonamento telefónico continuam, na generalidade, guarnecidos apenas por um trabalhador, com a categoria de Operador de Movimento, categoria imposta pelo CG. Estes trabalhadores têm de vender bilhetes, atender telefones, dar informações, manobrar agulhas, dar partidas, etc. Ao mesmo tempo que as máquinas 1200 e outras circulações continuam a circular só com o maquinista.

Por outro lado, não podemos deixar de protestar pelo facto de, em vez de se tomarem as medidas que se impõem, se comece por instaurar um processo disciplinar ao trabalhador da estação de Estômbar, por ter prestado declarações.

Várias pessoas da empresa prestaram diversas declarações, incluindo V. Exª, que, mesmo antes das conclusões dos inquéritos, se apressou a atribuir as causas do acidente a falha humana.

Finalmente, apelamos a V. Exª para que, de acordo com o cargo que exerce, procure manter uma postura de moderação, evitando substituir-se aos diversos órgãos da empresa.

Sempre estivemos e continuamos a estar disponíveis para colaborar na modernização e desenvolvimento do caminho-de-ferro, de acordo com os interesses dos trabalhadores e do País, porque, quanto às vantagens económicas pessoais, V. Exª está certamente a referir-se à enorme quantidade de lugares de gestão, acessores, membros de comissões e grupos de trabalho que têm sido nomeados pelo CG a que preside e, ao que se sabe, todos eles muito bem pagos.»

«Avante!» Nº 1253 - 4.Dezembro.97

Estômbar, política e outros desastres

Carta-aberta

dos ferroviários

ao presidente

do Conselho de Gerência da CP

Na sequência de uma carta enviada pelo presidente do CG da CP aos trabalhadores da CP, relacionada com o acidente ferroviário do passado dia 8 de Novembro, a Comissão Executiva da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Ferroviários Portugueses decidiu dirigir ao dr. Crisóstomo Teixeira uma carta-aberta, que aqui publicamos.

Apelos

«Dirigiu V Exª uma carta aos trabalhadores da CP, ao que parece com o propósito de «produzir um apelo à sensatez e moderação verbal» dos dirigentes sindicais que se permitiram apontar as causas mais profundas do acidente ocorrido no passado dia 8 de Novembro, em Estômbar, e que matou quatro pessoas, entre elas um ferroviário. Além das irreparáveis perdas de vidas, este acidente causou ainda mais de uma dezena de feridos, entre os quais outro ferroviário, para não falar já dos elevados prejuízos materiais.

Acontece que também queremos fazer um apelo ao senhor presidente do CG, que é, precisamente, o de procurar confinar-se aos factos e deixar os considerandos de natureza político-partidária para outras ocasiões menos inoportunas.

Como sempre, o CG, mesmo antes das conclusões das comissões de inquérito, apressou-se na explicação simplista das causas do acidente. Falha humana. Nem mais. O inquérito, os inquéritos, para si, serão mera formalidade. O veredicto já foi ditado.»

Falhas

«Mas a haver falha humana, ela tem raízes não em Estômbar mas em Lisboa, porque é aqui que temos de encontrar os principais responsáveis pelo estado de atraso em que se encontra a rede de caminho-de-ferro, sobretudo nas zonas do interior do País.

Focar as causas do acidente apenas no momento exacto em que ele aconteceu, tal como em Alcafache e outros, é pura e simplesmente ignorar as verdadeiras causas dos mesmos e tentar, assim, iludir a opinião pública, porque os governantes e os sucessivos CGs da CP sabem, perfeitamente, que, tal como as coisas se encontram, só o zelo, a capacidade profissional dos ferroviários e o seu empenhamento tão mal recompensado permitem a segurança do sistema ferroviário.

É certo que o atraso do caminho-de-ferro não começou agora, mas não é menos verdade que, tal como V Exª sabe, a ocorrência de acidentes como o de Estômbar, de Alcafache e outros se deve à inexistência de modernos meios de comunicação, como o rádio-solo, e também o facto dos sucessivos CGs terem promovido o desguarnecimento das estações e dos próprios comboios, na sanha irresponsável da extinção de postos de trabalho.

Ao contrário de V Exª, que, estando a escrever um texto, e ao ver que se enganou, rasga o papel e resolve assim o problema, neste tipo de exploração ferroviária um trabalhador, ao ver que se enganou ou ao verificar que houve uma falha, já não tem qualquer sistema de recurso ou possibilidade de corrigir a situação.

Talvez ainda não o tenham informado, mas saiba V. Exª que as estações como Estômbar eram, ainda há poucos anos, guarnecidas, no mínimo, com três trabalhadores. E hoje está só um.

Só por teimosia é que V Exª não reconhecerá que a redução de pessoal foi feita antes da implementação de novas tecnologias que substituem a presença humana. Só por má-fé se pode vir tentar responsabilizar os dirigentes sindicais, que, no desempenho das suas funções, alertaram para a necessidade de se alterar o actual estado de coisas.»

Contributos

«Esta tem sido a postura desta Federação. Ao longo dos tempos temos, de uma forma responsável e séria, tentado dar contributos positivos para a modernização e desenvolvimento do caminho-de-ferro.

Em 1986, promoveu esta Federação, com a colaboração da Comissão de Trabalhadores da CP, um encontro nacional sobre segurança ferroviária. As causas do acidente de Estômbar foram lá apontadas e foram igualmente apontadas soluções, mas infelizmente, passados 11 anos, pouco foi feito.

Como há muito para fazer e porque uma boa parte dessas conclusões permanecem actuais, aproveitamos para lhe enviar uma cópia das mesmas, se V. Exª estiver de boa-fé, quando fala sobre estes temas, alterará certamente a sua opinião sobre a postura desta estrutura sindical.

Registamos como positivas as declarações de V. Exª, no passado dia 17 na Antena 1, sobre o alargamento do sistema de rádio-solo a toda a rede nacional. Com esta sua promessa, reconhece que as declarações desta Federação, emitidas logo a seguir ao acidente, têm razão de ser e que o acidente de Estômbar teria sido evitado se essa medida já tivesse sido tomada.

Apelamos, no entanto, para que, tal como por ocasião do acidente de Alcafache, a sua promessa seja mais do que uma declaração de circunstância e se torne realidade o mais breve possível, porque esse investimento será sempre mais barato que a perda de vidas humanas.

Entretanto, é necessário que não esqueçamos que, hoje, a situação é igual à do dia do acidente, ou seja, as estações de Estômbar e da restante rede de cantonamento telefónico continuam, na generalidade, guarnecidos apenas por um trabalhador, com a categoria de Operador de Movimento, categoria imposta pelo CG. Estes trabalhadores têm de vender bilhetes, atender telefones, dar informações, manobrar agulhas, dar partidas, etc. Ao mesmo tempo que as máquinas 1200 e outras circulações continuam a circular só com o maquinista.

Por outro lado, não podemos deixar de protestar pelo facto de, em vez de se tomarem as medidas que se impõem, se comece por instaurar um processo disciplinar ao trabalhador da estação de Estômbar, por ter prestado declarações.

Várias pessoas da empresa prestaram diversas declarações, incluindo V. Exª, que, mesmo antes das conclusões dos inquéritos, se apressou a atribuir as causas do acidente a falha humana.

Finalmente, apelamos a V. Exª para que, de acordo com o cargo que exerce, procure manter uma postura de moderação, evitando substituir-se aos diversos órgãos da empresa.

Sempre estivemos e continuamos a estar disponíveis para colaborar na modernização e desenvolvimento do caminho-de-ferro, de acordo com os interesses dos trabalhadores e do País, porque, quanto às vantagens económicas pessoais, V. Exª está certamente a referir-se à enorme quantidade de lugares de gestão, acessores, membros de comissões e grupos de trabalho que têm sido nomeados pelo CG a que preside e, ao que se sabe, todos eles muito bem pagos.»

«Avante!» Nº 1253 - 4.Dezembro.97

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