DN-Provedor dos Leitores

24-06-1998
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Uma hipótese de colisão

O presidente do Conselho de Gerência da CP, Crisóstomo Teixeira, considera que há indícios de "comportamento vicioso" em diversos artigos, assinados pela jornalista Leonor Matias, que o DN tem vindo a dedicar àquela empresa. Como facilmente se compreende, não é possível fazer aqui o levantamento e a apreciação de todos os textos que uma tal acusação abrange. Limitar-me-ei, por isso, a analisar o último desses textos, que foi, de resto, aquele que levou Crisóstomo Teixeira a escrever ao jornal e ao provedor. Dizia o DN, a 28 de Maio, em título de primeira página: "João Cravinho e presidente da CP em rota de colisão." E explicava: "O ministro retirou à CP a decisão sobre a concessão da travessia ferroviária da ponte sobre o Tejo. O despacho, que estava já assinado há cerca de um mês, apanhou de surpresa o presidente da empresa e ex-secretário de Estado de Cravinho, Crisóstomo Teixeira, pondo de novo em confronto Ministério do Equipamento Social e CP." Lá dentro, ao alto e a toda a largura da página de "Negócios", voltava a titular-se "Cravinho em choque com CP" e insistia-se: "O ministro chamou a si a atribuição da concessão da travessia na Ponte à iniciativa privada. Crisóstomo Teixeira não gostou." Resumindo, o jornal informava, primeiro, que tinha havido uma decisão a chamar ao ministério a condução do processo de concessão da travessia ferroviária da ponte sobre o Tejo; segundo, que essa decisão, não só apanhara desprevenido o presidente da CP como vinha ao arrepio da sua expectativa nesta matéria.

Desmentido C risóstomo Teixeira assevera que esta última parte do texto "carece de fundamento". A demonstrá-lo, o presidente da CP enviou ao jornal, para publicação, a cópia de uma carta que dirigira, em 26 de Fevereiro, ao responsável pelo concurso para a exploração do já citado eixo ferroviário, dr. José Braancamp Sobral, onde se dizia textualmente: "Considerando as notícias que sobre o concurso têm vindo a público, podendo inferir-se uma forte probabilidade de celebração do contrato para a exploração do EFNS (Eixo Ferroviário Norte-Sul), ponderada a situação e as disponibilidades da CP, reafirmamos a conveniência de o contrato de (sub)concessão poder ser assumido directamente pelo Estado."

Nessa mesma carta, que o DN publicou integralmente, logo na edição de 30 de Maio, eram ainda transmitidas à tutela várias outras considerações do Conselho de Gerência da CP sobre a minuta de contrato. Assim, por exemplo, dizia-se que "o texto do n.º 8 da cláusula 18.ª é excessivamente condicionante, podendo prejudicar o novo operador, a CP e, sobretudo, os clientes, pelo que conviria deixar a matéria para acordo entre os operadores, libertando a tutela da necessidade de pronunciamento pontual ou sistemático". Em nenhuma dessas considerações se contrariava, no entanto, a referida sugestão de que o Estado deve assumir a condução do processo, directamente e não através da CP, sugestão que servia, aliás, de conclusão a toda a carta. Curiosamente, o contrato que no início desta aparecia como de subconcessão era referido no último parágrafo como de (sub)concessão, em coerência com a hipótese sugerida ao Governo. À primeira vista, julgar-se-ia que esta questão era daquelas em que não há meio-termo. Se a carta apresentada por Crisóstomo Teixeira é autêntica - e nada, até agora, foi dito em contrário -, a informação que o DN publicou estava errada. Não é esse, todavia, o sentimento, nem da jornalista nem do director do jornal. Leonor Matias alega que "pela leitura da carta enviada pelo presidente do Conselho de Administração da CP fica-se sem perceber exactamente as suas verdadeiras intenções". Afirma, além disso, não saber o que é o "comportamento vicioso" de que vem acusada, não tendo nada mais a acrescentar à nota de Redacção que assinou e fez publicar juntamente com a carta do leitor. Mário Bettencourt Resendes, por sua vez, considera que a citada nota de Redacção e a resposta que a jornalista "dirige ao provedor constituem esclarecimento cabal de que não há da parte do DN, nesta matéria, qualquer comportamento vicioso". O que é que dizia a nota assinada por Leonor Matias? À semelhança do que veio depois a repetir no comentário que lhe solicitei, a jornalista sustentava, já então, que "a carta enviada pelo presidente da CP a Braancamp Sobral (...) não é esclarecedora das intenções, por aquele descritas, quanto à conveniência de o contrato de (sub)concessão poder ser assinado directamente pelo Estado. Da leitura da missiva (...) fica a ideia de a CP querer acertar directamente com o futuro operador determinadas condições que não são explicadas, libertando a tutela da necessidade de pronunciamento pontual ou sistemático". A mesma nota acrescentava ainda que "os esclarecimentos poderá o excelentíssimo presidente da CP prestá-los ao DN no dia em que atender os vários pedidos solicitados e nunca atendidos".

Argumentos A dmito que o jornal tenha razão neste último ponto, quando reclama da falta de colaboração da CP em matéria de esclarecimentos a prestar à Imprensa. O direito de informar e ser informado, previsto na Constituição como um direito dos cidadãos e não apenas dos jornalistas, é incompatível com eventuais bloqueios e dificuldades de acesso às fontes, designadamente quando se trata de entidades oficiais ou de natureza pública. Convenhamos, porém, que isto não pode, por muito importante que seja, levar-se à conta de um argumento no caso em apreço. E sobre este, a única coisa que o jornal diz de concreto é que a prova alegada pelo leitor "não é esclarecedora", ou que "não se percebem exactamente as suas intenções". Voltemos aos factos, que ainda são, nestas ocasiões, o único porto seguro. O DN noticiou que o presidente da CP tinha ficado surpreendido e nada satisfeito quando soube que João Cravinho, o ministro com quem, até há pouco mais de um ano, trabalhava como secretário de Estado, pusesse na dependência directa do seu ministério o processo de concessão do Eixo Ferroviário Norte-Sul. Em abono desta "notícia", a única fonte que o jornal citou era anónima. Dois dias depois, o presidente em causa veio provar que, já em Fevereiro, tinha sido ele a propor ao Governo a solução que este adoptou. O DN publica-lhe a carta e, poucas linhas a seguir àquela em que Crisóstomo Teixeira reafirmava "a conveniência de o contrato de (sub)concessão poder ser assumido directamente pelo Estado", contrapõe, em nota de Redacção, que a carta "não é esclarecedora". A este respeito, gostaria de deixar apenas duas perguntas. A primeira é a seguinte: sou eu que não estou a ver bem, ou tudo isto se pode traduzir em flagrante inversão do ónus da prova? É, afinal, o DN que tem que justificar a afirmação produzida, mas desmentida pela carta do visado, ou é este que tem de continuar a trazer argumentos até que o jornal se considere esclarecido? A frequência com que se recorre, não sei se ingénua se ousadamente, a um tal artifício em notas de Redacção dava matéria para outro artigo. Ficará para melhor altura. A segunda tem a ver com o motivo pelo qual se subestima o argumento do leitor: será legítimo virar do avesso a carta que ele apresenta e escarafunchar num parágrafo, em que se alude apenas ao 8.º ponto da 18.ª cláusula de uma minuta de contrato, a suposta negação do que a mesma carta diz, em termos claros, para quem quer que a leia sem querer ver à força algo que lá não vem? Lamento informar, mas a minha subtileza não chega a tanto. E duvido que a dos jornalistas vá longe, quando envereda por tais sinuosidades e não se limita a reconhecer que errou, ou que suspeita, mas não tem provas. Além do correio normal, a correspondência dirigida ao provedor pode também ser enviada através do e-mail:dnot@mail.telepac.pt

Uma hipótese de colisão

O presidente do Conselho de Gerência da CP, Crisóstomo Teixeira, considera que há indícios de "comportamento vicioso" em diversos artigos, assinados pela jornalista Leonor Matias, que o DN tem vindo a dedicar àquela empresa. Como facilmente se compreende, não é possível fazer aqui o levantamento e a apreciação de todos os textos que uma tal acusação abrange. Limitar-me-ei, por isso, a analisar o último desses textos, que foi, de resto, aquele que levou Crisóstomo Teixeira a escrever ao jornal e ao provedor. Dizia o DN, a 28 de Maio, em título de primeira página: "João Cravinho e presidente da CP em rota de colisão." E explicava: "O ministro retirou à CP a decisão sobre a concessão da travessia ferroviária da ponte sobre o Tejo. O despacho, que estava já assinado há cerca de um mês, apanhou de surpresa o presidente da empresa e ex-secretário de Estado de Cravinho, Crisóstomo Teixeira, pondo de novo em confronto Ministério do Equipamento Social e CP." Lá dentro, ao alto e a toda a largura da página de "Negócios", voltava a titular-se "Cravinho em choque com CP" e insistia-se: "O ministro chamou a si a atribuição da concessão da travessia na Ponte à iniciativa privada. Crisóstomo Teixeira não gostou." Resumindo, o jornal informava, primeiro, que tinha havido uma decisão a chamar ao ministério a condução do processo de concessão da travessia ferroviária da ponte sobre o Tejo; segundo, que essa decisão, não só apanhara desprevenido o presidente da CP como vinha ao arrepio da sua expectativa nesta matéria.

Desmentido C risóstomo Teixeira assevera que esta última parte do texto "carece de fundamento". A demonstrá-lo, o presidente da CP enviou ao jornal, para publicação, a cópia de uma carta que dirigira, em 26 de Fevereiro, ao responsável pelo concurso para a exploração do já citado eixo ferroviário, dr. José Braancamp Sobral, onde se dizia textualmente: "Considerando as notícias que sobre o concurso têm vindo a público, podendo inferir-se uma forte probabilidade de celebração do contrato para a exploração do EFNS (Eixo Ferroviário Norte-Sul), ponderada a situação e as disponibilidades da CP, reafirmamos a conveniência de o contrato de (sub)concessão poder ser assumido directamente pelo Estado."

Nessa mesma carta, que o DN publicou integralmente, logo na edição de 30 de Maio, eram ainda transmitidas à tutela várias outras considerações do Conselho de Gerência da CP sobre a minuta de contrato. Assim, por exemplo, dizia-se que "o texto do n.º 8 da cláusula 18.ª é excessivamente condicionante, podendo prejudicar o novo operador, a CP e, sobretudo, os clientes, pelo que conviria deixar a matéria para acordo entre os operadores, libertando a tutela da necessidade de pronunciamento pontual ou sistemático". Em nenhuma dessas considerações se contrariava, no entanto, a referida sugestão de que o Estado deve assumir a condução do processo, directamente e não através da CP, sugestão que servia, aliás, de conclusão a toda a carta. Curiosamente, o contrato que no início desta aparecia como de subconcessão era referido no último parágrafo como de (sub)concessão, em coerência com a hipótese sugerida ao Governo. À primeira vista, julgar-se-ia que esta questão era daquelas em que não há meio-termo. Se a carta apresentada por Crisóstomo Teixeira é autêntica - e nada, até agora, foi dito em contrário -, a informação que o DN publicou estava errada. Não é esse, todavia, o sentimento, nem da jornalista nem do director do jornal. Leonor Matias alega que "pela leitura da carta enviada pelo presidente do Conselho de Administração da CP fica-se sem perceber exactamente as suas verdadeiras intenções". Afirma, além disso, não saber o que é o "comportamento vicioso" de que vem acusada, não tendo nada mais a acrescentar à nota de Redacção que assinou e fez publicar juntamente com a carta do leitor. Mário Bettencourt Resendes, por sua vez, considera que a citada nota de Redacção e a resposta que a jornalista "dirige ao provedor constituem esclarecimento cabal de que não há da parte do DN, nesta matéria, qualquer comportamento vicioso". O que é que dizia a nota assinada por Leonor Matias? À semelhança do que veio depois a repetir no comentário que lhe solicitei, a jornalista sustentava, já então, que "a carta enviada pelo presidente da CP a Braancamp Sobral (...) não é esclarecedora das intenções, por aquele descritas, quanto à conveniência de o contrato de (sub)concessão poder ser assinado directamente pelo Estado. Da leitura da missiva (...) fica a ideia de a CP querer acertar directamente com o futuro operador determinadas condições que não são explicadas, libertando a tutela da necessidade de pronunciamento pontual ou sistemático". A mesma nota acrescentava ainda que "os esclarecimentos poderá o excelentíssimo presidente da CP prestá-los ao DN no dia em que atender os vários pedidos solicitados e nunca atendidos".

Argumentos A dmito que o jornal tenha razão neste último ponto, quando reclama da falta de colaboração da CP em matéria de esclarecimentos a prestar à Imprensa. O direito de informar e ser informado, previsto na Constituição como um direito dos cidadãos e não apenas dos jornalistas, é incompatível com eventuais bloqueios e dificuldades de acesso às fontes, designadamente quando se trata de entidades oficiais ou de natureza pública. Convenhamos, porém, que isto não pode, por muito importante que seja, levar-se à conta de um argumento no caso em apreço. E sobre este, a única coisa que o jornal diz de concreto é que a prova alegada pelo leitor "não é esclarecedora", ou que "não se percebem exactamente as suas intenções". Voltemos aos factos, que ainda são, nestas ocasiões, o único porto seguro. O DN noticiou que o presidente da CP tinha ficado surpreendido e nada satisfeito quando soube que João Cravinho, o ministro com quem, até há pouco mais de um ano, trabalhava como secretário de Estado, pusesse na dependência directa do seu ministério o processo de concessão do Eixo Ferroviário Norte-Sul. Em abono desta "notícia", a única fonte que o jornal citou era anónima. Dois dias depois, o presidente em causa veio provar que, já em Fevereiro, tinha sido ele a propor ao Governo a solução que este adoptou. O DN publica-lhe a carta e, poucas linhas a seguir àquela em que Crisóstomo Teixeira reafirmava "a conveniência de o contrato de (sub)concessão poder ser assumido directamente pelo Estado", contrapõe, em nota de Redacção, que a carta "não é esclarecedora". A este respeito, gostaria de deixar apenas duas perguntas. A primeira é a seguinte: sou eu que não estou a ver bem, ou tudo isto se pode traduzir em flagrante inversão do ónus da prova? É, afinal, o DN que tem que justificar a afirmação produzida, mas desmentida pela carta do visado, ou é este que tem de continuar a trazer argumentos até que o jornal se considere esclarecido? A frequência com que se recorre, não sei se ingénua se ousadamente, a um tal artifício em notas de Redacção dava matéria para outro artigo. Ficará para melhor altura. A segunda tem a ver com o motivo pelo qual se subestima o argumento do leitor: será legítimo virar do avesso a carta que ele apresenta e escarafunchar num parágrafo, em que se alude apenas ao 8.º ponto da 18.ª cláusula de uma minuta de contrato, a suposta negação do que a mesma carta diz, em termos claros, para quem quer que a leia sem querer ver à força algo que lá não vem? Lamento informar, mas a minha subtileza não chega a tanto. E duvido que a dos jornalistas vá longe, quando envereda por tais sinuosidades e não se limita a reconhecer que errou, ou que suspeita, mas não tem provas. Além do correio normal, a correspondência dirigida ao provedor pode também ser enviada através do e-mail:dnot@mail.telepac.pt

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