Sobriedade e rigor

15-09-1999
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ANTÓNIO REIS

E MARGARIDA CORDEIRO

A POESIA DA TERRA Ed. Cineclube de Faro,

1997, 292 págs.

Não espanta que, numa entrevista publicada neste catálogo, Pedro Costa refira: «(O Reis) sabia o nome de todas as plantas, de todas as pedras, de que é feito o Príncipe Real por baixo; passava horas a falar daquele cedro (o existente no jardim).»

Mas há muito mais para aprender sobre a obra e o homem e sobre a sua grande cúmplice na aventura de descobrir um mesmo sentido para a vida e para a arte: Margarida Cordeiro. Disso, com extrema felicidade, se encarrega este catálogo publicado pelo Cine Clube de Faro e organizado por Anabela Moutinho e Maria da Graça Lobo. Diga-se já: é um acto de amor este catálogo, só possível a quem se empenha a fazer da justiça uma prova de fé, pois, como nos advertia outro poeta, Bernard Noel, o nosso destino começa a estar despovoado de alibis.

O catálogo tem o justo peso e a densidade de uma pedra (292 páginas de papel reciclável, rugoso, com pontos, riscos e vestígios como o Reis apreciaria), uma pedra à Ramos Rosa, com lâmpadas dentro, dado que o grafismo distribui os materiais (textos e fotos) com uma sobriedade, um rigor, e uma claridade afins da obra dos homenageados.

Organiza-se o catálogo em quatro partes: Parte I, Margarida Cordeiro, 1997; Parte II , António Reis, a Homenagem; Parte III, A Obra; Parte IV - António Reis e Margarida Cordeiro, entrevistas e depoimentos. E convoca quase todos os escritos sobre os quatro filmes da dupla, para além de coligir depoimentos e entrevistas a amigos (de todos os quadrantes) e a alunos que compõem um retrato multifacetado da personalidade de António Reis. É um documento doravante essencial.

Das diversas coisas comoventes no catálogo, quero salientar a espantosa entrevista que o abre, com Margarida Cordeiro. É um longo curso para o afecto, onde a evocação (de Reis) e o pensamento cinematográfico se entretecem com uma lucidez que só a coragem de ser frágil permite. É o rosto de uma sensibilidade que, sem peias, com humildade e gratidão, expõe o seu carácter de urgência.

O que torna mais pungente o silêncio a que a expressão cinematográfica de Margarida Cordeiro tem sido submetido. Seria feio que este catálogo legitimasse uma hagiografia, deixando na penumbra uma das cabeças da obra. A maior homenagem ao co-autor de Trás-os-Montes seria possibilitar que Margarida Cordeiro retomasse o trilho que ambos começaram - e esquecer isto é falsear a verdade íntima do poeta António Reis.

Para terminar, devolvemos-lhe a palavra. À pergunta «o que pede a um espectador perante um filme seu?», respondeu: «O que ele, espectador, pede para o que ama e lhe deu trabalho. Que vença dificuldades, que também nós tivemos de vencer. Eu não sei acender um fósforo contra o vento. Raptar o fogo nas duas mãos. Maravilha-me que os operários o façam tão admiravelmente.» Agradece-se o catálogo, fica o apelo: não lhe roubem o fogo.

ANTÓNIO CABRITA

ANTÓNIO REIS

E MARGARIDA CORDEIRO

A POESIA DA TERRA Ed. Cineclube de Faro,

1997, 292 págs.

Não espanta que, numa entrevista publicada neste catálogo, Pedro Costa refira: «(O Reis) sabia o nome de todas as plantas, de todas as pedras, de que é feito o Príncipe Real por baixo; passava horas a falar daquele cedro (o existente no jardim).»

Mas há muito mais para aprender sobre a obra e o homem e sobre a sua grande cúmplice na aventura de descobrir um mesmo sentido para a vida e para a arte: Margarida Cordeiro. Disso, com extrema felicidade, se encarrega este catálogo publicado pelo Cine Clube de Faro e organizado por Anabela Moutinho e Maria da Graça Lobo. Diga-se já: é um acto de amor este catálogo, só possível a quem se empenha a fazer da justiça uma prova de fé, pois, como nos advertia outro poeta, Bernard Noel, o nosso destino começa a estar despovoado de alibis.

O catálogo tem o justo peso e a densidade de uma pedra (292 páginas de papel reciclável, rugoso, com pontos, riscos e vestígios como o Reis apreciaria), uma pedra à Ramos Rosa, com lâmpadas dentro, dado que o grafismo distribui os materiais (textos e fotos) com uma sobriedade, um rigor, e uma claridade afins da obra dos homenageados.

Organiza-se o catálogo em quatro partes: Parte I, Margarida Cordeiro, 1997; Parte II , António Reis, a Homenagem; Parte III, A Obra; Parte IV - António Reis e Margarida Cordeiro, entrevistas e depoimentos. E convoca quase todos os escritos sobre os quatro filmes da dupla, para além de coligir depoimentos e entrevistas a amigos (de todos os quadrantes) e a alunos que compõem um retrato multifacetado da personalidade de António Reis. É um documento doravante essencial.

Das diversas coisas comoventes no catálogo, quero salientar a espantosa entrevista que o abre, com Margarida Cordeiro. É um longo curso para o afecto, onde a evocação (de Reis) e o pensamento cinematográfico se entretecem com uma lucidez que só a coragem de ser frágil permite. É o rosto de uma sensibilidade que, sem peias, com humildade e gratidão, expõe o seu carácter de urgência.

O que torna mais pungente o silêncio a que a expressão cinematográfica de Margarida Cordeiro tem sido submetido. Seria feio que este catálogo legitimasse uma hagiografia, deixando na penumbra uma das cabeças da obra. A maior homenagem ao co-autor de Trás-os-Montes seria possibilitar que Margarida Cordeiro retomasse o trilho que ambos começaram - e esquecer isto é falsear a verdade íntima do poeta António Reis.

Para terminar, devolvemos-lhe a palavra. À pergunta «o que pede a um espectador perante um filme seu?», respondeu: «O que ele, espectador, pede para o que ama e lhe deu trabalho. Que vença dificuldades, que também nós tivemos de vencer. Eu não sei acender um fósforo contra o vento. Raptar o fogo nas duas mãos. Maravilha-me que os operários o façam tão admiravelmente.» Agradece-se o catálogo, fica o apelo: não lhe roubem o fogo.

ANTÓNIO CABRITA

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