«Avante!» Nº 1268

04-05-1999
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Editorial

Isto anda tudo ligado

S ucedem-se as demissões no Governo e nas suas proximidades. Muita coisa há-de estar mal no plantel do engenheiro António Guterres. Na semana que passou o ciclone demissionário fez sentir a sua presença em múltiplas áreas: demissões na Força Aérea, na EDP, na fiscalização veterinária, na direcção da Rádio Televisão Portuguesa, no Governo e tudo indica que a procissão ainda agora vai no adro. O conteúdo e o tom da intervenção do Presidente da Câmara de Guimarães, comentando a eventualidade da aprovação da formação do concelho de Vizela é revelador de um certo ambiente, de um certo estado de espírito: "O meu partido está surdo, está mudo, está quedo; o meu partido está tonto, tonto, tonto ". É certo que, como que adivinhando este discurso, António Guterres, na qualidade de Secretário Geral do PS, respondera-lhe previamente. Á sua maneira: "Há divergências salutares sobre essa matéria que não devem ser dramatizadas, pois correspondem à normal convivência em sociedade" – e assim, não dizendo nada, disse tudo, pelo que mais não sentiu necessidade de dizer. De qualquer maneira, surdos, mudos, quedos, tontos: eis a normal convivência em sociedade.

Q uanto ao Governo diz-nos o "Expresso" que "da lista de 57 nomes do primeiro Governo chefiado por Guterres, só restam 42 no elenco actual. E, desses, 16 trocaram de pasta ou de lugar pelo que apenas 10 ministros e 16 Secretários de Estado persistem em exercer os cargos para que foram convidados, quando o PS ganhou as eleições e acedeu ao poder". A mais recente demissão do Governo (pelo menos até ao momento em que escrevo este texto ) foi protagonizada pela Secretária de Estado do Orçamento, Manuela Arcanjo. Foi uma demissão de estalo na medida em que resultou de um sério conflito entre a Secretária de Estado e o Ministro Sousa Franco – e, aspecto importante, Manuela Arcanjo faz questão de sublinhar que as suas divergências são com Sousa Franco e não com o Governo Mais: "Tal como no primeiro dia em que entrei nesta gabinete, vou estar sempre solidária com o meu primeiro ministro e com o Governo" – garante a ex- secretária de Estado do Orçamento. E a esta garantia solene acrescenta uma subtil e curiosíssima auto-avaliação ao trabalho desenvolvido no exercício daquele cargo: "Não vou ao ponto de ter a falsa modéstia de dizer que saiu um mero secretário de Estado" Além de que, o Primeiro Ministro António Guterres reafirmou o seu apoio ao Ministro das Finanças – coisa que não é de somenos importância e surge carregada do significado que habitualmente têm as solenes declarações públicas de apoio Além de que, ainda e finalmente, Manuela Arcanjo sai do Governo pela porta alta, isto é, no meio de um coro de elogios ao seu trabalho por parte de todo o elenco governativo – com excepção, naturalmente, do Ministro das Finanças, Sousa Franco, o qual sobre o assunto se limitou a dizer: "Não comento, nem nunca comentarei essa demissão"

Repito: muita coisa há-de estar mal no seio do estado rosa. E repito: tudo indica que a procissão ainda agora vai no adro.

H á quem tenha chamado a atenção para a similitude – no estilo, no conteúdo e nas consequências – desta situação com outras anteriormente vividas em governos do PSD – inclusive a partir, até, da consideração de que Manuel Arcanjo está para António Guterres, como Leonor Beleza estava para Cavaco Silva.

Seja como for, é óbvio que isto anda tudo ligado. A confirmá-lo, ouçamos o que se segue:

"Os governos do professor Cavaco e do PS nas suas orientações económicas são iguais"; "Estou à esquerda deste Governo"; "Um dos meus maiores gozos é ver no poder, em nome da esquerda, os tipos que nos anos 70 falavam contra os Champallimaud, os Espíritos Santos e os Mellos e que agora lhes deram todos os sectores estratégicos do Estado". Estas declarações são de Alberto João Jardim, Presidente do Governo Regional da Madeira e constam de uma entrevista por ele dada ao "Público" de 17 de Março. Interessantes declarações estas, por razões várias entre as quais a de confirmarem que não há nada como o tempo para clarificar situações e testar a validade do que em cada momento se diz e (ou) se faz.

S enão vejamos: há poucos anos, quando alguns então membros do PCP tentaram apossar-se do Partido e transformá-lo numa qualquer "coisa" invertebrada, denunciámos com rigor os seus objectivos e vaticinámos os caminhos político-partidários que inevitavelmente iriam trilhar. Fomos então acusados de "crimes" terríveis e da Direcção do Partido foi amplamente difundida uma imagem sinistra: a de um grupo de cruéis algozes que não olhava a meios para cilindrar as suas cândidas e inocentes vítimas. Hoje, olhando para o mapa político-partidário facilmente detectamos a presença de vários desses ex-membros do PCP: estão nos lugares que escolheram e pelos quais se bateram com todas as suas forças e proporcionam a Alberto João Jardim um dos seus "maiores gozos". Estão lá "Em nome da esquerda" – diz Jardim. Utilizando abusivamente o nome da esquerda - rectifico eu.

Há poucos meses, quando em documentos ou intervenções de dirigentes do PCP se dizia que a política levada a cabo pelo Governo do PS era, no essencial, igual à que o PSD praticara durante uma década, logo os comentadores de serviço, estrategicamente localizados, disparavam as habituais rajadas de irónica observações que culminavam sempre na repetida alusão à "cassete do PCP". Hoje, toda a gente concorda com essa opinião do PCP e a subscreve. E muitos são os que a expressam publicamente com a naturalidade própria de quem, sobre a matéria, nunca pensou coisa diferente. É claro que nenhum desses comentadores teve, nem terá, a frontalidade de reconhecer que, afinal, o PCP tinha razão

Também Alberto João Jardim acha que os Governos PSD e PS são iguais. E referindo-se concretamente ao Governo de Guterres, Jardim afirma situar-se à sua esquerda. Sabe-se lá Em todo o caso, e ainda que assim fosse, tal coisa não constituiria feito digno de nota: é que, na verdade, não é preciso quase nada para que qualquer Jardim se situe à esquerda deste Governo.

«Avante!» Nº 1268 - 19.Março.98

Editorial

Isto anda tudo ligado

S ucedem-se as demissões no Governo e nas suas proximidades. Muita coisa há-de estar mal no plantel do engenheiro António Guterres. Na semana que passou o ciclone demissionário fez sentir a sua presença em múltiplas áreas: demissões na Força Aérea, na EDP, na fiscalização veterinária, na direcção da Rádio Televisão Portuguesa, no Governo e tudo indica que a procissão ainda agora vai no adro. O conteúdo e o tom da intervenção do Presidente da Câmara de Guimarães, comentando a eventualidade da aprovação da formação do concelho de Vizela é revelador de um certo ambiente, de um certo estado de espírito: "O meu partido está surdo, está mudo, está quedo; o meu partido está tonto, tonto, tonto ". É certo que, como que adivinhando este discurso, António Guterres, na qualidade de Secretário Geral do PS, respondera-lhe previamente. Á sua maneira: "Há divergências salutares sobre essa matéria que não devem ser dramatizadas, pois correspondem à normal convivência em sociedade" – e assim, não dizendo nada, disse tudo, pelo que mais não sentiu necessidade de dizer. De qualquer maneira, surdos, mudos, quedos, tontos: eis a normal convivência em sociedade.

Q uanto ao Governo diz-nos o "Expresso" que "da lista de 57 nomes do primeiro Governo chefiado por Guterres, só restam 42 no elenco actual. E, desses, 16 trocaram de pasta ou de lugar pelo que apenas 10 ministros e 16 Secretários de Estado persistem em exercer os cargos para que foram convidados, quando o PS ganhou as eleições e acedeu ao poder". A mais recente demissão do Governo (pelo menos até ao momento em que escrevo este texto ) foi protagonizada pela Secretária de Estado do Orçamento, Manuela Arcanjo. Foi uma demissão de estalo na medida em que resultou de um sério conflito entre a Secretária de Estado e o Ministro Sousa Franco – e, aspecto importante, Manuela Arcanjo faz questão de sublinhar que as suas divergências são com Sousa Franco e não com o Governo Mais: "Tal como no primeiro dia em que entrei nesta gabinete, vou estar sempre solidária com o meu primeiro ministro e com o Governo" – garante a ex- secretária de Estado do Orçamento. E a esta garantia solene acrescenta uma subtil e curiosíssima auto-avaliação ao trabalho desenvolvido no exercício daquele cargo: "Não vou ao ponto de ter a falsa modéstia de dizer que saiu um mero secretário de Estado" Além de que, o Primeiro Ministro António Guterres reafirmou o seu apoio ao Ministro das Finanças – coisa que não é de somenos importância e surge carregada do significado que habitualmente têm as solenes declarações públicas de apoio Além de que, ainda e finalmente, Manuela Arcanjo sai do Governo pela porta alta, isto é, no meio de um coro de elogios ao seu trabalho por parte de todo o elenco governativo – com excepção, naturalmente, do Ministro das Finanças, Sousa Franco, o qual sobre o assunto se limitou a dizer: "Não comento, nem nunca comentarei essa demissão"

Repito: muita coisa há-de estar mal no seio do estado rosa. E repito: tudo indica que a procissão ainda agora vai no adro.

H á quem tenha chamado a atenção para a similitude – no estilo, no conteúdo e nas consequências – desta situação com outras anteriormente vividas em governos do PSD – inclusive a partir, até, da consideração de que Manuel Arcanjo está para António Guterres, como Leonor Beleza estava para Cavaco Silva.

Seja como for, é óbvio que isto anda tudo ligado. A confirmá-lo, ouçamos o que se segue:

"Os governos do professor Cavaco e do PS nas suas orientações económicas são iguais"; "Estou à esquerda deste Governo"; "Um dos meus maiores gozos é ver no poder, em nome da esquerda, os tipos que nos anos 70 falavam contra os Champallimaud, os Espíritos Santos e os Mellos e que agora lhes deram todos os sectores estratégicos do Estado". Estas declarações são de Alberto João Jardim, Presidente do Governo Regional da Madeira e constam de uma entrevista por ele dada ao "Público" de 17 de Março. Interessantes declarações estas, por razões várias entre as quais a de confirmarem que não há nada como o tempo para clarificar situações e testar a validade do que em cada momento se diz e (ou) se faz.

S enão vejamos: há poucos anos, quando alguns então membros do PCP tentaram apossar-se do Partido e transformá-lo numa qualquer "coisa" invertebrada, denunciámos com rigor os seus objectivos e vaticinámos os caminhos político-partidários que inevitavelmente iriam trilhar. Fomos então acusados de "crimes" terríveis e da Direcção do Partido foi amplamente difundida uma imagem sinistra: a de um grupo de cruéis algozes que não olhava a meios para cilindrar as suas cândidas e inocentes vítimas. Hoje, olhando para o mapa político-partidário facilmente detectamos a presença de vários desses ex-membros do PCP: estão nos lugares que escolheram e pelos quais se bateram com todas as suas forças e proporcionam a Alberto João Jardim um dos seus "maiores gozos". Estão lá "Em nome da esquerda" – diz Jardim. Utilizando abusivamente o nome da esquerda - rectifico eu.

Há poucos meses, quando em documentos ou intervenções de dirigentes do PCP se dizia que a política levada a cabo pelo Governo do PS era, no essencial, igual à que o PSD praticara durante uma década, logo os comentadores de serviço, estrategicamente localizados, disparavam as habituais rajadas de irónica observações que culminavam sempre na repetida alusão à "cassete do PCP". Hoje, toda a gente concorda com essa opinião do PCP e a subscreve. E muitos são os que a expressam publicamente com a naturalidade própria de quem, sobre a matéria, nunca pensou coisa diferente. É claro que nenhum desses comentadores teve, nem terá, a frontalidade de reconhecer que, afinal, o PCP tinha razão

Também Alberto João Jardim acha que os Governos PSD e PS são iguais. E referindo-se concretamente ao Governo de Guterres, Jardim afirma situar-se à sua esquerda. Sabe-se lá Em todo o caso, e ainda que assim fosse, tal coisa não constituiria feito digno de nota: é que, na verdade, não é preciso quase nada para que qualquer Jardim se situe à esquerda deste Governo.

«Avante!» Nº 1268 - 19.Março.98

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