JORNAL PUBLICO: A praga da formiga branca

10-10-1999
marcar artigo

31/07/95

Guterres ataca Cavaco e o PSD no comício-festa da Ribeira

A praga da formiga branca

Foi uma noite socialista em cheio na Praça da Ribeira. De militantes, turistas e... fábulas. No contra-ataque à ofensiva de Cavaco, Guterres comparou o PSD à formiga branca que "destrói tudo à sua volta enquanto ela própria engorda". Gomes não lhe ficou atrás. Recorreu à fábula para lembrar a cantoria da cigarra social-democrata em relação ao Plano Hidrológico Espanhol. E acusou Cavaco de ser um "primeiro-ministro fracassado". Nogueira foi quase ignorado.

"Morte à formiga branca." António Guterres não terá ouvido a sentença do esforçado militante socialista que procurava a todo o custo vencer a barreira da multidão que se apinhou junto à saída do palco, mal acabara o comício-festa da noite de anteontem na Ribeira, já passava da meia-noite. Nem a resposta pronta de um popular portuense: "Bota-lhe Dum Dum!" A ter ouvido, o líder socialista teria um sinal de que o seu discurso, no fim da apresentação dos candidatos pelo circulo do Porto, tinha sido eficaz. A medonha formiga branca com que o líder socialista acabara de caracterizar o PSD andava de boca em boca, entre ironias e votos de extermínio radical.

Ao parafrasear a fábula da cigarra e da formiga, Guterres mais não fazia do que devolver a metáfora ultimamente tão em voga entre sociais-democratas (primeiro com Lucas Pires, depois com o próprio Cavaco) para o campo adversário. Um dia depois de Cavaco ter colocado Guterres na mira de todos os ataques, esperava-se para a festa da Ribeira o contra-ataque de Guterres, tanto mais que dispunha de artilharia pesada. Fernando Gomes, que encabeça a lista do Porto, foi o único candidato a intervir (Narciso Miranda, ausente no estrangeiro, enviou uma mensagem que foi lida por Isabel Pedroto) antes de Guterres entrar em cena, ao som da música de Vangelis e do estrépito de fogo-de-artifíco lançado por trás do palco.

A necessidade de "responder em cima das declarações de Cavaco", tendo em vista os noticiários televisivos, levou o líder socialista a reagir à ofensiva social-democrata na festa da JS, em São Martinho do Porto. Temeu-se que o comício da Ribeira ficasse "esvaziado", a avaliar até pelas poucas dezenas de pessoas que, ao princípio da noite, ouviam os rimos latino-americanos do Trio Boreal e o rock da pesada dos Tarântula, os dois grupos que aqueceram as hostes antes das intervenções políticas.

Mas a praça compôs-se, turistas e militantes confundiam-se nas esplanadas, e as janelas do casario ribeirinho abriam-se para pendurar bandeiras do PS a par com a bandeira nacional. Quer Gomes quer Guterres endureceram o discurso, respondendo taco-a-taco a Cavaco - "um primeiro-ministro que ainda é, mas não quer ser" -, denunciando a "falência" de dez anos de governo do PSD e relegando Fernando Nogueira para a categoria de "uma sombra efémera que nunca lá vai chegar para felicidade dos portugueses".

"Um burocrata cinzento"

"Chocante." Era o primeiro tiro de Guterres contra Cavaco e Nogueira: "Vivem a dizer mal de mim próprio e do PS" e não são capazes de "ter uma ideia, uma palavra de esperança, uma proposta, nem assumem a responsabilidade do que fizeram nos últimos dez anos". Foi uma fugaz alusão ao actual líder do PSD, que António Guterres não repetiu, preferindo despejar todas as munições sobre Cavaco, "um burocrata cinzento há 12 anos no Governo que não deixa marca para lembrar no futuro, a não ser a incapacidade de assumir as suas responsabilidades". Isto para devolver a acusação lançada pelo primeiro-ministro de que Guterres não seria alternativa credível porque não tem experiência governativa.

"Há uma experiência que me orgulho de não ter. Que é a do clientelismo e do abuso de poder que caracteriza o actual Governo, que fez de Portugal um país sem futuro, ao serviço do PSD. Dessa estamos fartos", clamou o líder socialista, arrancando o aplauso da multidão e vibrantes vivas ao PS. E à alegada ameaça de que um governo socialista representaria um salto no escuro, Guterres responde com a promessa de uma "aventura admirável", que acabe "com os aventureiros que arruinaram a economia e retiraram humanismo à nossa sociedade", que acabe, enfim, com "a formiga branca do PSD, que ao longo de sucessivos governos foi destruindo a agricultura, a indústria e as pescas".

Não menos contundente foi Fernando Gomes. Empunhando a bandeira regionalista, acusou o Governo de "discriminar negativamente" o Norte nos investimentos e na distribuição de fundos comunitários, evocou as declarações do primeiro-ministro, em Serralves, contra os velhos do Restelo para lhe retirar autoridade moral - "é um homem inculto que nem sabe quantos são os cantos dos Lusíadas" - e rejeitar as "migalhas" atiradas por debaixo da mesa do Orçamento pelo Terreiro do Paço. "Não somos cegos, nem surdos. Não aceitamos ser enganados", garantiu.

Gomes também não resistiu à onda das fábulas. Referindo-se ao Plano Hidrológico Espanhol, comparou o PSD à cigarra que cantava e dizia "nada se passar" enquanto a formiguinha espanhola fazia túneis, construía canais e projectava desvios da água do Douro. E inovou mesmo com uma história de animais, comparando Cavaco a um chefe coelho que, aflito com a época da caça que abria em Outubro, deu a estratégia mas não assumiu a responsabilidade de, como propôs, transformar, os coelhos em árvores de modo a fugirem à razia dos caçadores. Para concluir que "não vivemos num país de sonho como pensa esse fracassado primeiro-ministro".

Filomena Fontes

31/07/95

Guterres ataca Cavaco e o PSD no comício-festa da Ribeira

A praga da formiga branca

Foi uma noite socialista em cheio na Praça da Ribeira. De militantes, turistas e... fábulas. No contra-ataque à ofensiva de Cavaco, Guterres comparou o PSD à formiga branca que "destrói tudo à sua volta enquanto ela própria engorda". Gomes não lhe ficou atrás. Recorreu à fábula para lembrar a cantoria da cigarra social-democrata em relação ao Plano Hidrológico Espanhol. E acusou Cavaco de ser um "primeiro-ministro fracassado". Nogueira foi quase ignorado.

"Morte à formiga branca." António Guterres não terá ouvido a sentença do esforçado militante socialista que procurava a todo o custo vencer a barreira da multidão que se apinhou junto à saída do palco, mal acabara o comício-festa da noite de anteontem na Ribeira, já passava da meia-noite. Nem a resposta pronta de um popular portuense: "Bota-lhe Dum Dum!" A ter ouvido, o líder socialista teria um sinal de que o seu discurso, no fim da apresentação dos candidatos pelo circulo do Porto, tinha sido eficaz. A medonha formiga branca com que o líder socialista acabara de caracterizar o PSD andava de boca em boca, entre ironias e votos de extermínio radical.

Ao parafrasear a fábula da cigarra e da formiga, Guterres mais não fazia do que devolver a metáfora ultimamente tão em voga entre sociais-democratas (primeiro com Lucas Pires, depois com o próprio Cavaco) para o campo adversário. Um dia depois de Cavaco ter colocado Guterres na mira de todos os ataques, esperava-se para a festa da Ribeira o contra-ataque de Guterres, tanto mais que dispunha de artilharia pesada. Fernando Gomes, que encabeça a lista do Porto, foi o único candidato a intervir (Narciso Miranda, ausente no estrangeiro, enviou uma mensagem que foi lida por Isabel Pedroto) antes de Guterres entrar em cena, ao som da música de Vangelis e do estrépito de fogo-de-artifíco lançado por trás do palco.

A necessidade de "responder em cima das declarações de Cavaco", tendo em vista os noticiários televisivos, levou o líder socialista a reagir à ofensiva social-democrata na festa da JS, em São Martinho do Porto. Temeu-se que o comício da Ribeira ficasse "esvaziado", a avaliar até pelas poucas dezenas de pessoas que, ao princípio da noite, ouviam os rimos latino-americanos do Trio Boreal e o rock da pesada dos Tarântula, os dois grupos que aqueceram as hostes antes das intervenções políticas.

Mas a praça compôs-se, turistas e militantes confundiam-se nas esplanadas, e as janelas do casario ribeirinho abriam-se para pendurar bandeiras do PS a par com a bandeira nacional. Quer Gomes quer Guterres endureceram o discurso, respondendo taco-a-taco a Cavaco - "um primeiro-ministro que ainda é, mas não quer ser" -, denunciando a "falência" de dez anos de governo do PSD e relegando Fernando Nogueira para a categoria de "uma sombra efémera que nunca lá vai chegar para felicidade dos portugueses".

"Um burocrata cinzento"

"Chocante." Era o primeiro tiro de Guterres contra Cavaco e Nogueira: "Vivem a dizer mal de mim próprio e do PS" e não são capazes de "ter uma ideia, uma palavra de esperança, uma proposta, nem assumem a responsabilidade do que fizeram nos últimos dez anos". Foi uma fugaz alusão ao actual líder do PSD, que António Guterres não repetiu, preferindo despejar todas as munições sobre Cavaco, "um burocrata cinzento há 12 anos no Governo que não deixa marca para lembrar no futuro, a não ser a incapacidade de assumir as suas responsabilidades". Isto para devolver a acusação lançada pelo primeiro-ministro de que Guterres não seria alternativa credível porque não tem experiência governativa.

"Há uma experiência que me orgulho de não ter. Que é a do clientelismo e do abuso de poder que caracteriza o actual Governo, que fez de Portugal um país sem futuro, ao serviço do PSD. Dessa estamos fartos", clamou o líder socialista, arrancando o aplauso da multidão e vibrantes vivas ao PS. E à alegada ameaça de que um governo socialista representaria um salto no escuro, Guterres responde com a promessa de uma "aventura admirável", que acabe "com os aventureiros que arruinaram a economia e retiraram humanismo à nossa sociedade", que acabe, enfim, com "a formiga branca do PSD, que ao longo de sucessivos governos foi destruindo a agricultura, a indústria e as pescas".

Não menos contundente foi Fernando Gomes. Empunhando a bandeira regionalista, acusou o Governo de "discriminar negativamente" o Norte nos investimentos e na distribuição de fundos comunitários, evocou as declarações do primeiro-ministro, em Serralves, contra os velhos do Restelo para lhe retirar autoridade moral - "é um homem inculto que nem sabe quantos são os cantos dos Lusíadas" - e rejeitar as "migalhas" atiradas por debaixo da mesa do Orçamento pelo Terreiro do Paço. "Não somos cegos, nem surdos. Não aceitamos ser enganados", garantiu.

Gomes também não resistiu à onda das fábulas. Referindo-se ao Plano Hidrológico Espanhol, comparou o PSD à cigarra que cantava e dizia "nada se passar" enquanto a formiguinha espanhola fazia túneis, construía canais e projectava desvios da água do Douro. E inovou mesmo com uma história de animais, comparando Cavaco a um chefe coelho que, aflito com a época da caça que abria em Outubro, deu a estratégia mas não assumiu a responsabilidade de, como propôs, transformar, os coelhos em árvores de modo a fugirem à razia dos caçadores. Para concluir que "não vivemos num país de sonho como pensa esse fracassado primeiro-ministro".

Filomena Fontes

marcar artigo