«António Guterres escolheu os melhores»

10-01-1998
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Fiel ao primeiro-ministro, o novo ministro-adjunto é feroz com os que atacaram o líder: «O Grupo Parlamentar não tinha que ser ouvido sobre a remodelação. Era o que faltava, se os ministros fossem escolhidos em plenário». Sem modéstias, diz mesmo que o Guterres «escolheu os melhores». Sobre a droga - que passou a tutelar - deixa um aviso à JS: «Neste momento, a liberalização não é para discutir».

EXPRESSO - Aparentemente, não lhe custou deixar o Ambiente, que dizia ser a sua «menina dos olhos»...

JOSÉ SÓCRATES - Deixa-se sempre um sector com alguma mágoa. Mas sempre encarei o Ambiente como uma questão eminentemente política e não técnica. E um político, para se comportar como um oficial deste ofício, tem que estar sempre preparado para mudar de área. Fiquei muito honrado com o convite do primeiro-ministro para estas funções que, apesar de tudo, são de ministro-adjunto, o que quer dizer que colaborarei nas tarefas de coordenação da acção política do Governo de forma genérica, além de tutelar algumas áreas.

EXP. - Aceitaria ser ministro do Ambiente?

J.S. - Se tivesse sido convidado, certamente teria aceite. Mas isso não estava em causa. A ministra do Ambiente está a fazer bem o que lhe compete.

EXP. - Porque é que lhe retirou a pasta da defesa do consumidor?

J.S. - Demos um estatuto, um prestígio e uma dimensão à política de defesa do consumidor, que exige uma coordenação interministerial. Colocá-la ao nível da Presidência do Conselho é uma boa solução para que essa política seja levada mais a sério. A senhora ministra esteve completamente de acordo com tudo.

EXP. - É uma política com um grande potencial de popularidade?

J.S. - Tem popularidade agora. Como dizia Kipling, sucesso e insucesso são eternos impostores. Devíamos ler este poema uma vez por dia. Glória hoje, desgraça amanhã.

EXP. - Não terá sido pela desgraça que foi escolhido para gerir uma série de pastas propícias à propaganda...

J.S. - A política não se faz com propaganda. Tem-se sucesso em política quando se tem unhas para tocar viola.

EXP. - Deve ter sido o que faltou a Maria João Rodrigues, que saiu do Emprego quando o desemprego está a baixar.

J.S. - É sempre difícil falar de uma remodelação quando se é parte, mas julgo que, em primeiro lugar, está sempre presente o juízo do mérito político. Estou convencido que esta remodelação permite dar maior dinâmica ao Governo e resolver alguns casos em que, não estando em causa o mérito individual, o resultado político era essencial. Se o resultado político fosse muito positivo certamente que não se mexia.

EXP. - O PS é que não aceitou nada bem esta remodelação.

J.S. - Se alguém no Grupo Parlamentar opinou que uma remodelação devia ser precedida de uma consulta num órgão alargado, estou em desacordo. Acho muito bem que uma remodelação seja decidida por um juízo pessoal do primeiro-ministro.

EXP. - O Grupo Parlamentar não tinha que ser ouvido?

J.S. - Não. O primeiro-ministro falou com quem tinha que falar. Estou cada vez mais convencido, no ponto em que me encontro - não pensava assim há uns anos -, que as questões da autoridade e da liderança na actividade política são fundamentais. Era o que faltava os ministros serem escolhidos e as remodelações serem feitas em plenário. Isso conduziria a resultados catastróficos e quem defende esse pensamento revela imaturidade.

EXP. - Mas criticou muito os Governos de Cavaco Silva pela defesa da autoridade.

J.S. - Há muito conhecimento que decorre da experiência. A experiência política é decisiva e foi ela que me ensinou que as questões da liderança e da autoridade são fundamentais para conduzir a um bom exercício da actividade política. Se percebermos isso dentro do PS mostraremos que somos um partido maduro e pronto para assumir o poder.

EXP. - Mas estão sempre a ouvir-se queixas por o Governo virar as costas ao partido.

J.S. - Eu próprio me penalizo, mas vejo isto com alguma normalidade. Repare, todos nós - esta nova geração que chegou ao poder com o PS - passámos dez anos na oposição. Julgo que houve uma grande necessidade de nos concentrarmos na actividade governativa. Não só era uma novidade como havia um grande desafio de mostrarmos que éramos capazes. Isso conduziu muitos de nós a relegar para um nível secundário a actividade partidária. Mas não vejo nisso nada de especial. Como dizem os empresários: «business as usual».

EXP. - Foi essa «nova geração» do PS que ganhou esta remodelação, contra o espírito dos Estados Gerais.

J.S. - Não acho que os Estados Gerais tenham sido afastados. Pelo contrário. Os Estados Gerais representaram uma opção política do PS de consideração do mérito político sem sectarismos, isto é, que o PS iria escolher aqueles que considerasse os melhores, independentemente de serem do partido ou não.

EXP. - Nesta remodelação foram escolhidos os melhores?

J.S. - É muito embaraçante estar a pronunciar-me sobre isto. Mas acho que houve uma avaliação de mérito do próprio primeiro-ministro sobre o desempenho das pessoas. Desculpem, mas, para ser sincero, tenho que acrescentar, modéstia à parte, que se escolheram os melhores. Eu escolheria os melhores e tenho a certeza que o senhor primeiro-ministro fez o mesmo, sem olhar a que sector, a que família, independente ou não.

EXP. - Veiga Simão era o melhor ministro da Defesa?

J.S. - Com certeza.

EXP. - Não foi a primeira escolha do primeiro-ministro.

J.S. - Não tenho conhecimento.

EXP. - E o Ambiente, está bem entregue?

J.S. - O Ambiente está muito bem entregue, quer politicamente quer porque o Ministério tem grandes profissionais.

EXP. - E tem uma grande ministra?

J.S. - Tem uma excelentíssima direcção política, aliás reforçada por quem me substituiu, o professor Guerreiro.

EXP. - Voltando ao mal-estar no PS. Embora a sua tendência seja para desvalorizá-lo, como é que vê os avisos do PS/Porto para depois das autárquicas?

J.S. - A tarefa do partido é de vigilância da acção do Governo e se for no sentido de uma tensão reformista, isso é bem vindo. Agora, acho mal e de todo criticável que o partido se movimente por lugares.

EXP. - Grande parte do mal-estar que se sente no PS tem que ver com o rumo que está a levar o processo de regionalização. Está confiante no cumprimento dessa promessa eleitoral?

J.S. - Estou muito confiante. Sou um regionalista convicto. É uma reforma essencial e um dos elementos mais poderosos da descentralização política. Estou convencido de que este é um Governo regionalista.

EXP. - Não duvida das convicções do primeiro-ministro nesta matéria?

J.S. - O engenheiro Guterres tem vinte anos de actividade política no distrito de Castelo Branco em que se bateu pela regionalização. É uma reforma em que António Guterres acredita, com uma convicção profunda.

EXP. - Se essa reforma não for feita até ao fim da legislatura, dirá, como Jorge Coelho, que abandona a política?

J.S. - O dever de um político não é ganhar os combates, é travá-los. Estou aqui para lutar pela regionalização, sou tão regionalista como qualquer pessoa do Porto do PS e tenho a certeza que os meus camaradas do Porto percebem que o combate essencial pela regionalização deve ser feito na opinião pública para vencermos o referendo. É preciso não perdermos o norte: é preciso explicar com clareza aos portugueses que quem não quer a regionalização é o PSD.

EXP. - Mas também há no PS quem desconfie das reais intenções do Governo. Já se ouviu Jorge Lacão dizer que esta reforma foi para o lixo...

J.S. - Se alguém disse isso, disse mal. É uma grande injustiça.

EXP. - Com os atrasos no recenseamento, parece cada vez mais difícil que o PS cumpra o seu próprio calendário.

J.S. - Não domino com total exactidão os calendários. Mas o que não se pode ter é as duas coisas: o mesmo calendário e esta reforma em condições acima de qualquer suspeita.

EXP. - E se as condições para o referendo só estiverem reunidas em ano de legislativas, acha que essa proximidade não poderá ser argumento para voltar a adiar?

J.S. - O principal dever deste Governo é bater-se por aquilo com que se comprometeu. Não é ter um pensamento de oportunidade eleitoral.

EXP. - Mas o PS pode, à custa dos atrasos processuais, chegar à conclusão, em 99, de que já não é possível fazer o referendo. Há quem preveja isto no PSD.

J.S. - Isso é de uma grande perfídia. Não fica bem o seguinte raciocínio: primeiro meter pauzinhos na engrenagem e depois vir dizer que os outros é que os andam a meter. Não abona à dimensão intelectual do professor Marcelo Rebelo de Sousa. Essa tendência para o tacticismo prejudica sempre as lideranças.

EXP. - Não é por cedência ao tacticismo que o Governo se deixou envolver na querela autárquica?

J.S. - É muito empobrecedora a tese do líder do PSD segundo a qual um membro do Governo não devia ter a liberdade de participar na campanha.

EXP. - Foi o PS que prometeu um estilo diferente do cavaquismo.

J.S. - Isso é diferente. Um dirigente do PS, mesmo que seja membro do Governo, tem obrigação de participar na campanha. O que não deve é confundir esse seu exercício do cargo político com a actividade de campanha. O PS está a dar um grande contributo para uma nova ética política na relação do Governo com as autárquicas. Esta é a campanha mais limpa.

EXP. - Não terminaram as inaugurações...

J.S. - Ninguém pagou a empreiteiros para acabar mais rapidamente as obras e no passado foi um festival. E ninguém requisita helicópteros! Ontem fui a Faro e lá fiz o «check-in». Acabou o festival.

EXP. - Mas não acabou o reforço das pensões em vésperas de Natal. Foi sempre assim no cavaquismo. Este ano, o Governo aumentou as pensões aos deficientes.

J.S. - Por amor de Deus. Isso foi anunciado com muita parcimónia. Também não acho bem que se passe o Dia do Deficiente sem fazer nada. O radicalismo dos ataques do PSD nesta campanha eleitoral é um erro que o vai deixar a falar sozinho.

EXP. - Estão criadas as condições para o PS pedir a maioria absoluta?

J.S. - O PS funciona hoje como a única força política estável. Estamos em condições de pedir confiança ao povo português.

EXP. - Poderão chegar ao ponto de dizer que sem maioria absoluta não governam?

J.S. - Não. O PS nunca fará esse discurso. Devemos fazer aquilo que o povo nos manda fazer. Devemos é pedir confiança ao eleitorado.

EXP. - Das pastas sectoriais que ficaram sob a sua alçada - Juventude, Toxicodependência, Desporto e Consumidor -, qual é a que o mobiliza mais?

J.S. - O desafio mais aliciante é a toxicodependência.

EXP. - O seu antecessor, Jorge Coelho, disse que o Governo já tinha cumprido praticamente o programa nesta área e não havia melhoras.

J.S. - Não. Muita coisa melhorou nestes dois anos, principalmente no que toca ao tratamento dos toxicodependentes. Isto não significa que não se reconheça que o problema se tem agravado, que tem tendência para se agravar, e que as respostas tradicionais têm sido insuficientes.

EXP. - O que é que pensa mudar? O Projecto Vida?

J.S. - Vai haver uma profunda reestruturação. Na droga a única opção política que não está disponível é ficar tudo como está. Temos que actuar com prudência. Mas temos que ousar mais, temos que experimentar algumas coisas novas.

EXP. - Incluindo a liberalização?

J.S. - Não. Afastemos isso. A liberalização não é uma opção política que esteja a ser considerada pelo Governo nem é uma opção política que esteja em cima da mesa. O não quer dizer que a sociedade não discuta a questão e que daqui a 50 anos não venha a reclamá-la. Mas o discurso político do Governo tem que ser consequente e agora isso não é para discutir.

EXP. - Feytor Pinto demitiu-se do Projecto Vida alegando, entre outras razões, a intenção de deixar o Governo livre para liberalizar...

J.S. - É bom esclarecer que nunca Feytor Pinto falou nisso ao Governo nem nunca o Governo falou nisso a Feytor Pinto. Isso não está sobre a mesa.

EXP. - A JS não pensa o mesmo.

J.S. - A liberalização da droga não consta do programa do Governo. Acho bem que se desenvolva esse debate - há duas personalidades da vida política que o lançaram, o Presidente da Assembleia da República e o Presidente da República -, mas para nós o essencial é combater a doença. Não é prendê-los, como propõe Manuel Monteiro.

EXP. - Mas a lei continua a prever a prisão para o consumidor.

J.S. - É no grande tráfico que temos de ser mais eficazes, defender a repressão à bruta. No consumo, temos que experimentar um quadro jurídico porventura inovador.

EXP. - Ou seja...

J.S. - Não estou a dizer mais do que isso. Está em aberto.

EXP. - Quem vai substituir Feytor Pinto no Projecto Vida?

J.S. - O sector vai sofrer uma muito profunda e extensa reestruturação.

EXP. - E o que é que se pode saber sobre isso?

J.S. - Quando não se quer responder, também é uma resposta.

ÂNGELA SILVA e MÁRIO RAMIRES

Fiel ao primeiro-ministro, o novo ministro-adjunto é feroz com os que atacaram o líder: «O Grupo Parlamentar não tinha que ser ouvido sobre a remodelação. Era o que faltava, se os ministros fossem escolhidos em plenário». Sem modéstias, diz mesmo que o Guterres «escolheu os melhores». Sobre a droga - que passou a tutelar - deixa um aviso à JS: «Neste momento, a liberalização não é para discutir».

EXPRESSO - Aparentemente, não lhe custou deixar o Ambiente, que dizia ser a sua «menina dos olhos»...

JOSÉ SÓCRATES - Deixa-se sempre um sector com alguma mágoa. Mas sempre encarei o Ambiente como uma questão eminentemente política e não técnica. E um político, para se comportar como um oficial deste ofício, tem que estar sempre preparado para mudar de área. Fiquei muito honrado com o convite do primeiro-ministro para estas funções que, apesar de tudo, são de ministro-adjunto, o que quer dizer que colaborarei nas tarefas de coordenação da acção política do Governo de forma genérica, além de tutelar algumas áreas.

EXP. - Aceitaria ser ministro do Ambiente?

J.S. - Se tivesse sido convidado, certamente teria aceite. Mas isso não estava em causa. A ministra do Ambiente está a fazer bem o que lhe compete.

EXP. - Porque é que lhe retirou a pasta da defesa do consumidor?

J.S. - Demos um estatuto, um prestígio e uma dimensão à política de defesa do consumidor, que exige uma coordenação interministerial. Colocá-la ao nível da Presidência do Conselho é uma boa solução para que essa política seja levada mais a sério. A senhora ministra esteve completamente de acordo com tudo.

EXP. - É uma política com um grande potencial de popularidade?

J.S. - Tem popularidade agora. Como dizia Kipling, sucesso e insucesso são eternos impostores. Devíamos ler este poema uma vez por dia. Glória hoje, desgraça amanhã.

EXP. - Não terá sido pela desgraça que foi escolhido para gerir uma série de pastas propícias à propaganda...

J.S. - A política não se faz com propaganda. Tem-se sucesso em política quando se tem unhas para tocar viola.

EXP. - Deve ter sido o que faltou a Maria João Rodrigues, que saiu do Emprego quando o desemprego está a baixar.

J.S. - É sempre difícil falar de uma remodelação quando se é parte, mas julgo que, em primeiro lugar, está sempre presente o juízo do mérito político. Estou convencido que esta remodelação permite dar maior dinâmica ao Governo e resolver alguns casos em que, não estando em causa o mérito individual, o resultado político era essencial. Se o resultado político fosse muito positivo certamente que não se mexia.

EXP. - O PS é que não aceitou nada bem esta remodelação.

J.S. - Se alguém no Grupo Parlamentar opinou que uma remodelação devia ser precedida de uma consulta num órgão alargado, estou em desacordo. Acho muito bem que uma remodelação seja decidida por um juízo pessoal do primeiro-ministro.

EXP. - O Grupo Parlamentar não tinha que ser ouvido?

J.S. - Não. O primeiro-ministro falou com quem tinha que falar. Estou cada vez mais convencido, no ponto em que me encontro - não pensava assim há uns anos -, que as questões da autoridade e da liderança na actividade política são fundamentais. Era o que faltava os ministros serem escolhidos e as remodelações serem feitas em plenário. Isso conduziria a resultados catastróficos e quem defende esse pensamento revela imaturidade.

EXP. - Mas criticou muito os Governos de Cavaco Silva pela defesa da autoridade.

J.S. - Há muito conhecimento que decorre da experiência. A experiência política é decisiva e foi ela que me ensinou que as questões da liderança e da autoridade são fundamentais para conduzir a um bom exercício da actividade política. Se percebermos isso dentro do PS mostraremos que somos um partido maduro e pronto para assumir o poder.

EXP. - Mas estão sempre a ouvir-se queixas por o Governo virar as costas ao partido.

J.S. - Eu próprio me penalizo, mas vejo isto com alguma normalidade. Repare, todos nós - esta nova geração que chegou ao poder com o PS - passámos dez anos na oposição. Julgo que houve uma grande necessidade de nos concentrarmos na actividade governativa. Não só era uma novidade como havia um grande desafio de mostrarmos que éramos capazes. Isso conduziu muitos de nós a relegar para um nível secundário a actividade partidária. Mas não vejo nisso nada de especial. Como dizem os empresários: «business as usual».

EXP. - Foi essa «nova geração» do PS que ganhou esta remodelação, contra o espírito dos Estados Gerais.

J.S. - Não acho que os Estados Gerais tenham sido afastados. Pelo contrário. Os Estados Gerais representaram uma opção política do PS de consideração do mérito político sem sectarismos, isto é, que o PS iria escolher aqueles que considerasse os melhores, independentemente de serem do partido ou não.

EXP. - Nesta remodelação foram escolhidos os melhores?

J.S. - É muito embaraçante estar a pronunciar-me sobre isto. Mas acho que houve uma avaliação de mérito do próprio primeiro-ministro sobre o desempenho das pessoas. Desculpem, mas, para ser sincero, tenho que acrescentar, modéstia à parte, que se escolheram os melhores. Eu escolheria os melhores e tenho a certeza que o senhor primeiro-ministro fez o mesmo, sem olhar a que sector, a que família, independente ou não.

EXP. - Veiga Simão era o melhor ministro da Defesa?

J.S. - Com certeza.

EXP. - Não foi a primeira escolha do primeiro-ministro.

J.S. - Não tenho conhecimento.

EXP. - E o Ambiente, está bem entregue?

J.S. - O Ambiente está muito bem entregue, quer politicamente quer porque o Ministério tem grandes profissionais.

EXP. - E tem uma grande ministra?

J.S. - Tem uma excelentíssima direcção política, aliás reforçada por quem me substituiu, o professor Guerreiro.

EXP. - Voltando ao mal-estar no PS. Embora a sua tendência seja para desvalorizá-lo, como é que vê os avisos do PS/Porto para depois das autárquicas?

J.S. - A tarefa do partido é de vigilância da acção do Governo e se for no sentido de uma tensão reformista, isso é bem vindo. Agora, acho mal e de todo criticável que o partido se movimente por lugares.

EXP. - Grande parte do mal-estar que se sente no PS tem que ver com o rumo que está a levar o processo de regionalização. Está confiante no cumprimento dessa promessa eleitoral?

J.S. - Estou muito confiante. Sou um regionalista convicto. É uma reforma essencial e um dos elementos mais poderosos da descentralização política. Estou convencido de que este é um Governo regionalista.

EXP. - Não duvida das convicções do primeiro-ministro nesta matéria?

J.S. - O engenheiro Guterres tem vinte anos de actividade política no distrito de Castelo Branco em que se bateu pela regionalização. É uma reforma em que António Guterres acredita, com uma convicção profunda.

EXP. - Se essa reforma não for feita até ao fim da legislatura, dirá, como Jorge Coelho, que abandona a política?

J.S. - O dever de um político não é ganhar os combates, é travá-los. Estou aqui para lutar pela regionalização, sou tão regionalista como qualquer pessoa do Porto do PS e tenho a certeza que os meus camaradas do Porto percebem que o combate essencial pela regionalização deve ser feito na opinião pública para vencermos o referendo. É preciso não perdermos o norte: é preciso explicar com clareza aos portugueses que quem não quer a regionalização é o PSD.

EXP. - Mas também há no PS quem desconfie das reais intenções do Governo. Já se ouviu Jorge Lacão dizer que esta reforma foi para o lixo...

J.S. - Se alguém disse isso, disse mal. É uma grande injustiça.

EXP. - Com os atrasos no recenseamento, parece cada vez mais difícil que o PS cumpra o seu próprio calendário.

J.S. - Não domino com total exactidão os calendários. Mas o que não se pode ter é as duas coisas: o mesmo calendário e esta reforma em condições acima de qualquer suspeita.

EXP. - E se as condições para o referendo só estiverem reunidas em ano de legislativas, acha que essa proximidade não poderá ser argumento para voltar a adiar?

J.S. - O principal dever deste Governo é bater-se por aquilo com que se comprometeu. Não é ter um pensamento de oportunidade eleitoral.

EXP. - Mas o PS pode, à custa dos atrasos processuais, chegar à conclusão, em 99, de que já não é possível fazer o referendo. Há quem preveja isto no PSD.

J.S. - Isso é de uma grande perfídia. Não fica bem o seguinte raciocínio: primeiro meter pauzinhos na engrenagem e depois vir dizer que os outros é que os andam a meter. Não abona à dimensão intelectual do professor Marcelo Rebelo de Sousa. Essa tendência para o tacticismo prejudica sempre as lideranças.

EXP. - Não é por cedência ao tacticismo que o Governo se deixou envolver na querela autárquica?

J.S. - É muito empobrecedora a tese do líder do PSD segundo a qual um membro do Governo não devia ter a liberdade de participar na campanha.

EXP. - Foi o PS que prometeu um estilo diferente do cavaquismo.

J.S. - Isso é diferente. Um dirigente do PS, mesmo que seja membro do Governo, tem obrigação de participar na campanha. O que não deve é confundir esse seu exercício do cargo político com a actividade de campanha. O PS está a dar um grande contributo para uma nova ética política na relação do Governo com as autárquicas. Esta é a campanha mais limpa.

EXP. - Não terminaram as inaugurações...

J.S. - Ninguém pagou a empreiteiros para acabar mais rapidamente as obras e no passado foi um festival. E ninguém requisita helicópteros! Ontem fui a Faro e lá fiz o «check-in». Acabou o festival.

EXP. - Mas não acabou o reforço das pensões em vésperas de Natal. Foi sempre assim no cavaquismo. Este ano, o Governo aumentou as pensões aos deficientes.

J.S. - Por amor de Deus. Isso foi anunciado com muita parcimónia. Também não acho bem que se passe o Dia do Deficiente sem fazer nada. O radicalismo dos ataques do PSD nesta campanha eleitoral é um erro que o vai deixar a falar sozinho.

EXP. - Estão criadas as condições para o PS pedir a maioria absoluta?

J.S. - O PS funciona hoje como a única força política estável. Estamos em condições de pedir confiança ao povo português.

EXP. - Poderão chegar ao ponto de dizer que sem maioria absoluta não governam?

J.S. - Não. O PS nunca fará esse discurso. Devemos fazer aquilo que o povo nos manda fazer. Devemos é pedir confiança ao eleitorado.

EXP. - Das pastas sectoriais que ficaram sob a sua alçada - Juventude, Toxicodependência, Desporto e Consumidor -, qual é a que o mobiliza mais?

J.S. - O desafio mais aliciante é a toxicodependência.

EXP. - O seu antecessor, Jorge Coelho, disse que o Governo já tinha cumprido praticamente o programa nesta área e não havia melhoras.

J.S. - Não. Muita coisa melhorou nestes dois anos, principalmente no que toca ao tratamento dos toxicodependentes. Isto não significa que não se reconheça que o problema se tem agravado, que tem tendência para se agravar, e que as respostas tradicionais têm sido insuficientes.

EXP. - O que é que pensa mudar? O Projecto Vida?

J.S. - Vai haver uma profunda reestruturação. Na droga a única opção política que não está disponível é ficar tudo como está. Temos que actuar com prudência. Mas temos que ousar mais, temos que experimentar algumas coisas novas.

EXP. - Incluindo a liberalização?

J.S. - Não. Afastemos isso. A liberalização não é uma opção política que esteja a ser considerada pelo Governo nem é uma opção política que esteja em cima da mesa. O não quer dizer que a sociedade não discuta a questão e que daqui a 50 anos não venha a reclamá-la. Mas o discurso político do Governo tem que ser consequente e agora isso não é para discutir.

EXP. - Feytor Pinto demitiu-se do Projecto Vida alegando, entre outras razões, a intenção de deixar o Governo livre para liberalizar...

J.S. - É bom esclarecer que nunca Feytor Pinto falou nisso ao Governo nem nunca o Governo falou nisso a Feytor Pinto. Isso não está sobre a mesa.

EXP. - A JS não pensa o mesmo.

J.S. - A liberalização da droga não consta do programa do Governo. Acho bem que se desenvolva esse debate - há duas personalidades da vida política que o lançaram, o Presidente da Assembleia da República e o Presidente da República -, mas para nós o essencial é combater a doença. Não é prendê-los, como propõe Manuel Monteiro.

EXP. - Mas a lei continua a prever a prisão para o consumidor.

J.S. - É no grande tráfico que temos de ser mais eficazes, defender a repressão à bruta. No consumo, temos que experimentar um quadro jurídico porventura inovador.

EXP. - Ou seja...

J.S. - Não estou a dizer mais do que isso. Está em aberto.

EXP. - Quem vai substituir Feytor Pinto no Projecto Vida?

J.S. - O sector vai sofrer uma muito profunda e extensa reestruturação.

EXP. - E o que é que se pode saber sobre isso?

J.S. - Quando não se quer responder, também é uma resposta.

ÂNGELA SILVA e MÁRIO RAMIRES

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