Jorge Sampaio e Mário Soares: depois do choque de interpretações da Constituição, o actual Presidente faz valer as suas teses
A convocação do Conselho de Estado sobre Timor está amplamente justificada pelo facto de na próxima semana decorrer, em Nova Iorque, uma ronda negocial decisiva para o futuro de Timor-Leste. E também não faltarão razões para o Presidente da República querer reavaliar a situação no Kosovo, numa altura em que um complicadíssimo impasse militar (manchado por inesperadas mortes dos que era suposto serem protegidos pela NATO) levou já o Governo português a reforçar a aposta na via política.
Estes dois factos não ofuscam, no entanto, o peso político deste gesto de Sampaio face a Mário Soares, dada a proximidade (uma semana apenas) da entrevista que Soares deu ao EXPRESSO, na qual acusava indirectamente o seu sucessor de ter violado a Constituição, por não ouvir os conselheiros de Estado, entre os quais ele próprio, sobre o Kosovo.
Governo recentra o «tiro»
Ao tornar claro quem deve opinar sobre o quê, Sampaio põe as cartas na mesa e responde às críticas que tanto o irritaram no passado fim-de-semana, quando chegou a classificar como «incorrectas» as palavras de Soares.
Jaime Gama, que também leu com desagrado as críticas do ex-Presidente da República à actuação do Governo português, acompanhou Jorge Sampaio na avaliação da oportunidade para as reuniões da próxima segunda-feira.
O Governo está, entretanto, a recentrar a sua posição sobre o Kosovo. Embora afaste qualquer recuo no envolvimento militar, o embaraço causado pela evolução do conflito é indisfarçável e já levou António Guterres a reforçar a aposta portuguesa na via negocial.
Por um lado, confia-se nesta via para ajudar a solucionar o conflito; por outro, há a consciência de que ela ajuda a conciliar posições dentro do PS, nomeadamente com Soares.
Na entrevista que deu ao EXPRESSO - em que apontava três inconstitucionalidades à intervenção portuguesa no Kosovo e criticava o Presidente da República e o Governo por terem ido «a reboque», sem sequer ouvirem a Assembleia da República -, o cabeça- -de-lista do PS ao Parlamento Europeu defendia que se apostasse agora na via negocial. E os esforços do Governo - que Soares considerava não ter tido nenhuma «boa iniciativa» no Kosovo, o que foi lido como uma crítica a Gama já que o ex-Presidente justificava Guterres com a negociação da agenda 2000 - intensificaram-se esta semana no sentido proposto.
Ao chamar ao Palácio das Necessidades os embaixadores da Jugoslávia e da Rússia, Gama deu uma prova inequívoca de que Portugal quer ser neste momento um dos países mais activos na defesa de uma saída política para a crise nos Balcãs. E o representante de Belgrado acusou esse sinal de forma muito positiva ao enaltecer a «razoabilidade» da atitude portuguesa.
No mesmo sentido, José Lamego - o secretário nacional do PS com o pelouro das relações internacionais que ontem esteve reunido com Guterres -, confirmou ao EXPRESSO que a reunião da Internacional Socialista marcada para sábado, por iniciativa do PS, tem como objectivo «reforçar a componente política» na busca de uma solução para a guerra.
PS responde a Pacheco Pereira
Soares não vai entrar na guerra verbal que o cabeça-de-lista do PSD lhe lançou esta semana.
A direcção do PS decidiu chamar a si a tarefa de responder a Pacheco Pereira e, num almoço de cúpulas que ontem reuniu, em S. Bento, António Guterres, Almeida Santos, Jorge Coelho, António Vitorino, Ferro Rodrigues, António José Seguro e Francisco Assis foi afinada a estratégia: combater em força a «arrogância» de Pacheco.
Em conferência de imprensa, António Vitorino associou os ataques de Pacheco Pereira a Mário Soares a uma «reedição de todos os tiques de crispação, arrogância e soberba intelectual» do cavaquismo. E vincou o contraste entre Soares - «que falou do futuro da Europa» - e Pacheco, que «sobre as questões essenciais da União Europeia não disse nada».
ÂNGELA SILVA
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Jorge Sampaio e Mário Soares: depois do choque de interpretações da Constituição, o actual Presidente faz valer as suas teses
A convocação do Conselho de Estado sobre Timor está amplamente justificada pelo facto de na próxima semana decorrer, em Nova Iorque, uma ronda negocial decisiva para o futuro de Timor-Leste. E também não faltarão razões para o Presidente da República querer reavaliar a situação no Kosovo, numa altura em que um complicadíssimo impasse militar (manchado por inesperadas mortes dos que era suposto serem protegidos pela NATO) levou já o Governo português a reforçar a aposta na via política.
Estes dois factos não ofuscam, no entanto, o peso político deste gesto de Sampaio face a Mário Soares, dada a proximidade (uma semana apenas) da entrevista que Soares deu ao EXPRESSO, na qual acusava indirectamente o seu sucessor de ter violado a Constituição, por não ouvir os conselheiros de Estado, entre os quais ele próprio, sobre o Kosovo.
Governo recentra o «tiro»
Ao tornar claro quem deve opinar sobre o quê, Sampaio põe as cartas na mesa e responde às críticas que tanto o irritaram no passado fim-de-semana, quando chegou a classificar como «incorrectas» as palavras de Soares.
Jaime Gama, que também leu com desagrado as críticas do ex-Presidente da República à actuação do Governo português, acompanhou Jorge Sampaio na avaliação da oportunidade para as reuniões da próxima segunda-feira.
O Governo está, entretanto, a recentrar a sua posição sobre o Kosovo. Embora afaste qualquer recuo no envolvimento militar, o embaraço causado pela evolução do conflito é indisfarçável e já levou António Guterres a reforçar a aposta portuguesa na via negocial.
Por um lado, confia-se nesta via para ajudar a solucionar o conflito; por outro, há a consciência de que ela ajuda a conciliar posições dentro do PS, nomeadamente com Soares.
Na entrevista que deu ao EXPRESSO - em que apontava três inconstitucionalidades à intervenção portuguesa no Kosovo e criticava o Presidente da República e o Governo por terem ido «a reboque», sem sequer ouvirem a Assembleia da República -, o cabeça- -de-lista do PS ao Parlamento Europeu defendia que se apostasse agora na via negocial. E os esforços do Governo - que Soares considerava não ter tido nenhuma «boa iniciativa» no Kosovo, o que foi lido como uma crítica a Gama já que o ex-Presidente justificava Guterres com a negociação da agenda 2000 - intensificaram-se esta semana no sentido proposto.
Ao chamar ao Palácio das Necessidades os embaixadores da Jugoslávia e da Rússia, Gama deu uma prova inequívoca de que Portugal quer ser neste momento um dos países mais activos na defesa de uma saída política para a crise nos Balcãs. E o representante de Belgrado acusou esse sinal de forma muito positiva ao enaltecer a «razoabilidade» da atitude portuguesa.
No mesmo sentido, José Lamego - o secretário nacional do PS com o pelouro das relações internacionais que ontem esteve reunido com Guterres -, confirmou ao EXPRESSO que a reunião da Internacional Socialista marcada para sábado, por iniciativa do PS, tem como objectivo «reforçar a componente política» na busca de uma solução para a guerra.
PS responde a Pacheco Pereira
Soares não vai entrar na guerra verbal que o cabeça-de-lista do PSD lhe lançou esta semana.
A direcção do PS decidiu chamar a si a tarefa de responder a Pacheco Pereira e, num almoço de cúpulas que ontem reuniu, em S. Bento, António Guterres, Almeida Santos, Jorge Coelho, António Vitorino, Ferro Rodrigues, António José Seguro e Francisco Assis foi afinada a estratégia: combater em força a «arrogância» de Pacheco.
Em conferência de imprensa, António Vitorino associou os ataques de Pacheco Pereira a Mário Soares a uma «reedição de todos os tiques de crispação, arrogância e soberba intelectual» do cavaquismo. E vincou o contraste entre Soares - «que falou do futuro da Europa» - e Pacheco, que «sobre as questões essenciais da União Europeia não disse nada».
ÂNGELA SILVA