Despenalização do aborto aprovada na AR

08-10-1999
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Parlamento aprova

despenalização do aborto

até às 10 semanas

A Assembleia da República aprovou o projecto de lei da JS que despenaliza até às dez semanas a interrupção voluntária da gravidez.

Em votação nominal, o diploma recebeu o apoio de toda a bancada do PCP/PEV, da larga maioria do PS, do PEV e de três deputados do PSD. O projecto de lei subscrito pelo Grupo comunista ficou a escassos quatro votos de ser aprovado (110 votos contra, 107 a favor), tendo sido determinante para este resultado as nove abstenções oriundas da bancada socialista.

Chumbo retumbante teve o projecto de lei dos deputados socialistas Eurico de Figueiredo e António Braga, que apenas mereceu os votos favoráveis dos próprios. Destino idêntico teve o diploma do PP sobre concessão de protecção jurídica ao embrião humano, que não conseguiu obter sequer o pleno de votos da sua bancada.

Na Assembleia da República, os aplausos pela aprovação do projecto de lei do PS sobre despenalização da interrupção voluntária da gravidez não se fizeram esperar. Mesmo antes da proclamação oficial dos resultados, logo que o último deputado votou, parlamentares das bancadas socialista e comunista expressaram a sua satisfação pelo resultado obtido, trocando abraços e batendo palmas.

Encontrar uma solução capaz de pôr cobro ao drama do aborto clandestino, arredando da nossa ordem jurídica a criminalização da mulher que a ele se vê forçada a recorrer, sempre foi, desde a primeira hora, na perspectiva da bancada comunista, a questão central em debate.

E foi com base neste princípio que se posicionou em todo este processo, sempre na busca de uma solução adequada à realidade nacional. Daí o sentido de voto dos deputados do PCP relativamente ao projecto patrocinado pelo PS, não obstante as reservas e críticas que lhes mereceram algumas das medidas nele preconizadas, nomeadamente a questão dos prazos (a JS retrocedeu das doze para as dez semanas), de todo em todo injustificável, bem como, noutro plano, a questão da obrigatoriedade da mulher consultar os Centros de Aconselhamento Familiar.

De qualquer forma, a aprovação do Projecto representa já um avanço que se regista. O qual seria, no entanto, mais significativo se a solução fosse a do Projecto de Lei do P.C.P. rejeitado porque o PS procedeu a arranjos internos na distribuição dos votos, por forma a que, embora tendo uma votação significativa, o Projecto não passasse.

Isto é bem manifesto numa ou noutra mudança de voto do ano passado para este ano ( por exemplo do voto a favor para a abstenção), posição incompreensível já que o Projecto do P.C.P. era igual ao do ano anterior.

Pode assim concluir-se que o P.S. distribuiu os votos para que o diploma da bancada comunista não passasse, o que é lamentável, dado que, nesta matéria, os arranjos partidários funcionam contra os direitos das mulheres, como salientou em conversa com o "Avante!" após o debate a deputada comunista Odete Santos.

Fica no entanto, claro, o papel pioneiro do P.C.P., já que foi a apresentação das suas iniciativas legislativas que serviu de motor à apresentação das iniciativas do P.S.

E será bom lembrar, de qualquer forma, que a lei que temos, a lei que o Partido Socialista tanto critica, foi a lei que o P.S. quis em 1984. Não a lei que o Partido Comunista apresentou. Que essa, previa a IVG por razões económicas e sociais, que o P.S. veio agora retomar.

Pôr fim à violência

Aspectos estes para os quais a deputada comunista Odete Santos não deixou de chamar a atenção na intervenção que proferiu em nome da sua bancada, no decorrer da qual considerou que o debate sobre o aborto é um "confronto entre o humanismo e a violência" e que a IVG é "fundamental para pôr fim à violência".

Cabendo-lhe a defesa do projecto de lei do PCP de despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) até às 12 semanas, Odete Santos começou por perguntar aos deputados se "querem meter na cadeia as mulheres que abortam?", lembrando-lhes de seguida terem nas suas mãos a possibilidade de pôr "fim ao calvário do aborto clandestino" e deles depender o "fim da humilhação das mulheres portuguesas, nomeadamente das que são menos favorecidas economicamente".

Defendendo o seu diploma num discurso várias vezes interrompido por aplausos das bancadas comunista e socialista, a deputada do PCP considerou que a lei de despenalização do aborto "não obriga ninguém a recorrer à IVG" e acusou os que se opoêm à despenalização de "quererem impor a toda a sociedade as suas convicções pessoais".

As melhores soluções

Acerca das soluções preconizadas no documento do PCP, a parlamentar lembrou que a despenalização da IVG deve ocorrer quando realizada no serviços hospitalares ou estabelecimentos de saúde credenciados para o efeito "nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher".

Esse período alarga-se "até às 16 semanas nos casos de mãe toxicodependente e para evitar perigo de morte ou grave lesão para o corpo ou saúde física e psíquica da mulher" e até às 24 semanas quando exista o "risco de o nascituro vir a sofrer de forma incurável de HIV, e no caso de vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, quando menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica".

Considerando serem estas as "melhores soluções para este prolema", Odete Santos reiterou ser "injustificável que se retroceda" relativamente aos prazos, referindo-se ao projecto da JS, que no ano passado preconizava as 12 semanas, reduzindo agora esse prazo para as 10 semanas.

"É um facto médico que até às 12 semanas o aborto comporta menos riscos para a mulher, sendo os riscos neste período menores do que aqueles que se correm no parto", defendeu a deputada, acrescentando que "não se encontram motivos para um prazo inferior, já que não está em causa a busca do início da pessoa humana, cujo estatuto só se adquire com o nascimento".

Uma decisão da mulher

Sem reflexão não passou igualmente a já assinalada questão dos Centros de Aconselhamento, levando Odete Santos a interrogar-se: "se conjugarmos um prazo inferior a 10 semanas com a passagem obrigatória por centros de atendimento, não poderá acontecer que fique inviabilizado, em certos casos, o recurso à IVG?".

Mas a questão não se fica por aqui. Para o PCP, observou, esta é também uma posição de princípio, já que "a decisão compete única e exclusivamente à mulher", sendo, por conseguinte, uma "insuportável devassa da sua privacidade a obrigação da passagem prévia por qualquer centro de aconselhamento".

Acerca do projecto de resolução do PSD, preconizando um referendo sobre esta matéria, Odete Santos considerou este "um meio de impedir que a Assembleia da República legisle com plena legitimidade, adiando a resolução de um grave problema de saúde pública para as mulheres".

Alvo de críticas foi ainda o diploma subscrito pelos deputados socialistas Eurico de Figueiredo e António Braga, sobretudo pela comissão nele prevista, que, na opinião da formação comunista, "nada ter que ver com centros de aconselhamento".

"É uma comissão criada para decidir pela mulher, para indeferir os pedidos de IVG, uma comissão em que se inicia um processo administrativo que terminará no Supremo Tribunal Admnistrativo, com uma passagem pelo ministro da Justiça, nomeado curador ao ventre de todas as mulheres portuguesas", acusou Odete Santos.

As mais duras críticas da bancada comunista estavam no entanto reservadas para o diploma do PP, que, em sua opinião, é uma cópia de um diploma apresentado em Itália, considerando-o Odete Santos destituído de "qualquer sustentação científica e filosófica consensual", e, nessa medida, ter concitado protestos e condenações como também sucedeu naquele país.

A concluir, a parlamentar disse que neste debate a divisão não é entre os que são a favor ou contra o aborto, mas entre os que "continuam dispostos a conviver tranquilamente com a dolorosa realidade social do aborto clandestino e os que corajosamente querem assegurar o indiscutível avanço resultante da progressiva passagem do aborto da esfera da clandestinidade para a esfera da legalidade, da assistência e da segurança médicas".

«Avante!» Nº 1263 - 12.Fevereiro.98

Parlamento aprova

despenalização do aborto

até às 10 semanas

A Assembleia da República aprovou o projecto de lei da JS que despenaliza até às dez semanas a interrupção voluntária da gravidez.

Em votação nominal, o diploma recebeu o apoio de toda a bancada do PCP/PEV, da larga maioria do PS, do PEV e de três deputados do PSD. O projecto de lei subscrito pelo Grupo comunista ficou a escassos quatro votos de ser aprovado (110 votos contra, 107 a favor), tendo sido determinante para este resultado as nove abstenções oriundas da bancada socialista.

Chumbo retumbante teve o projecto de lei dos deputados socialistas Eurico de Figueiredo e António Braga, que apenas mereceu os votos favoráveis dos próprios. Destino idêntico teve o diploma do PP sobre concessão de protecção jurídica ao embrião humano, que não conseguiu obter sequer o pleno de votos da sua bancada.

Na Assembleia da República, os aplausos pela aprovação do projecto de lei do PS sobre despenalização da interrupção voluntária da gravidez não se fizeram esperar. Mesmo antes da proclamação oficial dos resultados, logo que o último deputado votou, parlamentares das bancadas socialista e comunista expressaram a sua satisfação pelo resultado obtido, trocando abraços e batendo palmas.

Encontrar uma solução capaz de pôr cobro ao drama do aborto clandestino, arredando da nossa ordem jurídica a criminalização da mulher que a ele se vê forçada a recorrer, sempre foi, desde a primeira hora, na perspectiva da bancada comunista, a questão central em debate.

E foi com base neste princípio que se posicionou em todo este processo, sempre na busca de uma solução adequada à realidade nacional. Daí o sentido de voto dos deputados do PCP relativamente ao projecto patrocinado pelo PS, não obstante as reservas e críticas que lhes mereceram algumas das medidas nele preconizadas, nomeadamente a questão dos prazos (a JS retrocedeu das doze para as dez semanas), de todo em todo injustificável, bem como, noutro plano, a questão da obrigatoriedade da mulher consultar os Centros de Aconselhamento Familiar.

De qualquer forma, a aprovação do Projecto representa já um avanço que se regista. O qual seria, no entanto, mais significativo se a solução fosse a do Projecto de Lei do P.C.P. rejeitado porque o PS procedeu a arranjos internos na distribuição dos votos, por forma a que, embora tendo uma votação significativa, o Projecto não passasse.

Isto é bem manifesto numa ou noutra mudança de voto do ano passado para este ano ( por exemplo do voto a favor para a abstenção), posição incompreensível já que o Projecto do P.C.P. era igual ao do ano anterior.

Pode assim concluir-se que o P.S. distribuiu os votos para que o diploma da bancada comunista não passasse, o que é lamentável, dado que, nesta matéria, os arranjos partidários funcionam contra os direitos das mulheres, como salientou em conversa com o "Avante!" após o debate a deputada comunista Odete Santos.

Fica no entanto, claro, o papel pioneiro do P.C.P., já que foi a apresentação das suas iniciativas legislativas que serviu de motor à apresentação das iniciativas do P.S.

E será bom lembrar, de qualquer forma, que a lei que temos, a lei que o Partido Socialista tanto critica, foi a lei que o P.S. quis em 1984. Não a lei que o Partido Comunista apresentou. Que essa, previa a IVG por razões económicas e sociais, que o P.S. veio agora retomar.

Pôr fim à violência

Aspectos estes para os quais a deputada comunista Odete Santos não deixou de chamar a atenção na intervenção que proferiu em nome da sua bancada, no decorrer da qual considerou que o debate sobre o aborto é um "confronto entre o humanismo e a violência" e que a IVG é "fundamental para pôr fim à violência".

Cabendo-lhe a defesa do projecto de lei do PCP de despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) até às 12 semanas, Odete Santos começou por perguntar aos deputados se "querem meter na cadeia as mulheres que abortam?", lembrando-lhes de seguida terem nas suas mãos a possibilidade de pôr "fim ao calvário do aborto clandestino" e deles depender o "fim da humilhação das mulheres portuguesas, nomeadamente das que são menos favorecidas economicamente".

Defendendo o seu diploma num discurso várias vezes interrompido por aplausos das bancadas comunista e socialista, a deputada do PCP considerou que a lei de despenalização do aborto "não obriga ninguém a recorrer à IVG" e acusou os que se opoêm à despenalização de "quererem impor a toda a sociedade as suas convicções pessoais".

As melhores soluções

Acerca das soluções preconizadas no documento do PCP, a parlamentar lembrou que a despenalização da IVG deve ocorrer quando realizada no serviços hospitalares ou estabelecimentos de saúde credenciados para o efeito "nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher".

Esse período alarga-se "até às 16 semanas nos casos de mãe toxicodependente e para evitar perigo de morte ou grave lesão para o corpo ou saúde física e psíquica da mulher" e até às 24 semanas quando exista o "risco de o nascituro vir a sofrer de forma incurável de HIV, e no caso de vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, quando menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica".

Considerando serem estas as "melhores soluções para este prolema", Odete Santos reiterou ser "injustificável que se retroceda" relativamente aos prazos, referindo-se ao projecto da JS, que no ano passado preconizava as 12 semanas, reduzindo agora esse prazo para as 10 semanas.

"É um facto médico que até às 12 semanas o aborto comporta menos riscos para a mulher, sendo os riscos neste período menores do que aqueles que se correm no parto", defendeu a deputada, acrescentando que "não se encontram motivos para um prazo inferior, já que não está em causa a busca do início da pessoa humana, cujo estatuto só se adquire com o nascimento".

Uma decisão da mulher

Sem reflexão não passou igualmente a já assinalada questão dos Centros de Aconselhamento, levando Odete Santos a interrogar-se: "se conjugarmos um prazo inferior a 10 semanas com a passagem obrigatória por centros de atendimento, não poderá acontecer que fique inviabilizado, em certos casos, o recurso à IVG?".

Mas a questão não se fica por aqui. Para o PCP, observou, esta é também uma posição de princípio, já que "a decisão compete única e exclusivamente à mulher", sendo, por conseguinte, uma "insuportável devassa da sua privacidade a obrigação da passagem prévia por qualquer centro de aconselhamento".

Acerca do projecto de resolução do PSD, preconizando um referendo sobre esta matéria, Odete Santos considerou este "um meio de impedir que a Assembleia da República legisle com plena legitimidade, adiando a resolução de um grave problema de saúde pública para as mulheres".

Alvo de críticas foi ainda o diploma subscrito pelos deputados socialistas Eurico de Figueiredo e António Braga, sobretudo pela comissão nele prevista, que, na opinião da formação comunista, "nada ter que ver com centros de aconselhamento".

"É uma comissão criada para decidir pela mulher, para indeferir os pedidos de IVG, uma comissão em que se inicia um processo administrativo que terminará no Supremo Tribunal Admnistrativo, com uma passagem pelo ministro da Justiça, nomeado curador ao ventre de todas as mulheres portuguesas", acusou Odete Santos.

As mais duras críticas da bancada comunista estavam no entanto reservadas para o diploma do PP, que, em sua opinião, é uma cópia de um diploma apresentado em Itália, considerando-o Odete Santos destituído de "qualquer sustentação científica e filosófica consensual", e, nessa medida, ter concitado protestos e condenações como também sucedeu naquele país.

A concluir, a parlamentar disse que neste debate a divisão não é entre os que são a favor ou contra o aborto, mas entre os que "continuam dispostos a conviver tranquilamente com a dolorosa realidade social do aborto clandestino e os que corajosamente querem assegurar o indiscutível avanço resultante da progressiva passagem do aborto da esfera da clandestinidade para a esfera da legalidade, da assistência e da segurança médicas".

«Avante!» Nº 1263 - 12.Fevereiro.98

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