Viagens no reino da burocracia

10-09-1999
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Castelo de Paiva

O QUE precisa uma vila de 17 mil habitantes para se tornar centro das atenções e alvo das mais intensas disputas políticas? Apenas de simbolizar como nenhuma outra a confusão do modo como o Estado se (des)organiza país fora, estando envolta numa teia de burocracia que dá argumentos a regionalistas e anti-regionalistas. Essa vila é Castelo de Paiva, na margem esquerda do Douro, a meia centena de quilómetros do Porto. Paulo Teixeira, 34 anos, é o presidente da Câmara, eleito pelo PSD. Quando trata de questões relacionadas com a educação, dirige-se ao Porto, onde, depois de uma hora de carro, se reúne com o director regional da Educação do Norte (DREN). E muitos são os paivenses que se deslocam diariamente a esta cidade com que se identificam e onde trabalham, sobretudo na construção civil. Têm carreiras de autocarro com frequência. O único senão são os pavorosos 20 quilómetros que separam Castelo de Paiva da A4, via Entre-os-Rios. Paulo quer tirar o passaporte de autarca, que lhe dá benefícios em deslocações oficiais ao estrangeiro. Tem de ir a Aveiro, sede do distrito, a uma hora e meia de viagem. Outro paivense que não possua viatura e necessite do passaporte no mesmo dia, vai a Aveiro num autocarro às primeiras horas da manhã e regressa apenas ao fim da tarde. Para fazer o bilhete de identidade, o presidente da Câmara fê-lo no Porto. Se escolhesse Aveiro, esperava longos meses. Paulo Teixeira pensa em Coimbra, porém, em questões de saúde. Há não muito tempo, mandou a esta cidade um carro da Câmara entregar documentos necessários para a abertura de um centro de saúde, o que deverá ocorrer em breve. Castelo de Paiva depende da ARS de Coimbra, a duas horas de viagem e para onde não há transportes públicos colectivos. O sogro do autarca possui uma propriedade agrícola: a respectiva comissão regional de reserva tem sede em Braga, embora as reuniões sejam no Porto. Má sorte ter nascido em Castelo de Paiva - dir-se-á. Mas é cedo para levar as mãos à cabeça: quando quis apresentar um projecto de florestação, o sogro de Paulo Teixeira deslocou-se a Amarante, em demanda do departamento da Direcção-Geral das Florestas. Má sorte têm mesmo os dez por cento da população paivense que estão desempregados. O destino é S. João da Madeira, onde fica o centro de emprego. Para a lista ficar quase completa, recorde-se que ainda ontem Paulo Teixeira foi a Lousada para uma reunião da Associação de Municípios do Vale de Sousa. «E isto agora está muito melhor. Quando era presidente da Assembleia Municipal, falou-se de pessoas que morreram a caminho do hospital. Iam para S. João da Madeira, onde eram encaminhadas para Aveiro ou Porto. O tempo perdido foi fatal para algumas», desabafa o advogado Gouveia Coelho, dirigente do PS local. Regiões ou não, eis a questão

Antero Gaspar, governador civil de Aveiro, um regionalista

Castelo de Paiva já faz parte dos discursos habituais do ministro Jorge Coelho, a favor da regionalização, e anda na boca de Paulo Portas, adversário da mesma. Como cada Ministério desconcentra os seus serviços da forma que entende, há localidades onde os habitantes se vêem enredados no labirinto da administração central. Além de Paiva, há os exemplos similares de Caldas da Rainha, Lamego, Mação ou Sines. Num país organizado em regiões, o problema desapareceria - dizem os regionalistas. E o que diz Paulo Teixeira, militante do PSD, partido que passou a opor-se à regionalização? «Castelo de Paiva beneficiaria com a regionalização, na perspectiva de tirar de Lisboa o que lá está centralizado e que pode ser decidido aqui», confessa. Queixa-se de um Estado que atira Castelo de Paiva para a mesma região de turismo onde se encontra a Mealhada. «Que temos nós a ver com a Mealhada?», interroga-se. «Sou amplamente favorável à regionalização», realça. Trata-se, ironicamente, do mesmo homem que o movimento pelo «não» à Beira Litoral decidiu «nomear» mandatário em Castelo de Paiva. «Não tenho dúvidas de que um órgão como a CCR com poderes mais executivos é um modelo eficaz», explica. Nesta terra de contradições, veja-se a situação peculiar de Antero Gaspar. Governador civil de Aveiro, foi durante vários mandatos presidente da Câmara de Castelo de Paiva, onde reside. «Se a regionalização triunfar, haverá maior coerência do sistema e toda esta organização será articulada», afirma, referindo-se à confusão administrativa em que os paivenses vivem. Perder um concelho

As rotas da burocracia impostas aos paivenses

Regionalista convicto, é um homem que se ganhar perde. Ou seja, se o «sim» vencer no referendo e as regiões forem instituídas, Aveiro perde Castelo de Paiva para Entre-Douro-e-Minho. O governador civil evita falar no assunto, mas reafirma que a regionalização é absolutamente necessária para modernizar o país. «Para nós, o fundamental é resolver o problema das acessibilidades e fixar os paivenses. E para isso é fundamental o desenvolvimento», esclarece Antero Gaspar. Adversário político, Paulo Teixeira concorda. «Resolvam-me o problema das estradas», pede. Ele sabe que dirige a autarquia de uma terra muito bonita onde, por ironia, é uma espécie de penitência chegar. «Querem saber como isto (Estado centralizado) funciona? A Câmara comprou um terreno para o Ministério da Educação construir um escola nova. Em contrapartida recebia as instalações da existente. A DREN comunicou em Novembro de 97 que em Junho de 98 tomaria conta do novo edifício. Mas a Direcção-Geral de Património, em Lisboa, ainda não autorizou a DREN a dar as chaves, o que, aliás, tem de ser feito pelo chefe de finanças». Paulo Teixeira abana a cabeça a tanta burocracia. «Até no futebol isto está mal. Somos da Associação de Aveiro e vamos jogar a Águeda. Só para chegar à EN1, em Lourosa, demoramos tanto tempo como a ir à maioria dos clubes do Porto», queixa-se Gouveia Coelho. «Quanto mais perto o poder estiver das pessoas melhor», assim sintetiza a sua visão da regionalização Joaquim Castro, da cooperativa agrícola de Castelo de Paiva, 70 anos de idade, presidente da Junta de Freguesia de Real desde 1974. A regionalização resolverá mesmo esta trapalhada burocrática que aflige os paivenses? «A descentralização dos serviços terá de ser feita de forma gradual» - responde Braga da Cruz, presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte. «No instante zero só devem ser transferidos os serviços óbvios, como por exemplo tudo o que é equipamento». Para Braga da Cruz a transferência gradual permite que os serviços se reorganizem. Paulo Portas, líder do CDS-PP, que enquanto deputado visitou regularmente a vila, não está obviamente de acordo. «A regionalização até pode piorar. Do que Castelo de Paiva precisa é de estradas. São 365 curvas até lá chegar. E o Governo não pode atirar para as regiões o trabalho de desconcentrar de forma lógica os serviços estatais». E como pode a regionalização piorar esta confusão? Portas responde: «Como não há capitais, sedes do poder, os paivenses passarão a ir ao Porto, a Braga, como até aqui, e depois terão de ir também a Viana do Castelo, o que tem ainda menos lógica do que deslocarem-se a Aveiro». Jorge Massada PELO SIM

Jorge Coelho

EM 8 de Novembro os portugueses serão confrontados com a responsabilidade de optar entre um modelo de administração pública arcaico e burocratizado e o início de um ciclo de modernização administrativa, de descentralização e aumento da qualidade de vida. Com as regiões será possível um Estado mais eficaz, decisões mais rápidas e mais próximas das populações. Estamos à beira de mais um debate orçamental e do programa de investimentos para 1999. A proposta de PIDDAC incluirá centenas de projectos que o Governo acha que seriam melhor decididos pelas regiões ou até pelos municípios. Além disso, muitos deputados irão apresentar centenas de propostas relativas a estradas regionais, variantes urbanas, centros de saúde, quartéis de bombeiros ou apoios a clubes desportivos e associações culturais, aumentando a despesa pública sem qualquer possibilidade de avaliação racional do que é prioritário. Queremos regionalizar, mas também queremos reforçar os municípios. É por isso que em Maio de 1997 apresentámos na Assembleia da República uma lei de transferência de competências que o PSD não apoiou então e vem agora copiar com pouca habilidade e muita má-fé. As regiões terão competências de planeamento, de selecção de prioridades de investimento público e de apoio à criação de emprego que hoje são exercidas por serviços do Estado sem rosto nem coordenação. A Administração Central ganha eficácia na definição das políticas nacionais, os municípios novos poderes executivos na educação, no apoio aos jovens e à terceira idade. A Região de Lisboa e Setúbal é assim das que mais tem a ganhar com a regionalização, indispensável para combater o urbanismo caótico, para coordenar os transportes e o trânsito e para tornar mais simples o acesso às escolas e aos equipamentos desportivos e culturais. Um país equilibrado e solidário assenta na riqueza e pluralidade das suas gentes, com igualdade de oportunidades e uma melhor qualidade de vida nas áreas urbanas. Contra o desperdício de dinheiros públicos e a descoordenação entre serviços a resposta é racionalizar o Estado, planear a nível regional e assegurar, a nível local, a satisfação dos anseios das populações.

PELO NÃO

Marques Mendes

PORTUGAL não tem razões para regionalizar. Somos uma nação e não um Estado fragmentado. Não temos, com excepção dos Açores e da Madeira, regiões naturais, e o País não apresenta descontinuidades territoriais, clivagens históricas regionais ou diversidades culturais e linguísticas que justifiquem um processo de regionalização. A nossa coesão e unidade nacionais são, na Europa e no Mundo, uma importante vantagem comparativa. Importa valorizá-la, nunca diminui-la. Concentrar energias para vencer o desafio europeu deve ser a prioridade. Desperdiçar energias em divisões internas pode ser a aventura total. Estar contra a divisão regional do País não é, assim, uma questão de fundamentalismo. É antes uma atitude de equilíbrio e de bom senso. Regionalizar, dizem alguns, é desenvolver melhor. O que não dizem é como, com que meios e com que competências. Nenhum estudo foi feito, nenhuma lei foi aprovada. Sabe-se que as regiões seriam um poder intermédio entre o Poder Central e o Poder Local. Um novo poder. Mas ninguém sabe se as novas competências regionais se vão buscar ao Estado Central ou às autarquias locais. Uma coisa é certa. Com um novo poder regional, os municípios perderão protagonismo e prestígio. Logo, perderão poder. Os novos protagonistas regionais ganharão terreno. Os protagonistas autárquicos perderão influência. É o que se passa nos países regionalizados. Faz-se assim o contrário do que se pretende. Pretende-se o Poder mais próximo das pessoas, mas retira-se poder e influência ao poder que realmente está mais próximo das pessoas - o poder dos municípios. Faz-se o contrário do que se proclama. Proclama-se a tradição portuguesa do municipalismo. Diminui-se, na prática, o que devia aumentar - o poder dos municípios e das suas associações.Talvez por isso é que vemos populações manifestarem-se na defesa do seu concelho. O que nunca vimos foi populações manifestarem-se pela criação da sua região. O que diz muito do verdadeiro sentimento popular. E do artificialismo deste processo.

Não 56% Sim 33%

Viagens no reino da burocracia

Poluição resiste à divisão do país

É preciso descentralizar mesmo sem as regiões

Castelo de Paiva

O QUE precisa uma vila de 17 mil habitantes para se tornar centro das atenções e alvo das mais intensas disputas políticas? Apenas de simbolizar como nenhuma outra a confusão do modo como o Estado se (des)organiza país fora, estando envolta numa teia de burocracia que dá argumentos a regionalistas e anti-regionalistas. Essa vila é Castelo de Paiva, na margem esquerda do Douro, a meia centena de quilómetros do Porto. Paulo Teixeira, 34 anos, é o presidente da Câmara, eleito pelo PSD. Quando trata de questões relacionadas com a educação, dirige-se ao Porto, onde, depois de uma hora de carro, se reúne com o director regional da Educação do Norte (DREN). E muitos são os paivenses que se deslocam diariamente a esta cidade com que se identificam e onde trabalham, sobretudo na construção civil. Têm carreiras de autocarro com frequência. O único senão são os pavorosos 20 quilómetros que separam Castelo de Paiva da A4, via Entre-os-Rios. Paulo quer tirar o passaporte de autarca, que lhe dá benefícios em deslocações oficiais ao estrangeiro. Tem de ir a Aveiro, sede do distrito, a uma hora e meia de viagem. Outro paivense que não possua viatura e necessite do passaporte no mesmo dia, vai a Aveiro num autocarro às primeiras horas da manhã e regressa apenas ao fim da tarde. Para fazer o bilhete de identidade, o presidente da Câmara fê-lo no Porto. Se escolhesse Aveiro, esperava longos meses. Paulo Teixeira pensa em Coimbra, porém, em questões de saúde. Há não muito tempo, mandou a esta cidade um carro da Câmara entregar documentos necessários para a abertura de um centro de saúde, o que deverá ocorrer em breve. Castelo de Paiva depende da ARS de Coimbra, a duas horas de viagem e para onde não há transportes públicos colectivos. O sogro do autarca possui uma propriedade agrícola: a respectiva comissão regional de reserva tem sede em Braga, embora as reuniões sejam no Porto. Má sorte ter nascido em Castelo de Paiva - dir-se-á. Mas é cedo para levar as mãos à cabeça: quando quis apresentar um projecto de florestação, o sogro de Paulo Teixeira deslocou-se a Amarante, em demanda do departamento da Direcção-Geral das Florestas. Má sorte têm mesmo os dez por cento da população paivense que estão desempregados. O destino é S. João da Madeira, onde fica o centro de emprego. Para a lista ficar quase completa, recorde-se que ainda ontem Paulo Teixeira foi a Lousada para uma reunião da Associação de Municípios do Vale de Sousa. «E isto agora está muito melhor. Quando era presidente da Assembleia Municipal, falou-se de pessoas que morreram a caminho do hospital. Iam para S. João da Madeira, onde eram encaminhadas para Aveiro ou Porto. O tempo perdido foi fatal para algumas», desabafa o advogado Gouveia Coelho, dirigente do PS local. Regiões ou não, eis a questão

Antero Gaspar, governador civil de Aveiro, um regionalista

Castelo de Paiva já faz parte dos discursos habituais do ministro Jorge Coelho, a favor da regionalização, e anda na boca de Paulo Portas, adversário da mesma. Como cada Ministério desconcentra os seus serviços da forma que entende, há localidades onde os habitantes se vêem enredados no labirinto da administração central. Além de Paiva, há os exemplos similares de Caldas da Rainha, Lamego, Mação ou Sines. Num país organizado em regiões, o problema desapareceria - dizem os regionalistas. E o que diz Paulo Teixeira, militante do PSD, partido que passou a opor-se à regionalização? «Castelo de Paiva beneficiaria com a regionalização, na perspectiva de tirar de Lisboa o que lá está centralizado e que pode ser decidido aqui», confessa. Queixa-se de um Estado que atira Castelo de Paiva para a mesma região de turismo onde se encontra a Mealhada. «Que temos nós a ver com a Mealhada?», interroga-se. «Sou amplamente favorável à regionalização», realça. Trata-se, ironicamente, do mesmo homem que o movimento pelo «não» à Beira Litoral decidiu «nomear» mandatário em Castelo de Paiva. «Não tenho dúvidas de que um órgão como a CCR com poderes mais executivos é um modelo eficaz», explica. Nesta terra de contradições, veja-se a situação peculiar de Antero Gaspar. Governador civil de Aveiro, foi durante vários mandatos presidente da Câmara de Castelo de Paiva, onde reside. «Se a regionalização triunfar, haverá maior coerência do sistema e toda esta organização será articulada», afirma, referindo-se à confusão administrativa em que os paivenses vivem. Perder um concelho

As rotas da burocracia impostas aos paivenses

Regionalista convicto, é um homem que se ganhar perde. Ou seja, se o «sim» vencer no referendo e as regiões forem instituídas, Aveiro perde Castelo de Paiva para Entre-Douro-e-Minho. O governador civil evita falar no assunto, mas reafirma que a regionalização é absolutamente necessária para modernizar o país. «Para nós, o fundamental é resolver o problema das acessibilidades e fixar os paivenses. E para isso é fundamental o desenvolvimento», esclarece Antero Gaspar. Adversário político, Paulo Teixeira concorda. «Resolvam-me o problema das estradas», pede. Ele sabe que dirige a autarquia de uma terra muito bonita onde, por ironia, é uma espécie de penitência chegar. «Querem saber como isto (Estado centralizado) funciona? A Câmara comprou um terreno para o Ministério da Educação construir um escola nova. Em contrapartida recebia as instalações da existente. A DREN comunicou em Novembro de 97 que em Junho de 98 tomaria conta do novo edifício. Mas a Direcção-Geral de Património, em Lisboa, ainda não autorizou a DREN a dar as chaves, o que, aliás, tem de ser feito pelo chefe de finanças». Paulo Teixeira abana a cabeça a tanta burocracia. «Até no futebol isto está mal. Somos da Associação de Aveiro e vamos jogar a Águeda. Só para chegar à EN1, em Lourosa, demoramos tanto tempo como a ir à maioria dos clubes do Porto», queixa-se Gouveia Coelho. «Quanto mais perto o poder estiver das pessoas melhor», assim sintetiza a sua visão da regionalização Joaquim Castro, da cooperativa agrícola de Castelo de Paiva, 70 anos de idade, presidente da Junta de Freguesia de Real desde 1974. A regionalização resolverá mesmo esta trapalhada burocrática que aflige os paivenses? «A descentralização dos serviços terá de ser feita de forma gradual» - responde Braga da Cruz, presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte. «No instante zero só devem ser transferidos os serviços óbvios, como por exemplo tudo o que é equipamento». Para Braga da Cruz a transferência gradual permite que os serviços se reorganizem. Paulo Portas, líder do CDS-PP, que enquanto deputado visitou regularmente a vila, não está obviamente de acordo. «A regionalização até pode piorar. Do que Castelo de Paiva precisa é de estradas. São 365 curvas até lá chegar. E o Governo não pode atirar para as regiões o trabalho de desconcentrar de forma lógica os serviços estatais». E como pode a regionalização piorar esta confusão? Portas responde: «Como não há capitais, sedes do poder, os paivenses passarão a ir ao Porto, a Braga, como até aqui, e depois terão de ir também a Viana do Castelo, o que tem ainda menos lógica do que deslocarem-se a Aveiro». Jorge Massada PELO SIM

Jorge Coelho

EM 8 de Novembro os portugueses serão confrontados com a responsabilidade de optar entre um modelo de administração pública arcaico e burocratizado e o início de um ciclo de modernização administrativa, de descentralização e aumento da qualidade de vida. Com as regiões será possível um Estado mais eficaz, decisões mais rápidas e mais próximas das populações. Estamos à beira de mais um debate orçamental e do programa de investimentos para 1999. A proposta de PIDDAC incluirá centenas de projectos que o Governo acha que seriam melhor decididos pelas regiões ou até pelos municípios. Além disso, muitos deputados irão apresentar centenas de propostas relativas a estradas regionais, variantes urbanas, centros de saúde, quartéis de bombeiros ou apoios a clubes desportivos e associações culturais, aumentando a despesa pública sem qualquer possibilidade de avaliação racional do que é prioritário. Queremos regionalizar, mas também queremos reforçar os municípios. É por isso que em Maio de 1997 apresentámos na Assembleia da República uma lei de transferência de competências que o PSD não apoiou então e vem agora copiar com pouca habilidade e muita má-fé. As regiões terão competências de planeamento, de selecção de prioridades de investimento público e de apoio à criação de emprego que hoje são exercidas por serviços do Estado sem rosto nem coordenação. A Administração Central ganha eficácia na definição das políticas nacionais, os municípios novos poderes executivos na educação, no apoio aos jovens e à terceira idade. A Região de Lisboa e Setúbal é assim das que mais tem a ganhar com a regionalização, indispensável para combater o urbanismo caótico, para coordenar os transportes e o trânsito e para tornar mais simples o acesso às escolas e aos equipamentos desportivos e culturais. Um país equilibrado e solidário assenta na riqueza e pluralidade das suas gentes, com igualdade de oportunidades e uma melhor qualidade de vida nas áreas urbanas. Contra o desperdício de dinheiros públicos e a descoordenação entre serviços a resposta é racionalizar o Estado, planear a nível regional e assegurar, a nível local, a satisfação dos anseios das populações.

PELO NÃO

Marques Mendes

PORTUGAL não tem razões para regionalizar. Somos uma nação e não um Estado fragmentado. Não temos, com excepção dos Açores e da Madeira, regiões naturais, e o País não apresenta descontinuidades territoriais, clivagens históricas regionais ou diversidades culturais e linguísticas que justifiquem um processo de regionalização. A nossa coesão e unidade nacionais são, na Europa e no Mundo, uma importante vantagem comparativa. Importa valorizá-la, nunca diminui-la. Concentrar energias para vencer o desafio europeu deve ser a prioridade. Desperdiçar energias em divisões internas pode ser a aventura total. Estar contra a divisão regional do País não é, assim, uma questão de fundamentalismo. É antes uma atitude de equilíbrio e de bom senso. Regionalizar, dizem alguns, é desenvolver melhor. O que não dizem é como, com que meios e com que competências. Nenhum estudo foi feito, nenhuma lei foi aprovada. Sabe-se que as regiões seriam um poder intermédio entre o Poder Central e o Poder Local. Um novo poder. Mas ninguém sabe se as novas competências regionais se vão buscar ao Estado Central ou às autarquias locais. Uma coisa é certa. Com um novo poder regional, os municípios perderão protagonismo e prestígio. Logo, perderão poder. Os novos protagonistas regionais ganharão terreno. Os protagonistas autárquicos perderão influência. É o que se passa nos países regionalizados. Faz-se assim o contrário do que se pretende. Pretende-se o Poder mais próximo das pessoas, mas retira-se poder e influência ao poder que realmente está mais próximo das pessoas - o poder dos municípios. Faz-se o contrário do que se proclama. Proclama-se a tradição portuguesa do municipalismo. Diminui-se, na prática, o que devia aumentar - o poder dos municípios e das suas associações.Talvez por isso é que vemos populações manifestarem-se na defesa do seu concelho. O que nunca vimos foi populações manifestarem-se pela criação da sua região. O que diz muito do verdadeiro sentimento popular. E do artificialismo deste processo.

Não 56% Sim 33%

Viagens no reino da burocracia

Poluição resiste à divisão do país

É preciso descentralizar mesmo sem as regiões

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