«Avante!» Nº 1310

22-08-1999
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A TALHE DE FOICE

Os únicos

A OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico - vai realizar um Programa Internacional para a Avaliação dos Estudantes (denominado PISA, na sigla em inglês) com o objectivo de, pela primeira vez, se apurar no início do milénio as competências dos alunos de 15 anos, ou seja, os que acabam a escolaridade obrigatória. Trata-se de um trabalho de fundo há muito reclamado e que vai envolver mais de 100 mil alunos de mais de quatro mil escolas em 40 países, entre os quais todos os 29 que são membros da OCDE.

Conforme relata o Público, o objectivo deste grande inquérito assenta em algumas interrogações claras: «Estão as escolas a preparar os estudantes para os desafios do futuro? Será que eles são realmente preparados para serem os trabalhadores de amanhã, para continuarem a aprender ao longo da vida? São eles capazes de analisar, raciocinar e comunicar ideias?».

Para obter respostas a estas questões, a OCDE organizou este programa PISA (que, assinale-se, está a ser preparado desde 1997), onde espera produzir indicadores internacionais que «permitam descrever padrões comparáveis de desempenho dos alunos de vários países», dados que poderão «encorajar os alunos e os professores a aprender e a ensinar melhor e as escolas a serem mais eficazes». «Além do mais», acrescentam os organizadores do Programa, «oferecem às autoridades centrais um instrumento de monitorização do rendimento escolar».

Acrescente-se que o PISA começa este ano a ser testado em escolas-piloto, sendo em 2000 lançado um mega-inquérito com testes incidindo em três domínios - língua materna, matemática e ciências -, não tanto com o objectivo de averiguar o que os alunos sabem numa determinada área, mas para avaliar as suas competências numa visão interdisciplinar e transversal. Os resultados serão apresentados no ano seguinte, estando prevista a novidade de haver novos inquéritos de três em três anos, o que permitirá uma actualização completa dos dados de nove em nove anos.

A importância estratégica de um estudo comparativo desta envergadura na área socio-educativa parece de uma tão larga evidência, que seria grosseiro admitir que algum governo de um país da OCDE o não integrasse.

Afinal, o que se afiguraria grosseiro sequer admitir, acabou por se tornar numa insultuosa realidade.

Para grande estranheza dos responsáveis do PISA, um país - um único, entre os 29 que integram a OCDE - não participa neste Programa por recusa expressa do seu governo.

Esse país é Portugal.

A secretária de Estado para a Educação, Ana Benavente, não podia ser mais elucidativa nas explicações que carreou para o Público.

«Isto é realmente muito confuso», desculpou-se ela, mas «Portugal vai participar em tudo, estará em todas as reuniões preparatórias, fará todo o acompanhamento do processo».

Vai «participar em tudo», menos no essencial: a realização do inquérito nas escolas portuguesas. E porquê? Por «uma manifesta falta de capacidade», confessa tranquilamente a secretária de Estado, esclarecendo que quem iria operacionalizar os testes do Programa da OCDE a aplicar nas escolas e nos alunos portugueses seria o Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE), mas este tem muitas tarefas às costas (provas aferidas no 4º, 6º e 9º anos, exames do 12º ano, etc.) Ora - conclui Ana Benavente -, «tudo isto envolve um esforço brutal de logística, não podíamos estar a acrescentar ainda a recolha de 4500 questionários».

«Não podíamos»?!... Então pôde-se erguer, uma EXPO ao ritmo duma derrapagem financeira galopante, pôde-se construir uma ponte nova e remodelar uma ponte velha com o dobro das dezenas de milhões de contos previstos e não se pôde organizar a recolha de uns pobres 4500 questionários para um Programa educacional, cuja preparação tem tanto tempo de vida como o próprio Governo que Ana Benavente integra e António Guterres chefia?!...

Perante isto, resta-nos pedir ao Sr. Primeiro-Ministro que, ao menos, não repita ser a Educação a sua «paixão».

É que tanta demagogia já não envergonha apenas o Governo, mas todo o país. — Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1310 - 7.Janeiro.1999

A TALHE DE FOICE

Os únicos

A OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico - vai realizar um Programa Internacional para a Avaliação dos Estudantes (denominado PISA, na sigla em inglês) com o objectivo de, pela primeira vez, se apurar no início do milénio as competências dos alunos de 15 anos, ou seja, os que acabam a escolaridade obrigatória. Trata-se de um trabalho de fundo há muito reclamado e que vai envolver mais de 100 mil alunos de mais de quatro mil escolas em 40 países, entre os quais todos os 29 que são membros da OCDE.

Conforme relata o Público, o objectivo deste grande inquérito assenta em algumas interrogações claras: «Estão as escolas a preparar os estudantes para os desafios do futuro? Será que eles são realmente preparados para serem os trabalhadores de amanhã, para continuarem a aprender ao longo da vida? São eles capazes de analisar, raciocinar e comunicar ideias?».

Para obter respostas a estas questões, a OCDE organizou este programa PISA (que, assinale-se, está a ser preparado desde 1997), onde espera produzir indicadores internacionais que «permitam descrever padrões comparáveis de desempenho dos alunos de vários países», dados que poderão «encorajar os alunos e os professores a aprender e a ensinar melhor e as escolas a serem mais eficazes». «Além do mais», acrescentam os organizadores do Programa, «oferecem às autoridades centrais um instrumento de monitorização do rendimento escolar».

Acrescente-se que o PISA começa este ano a ser testado em escolas-piloto, sendo em 2000 lançado um mega-inquérito com testes incidindo em três domínios - língua materna, matemática e ciências -, não tanto com o objectivo de averiguar o que os alunos sabem numa determinada área, mas para avaliar as suas competências numa visão interdisciplinar e transversal. Os resultados serão apresentados no ano seguinte, estando prevista a novidade de haver novos inquéritos de três em três anos, o que permitirá uma actualização completa dos dados de nove em nove anos.

A importância estratégica de um estudo comparativo desta envergadura na área socio-educativa parece de uma tão larga evidência, que seria grosseiro admitir que algum governo de um país da OCDE o não integrasse.

Afinal, o que se afiguraria grosseiro sequer admitir, acabou por se tornar numa insultuosa realidade.

Para grande estranheza dos responsáveis do PISA, um país - um único, entre os 29 que integram a OCDE - não participa neste Programa por recusa expressa do seu governo.

Esse país é Portugal.

A secretária de Estado para a Educação, Ana Benavente, não podia ser mais elucidativa nas explicações que carreou para o Público.

«Isto é realmente muito confuso», desculpou-se ela, mas «Portugal vai participar em tudo, estará em todas as reuniões preparatórias, fará todo o acompanhamento do processo».

Vai «participar em tudo», menos no essencial: a realização do inquérito nas escolas portuguesas. E porquê? Por «uma manifesta falta de capacidade», confessa tranquilamente a secretária de Estado, esclarecendo que quem iria operacionalizar os testes do Programa da OCDE a aplicar nas escolas e nos alunos portugueses seria o Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE), mas este tem muitas tarefas às costas (provas aferidas no 4º, 6º e 9º anos, exames do 12º ano, etc.) Ora - conclui Ana Benavente -, «tudo isto envolve um esforço brutal de logística, não podíamos estar a acrescentar ainda a recolha de 4500 questionários».

«Não podíamos»?!... Então pôde-se erguer, uma EXPO ao ritmo duma derrapagem financeira galopante, pôde-se construir uma ponte nova e remodelar uma ponte velha com o dobro das dezenas de milhões de contos previstos e não se pôde organizar a recolha de uns pobres 4500 questionários para um Programa educacional, cuja preparação tem tanto tempo de vida como o próprio Governo que Ana Benavente integra e António Guterres chefia?!...

Perante isto, resta-nos pedir ao Sr. Primeiro-Ministro que, ao menos, não repita ser a Educação a sua «paixão».

É que tanta demagogia já não envergonha apenas o Governo, mas todo o país. — Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1310 - 7.Janeiro.1999

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