DN-Opiniao

12-01-1997
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AS ESCOLHAS DE ANTÓNIO GUTERRES

O Governo escolhido por António Guterres está falhando em várias frentes. O caso da PSP de Évora, que levou à substituição do comandante-geral, foi deveras lastimoso. Face à infelicidade do ministro Alberto Costa, lá teve o primeiro-ministro, António Guterres, de vir dar a cara pela solução, agarrada pelos cabelos, à última hora, de um superintendente-chefe promovido ao posto máximo.

O conflito entre o eurodeputado António Campos e o ministro da Agricultura abriu também dolorosas feridas. Guterres pôs publicamente as mãos no fogo por Gomes da Silva, mas com isto não ficou a questão encerrada.

Também teve de ser o primeiro-ministro a assegurar cobertura ao comissário Cardoso e Cunha, desta feita contrariando as declarações desestabilizadoras do ministro Jorge Coelho e ultrapassando as reticências e as hesitações da dupla ministerial que tutela a Expo'98, António Vitorino e João Cravinho.

A nomeação do novo director do SIS promete ser, do mesmo modo, atribulada - e, segundo se diz, Alberto Costa terá já recebido, do primeiro-ministro, o seu ultimato de três dias para apresentar soluções alternativas ao mediático juiz Salvado...

A isto tudo é preciso juntar os episódios de ministros que contradizem outros ministros, em declarações públicas ou em recados via órgãos de comunicação social; bem como os casos de ministros que não conseguem alcançar o mínimo de notoriedade para a sua acção governativa, talvez por esta ser fraca ou ter estacionado na fase dos estudos e dos diálogos; e ainda os projectos considerados fundamentais que não arrancam, como o chamado plano Mateus ou a barragem de Alqueva, ou os que uma vez lançados obrigam a imediato recuo, como acaba de acontecer com o cinenegócio.

O balanço governativo dos últimos meses é deveras descoroçoador. António Guterres bem necessita um suplemento de alma para fazer face à situação. Daí o patético apelo, em Conselho de Ministros, para que os membros do Governo mostrem obra feita.

A atitude dos chamados históricos do PS é perfeitamente compreensível: vêem os problemas do Governo e da Administração, os mencionados e milhentos outros; percebem que a nova maioria não está afinal a distinguir-se muito em substância da governação anterior; pressentem o descontentamento a crescer... Sentem-se frustrados! E bem os deve magoar a tentativa de descredibilização em curso, consistente em identificá-los como os mastins dos boys sequiosos de jobs...

O primeiro-ministro, António Guterres, fez gala em escolher para o Governo muitas figuras alheias às fileiras do PS. Ora, segundo parece, nem todas as escolhas estão a dar bom resultado, o que obriga o primeiro-ministro a um trabalho desgastante de bombeiro voluntário apagando fogos por toda a parte. Aliás, o cartão de independente não garante, por si só, competência e honorabilidade superiores a qualquer cartão de militância partidária. Se algum ministro é contestado, logo o chefe do Governo acorre a expressar-lhe toda a sua confiança. Faz parte das regras do jogo! Mas não é possível manter indefinidamente uma tal situação, que fragiliza o Governo e reduz o seu crédito e autoridade.

Além disso, julgando-se acossado, a tendência do primeiro-ministro será para ficar irritadiço, tomando como ataques pessoais as mais ligeiras críticas que surjam à actuação do Governo, sobretudo se oriundas de dentro do PS, mesmo que tais críticas sejam bem fundamentadas. É que numa democracia de partidos, como é a nossa, os governos podem bem com as críticas da oposição, mas já não se aguentam se quem os critica é o próprio partido mandatado pelos cidadãos para o exercício do poder executivo.

Por seu turno, os ministros, sentindo as costas quentes, começarão a afoitar-se a cometimentos cada vez mais arrojados, já que o risco de insucesso deixou de ter sanção política... O fosso entre o Governo e a maioria parlamentar que o apoia irá ficando cada vez mais profundo. A fronda liderada por Jorge Lacão antes do Natal foi apenas um primeiro aviso.

A António Guterres não lhe hão-de faltar os sempre úteis e aliás inevitáveis yes-men, combativos e até arrasadores quanto baste... Mas a estas horas, o primeiro-ministro já terá percebido que, mais cedo ou mais tarde, vai ter de substituir alguns ministros, para enfrentar com uma equipa refrescada os desafios do período pré ou pós-eleições autárquicas.

Se António Guterres não fizer a opção de alijar os ministros que estão em queda, só lhe restará despedir os que têm credibilidade e prestígio. A escolha não vai ser difícil! Como quer que seja, pois, a contagem decrescente para a remodelação ministerial já começou.

J. B. Mota Amaral escreve no DN aos sábados

AS ESCOLHAS DE ANTÓNIO GUTERRES

O Governo escolhido por António Guterres está falhando em várias frentes. O caso da PSP de Évora, que levou à substituição do comandante-geral, foi deveras lastimoso. Face à infelicidade do ministro Alberto Costa, lá teve o primeiro-ministro, António Guterres, de vir dar a cara pela solução, agarrada pelos cabelos, à última hora, de um superintendente-chefe promovido ao posto máximo.

O conflito entre o eurodeputado António Campos e o ministro da Agricultura abriu também dolorosas feridas. Guterres pôs publicamente as mãos no fogo por Gomes da Silva, mas com isto não ficou a questão encerrada.

Também teve de ser o primeiro-ministro a assegurar cobertura ao comissário Cardoso e Cunha, desta feita contrariando as declarações desestabilizadoras do ministro Jorge Coelho e ultrapassando as reticências e as hesitações da dupla ministerial que tutela a Expo'98, António Vitorino e João Cravinho.

A nomeação do novo director do SIS promete ser, do mesmo modo, atribulada - e, segundo se diz, Alberto Costa terá já recebido, do primeiro-ministro, o seu ultimato de três dias para apresentar soluções alternativas ao mediático juiz Salvado...

A isto tudo é preciso juntar os episódios de ministros que contradizem outros ministros, em declarações públicas ou em recados via órgãos de comunicação social; bem como os casos de ministros que não conseguem alcançar o mínimo de notoriedade para a sua acção governativa, talvez por esta ser fraca ou ter estacionado na fase dos estudos e dos diálogos; e ainda os projectos considerados fundamentais que não arrancam, como o chamado plano Mateus ou a barragem de Alqueva, ou os que uma vez lançados obrigam a imediato recuo, como acaba de acontecer com o cinenegócio.

O balanço governativo dos últimos meses é deveras descoroçoador. António Guterres bem necessita um suplemento de alma para fazer face à situação. Daí o patético apelo, em Conselho de Ministros, para que os membros do Governo mostrem obra feita.

A atitude dos chamados históricos do PS é perfeitamente compreensível: vêem os problemas do Governo e da Administração, os mencionados e milhentos outros; percebem que a nova maioria não está afinal a distinguir-se muito em substância da governação anterior; pressentem o descontentamento a crescer... Sentem-se frustrados! E bem os deve magoar a tentativa de descredibilização em curso, consistente em identificá-los como os mastins dos boys sequiosos de jobs...

O primeiro-ministro, António Guterres, fez gala em escolher para o Governo muitas figuras alheias às fileiras do PS. Ora, segundo parece, nem todas as escolhas estão a dar bom resultado, o que obriga o primeiro-ministro a um trabalho desgastante de bombeiro voluntário apagando fogos por toda a parte. Aliás, o cartão de independente não garante, por si só, competência e honorabilidade superiores a qualquer cartão de militância partidária. Se algum ministro é contestado, logo o chefe do Governo acorre a expressar-lhe toda a sua confiança. Faz parte das regras do jogo! Mas não é possível manter indefinidamente uma tal situação, que fragiliza o Governo e reduz o seu crédito e autoridade.

Além disso, julgando-se acossado, a tendência do primeiro-ministro será para ficar irritadiço, tomando como ataques pessoais as mais ligeiras críticas que surjam à actuação do Governo, sobretudo se oriundas de dentro do PS, mesmo que tais críticas sejam bem fundamentadas. É que numa democracia de partidos, como é a nossa, os governos podem bem com as críticas da oposição, mas já não se aguentam se quem os critica é o próprio partido mandatado pelos cidadãos para o exercício do poder executivo.

Por seu turno, os ministros, sentindo as costas quentes, começarão a afoitar-se a cometimentos cada vez mais arrojados, já que o risco de insucesso deixou de ter sanção política... O fosso entre o Governo e a maioria parlamentar que o apoia irá ficando cada vez mais profundo. A fronda liderada por Jorge Lacão antes do Natal foi apenas um primeiro aviso.

A António Guterres não lhe hão-de faltar os sempre úteis e aliás inevitáveis yes-men, combativos e até arrasadores quanto baste... Mas a estas horas, o primeiro-ministro já terá percebido que, mais cedo ou mais tarde, vai ter de substituir alguns ministros, para enfrentar com uma equipa refrescada os desafios do período pré ou pós-eleições autárquicas.

Se António Guterres não fizer a opção de alijar os ministros que estão em queda, só lhe restará despedir os que têm credibilidade e prestígio. A escolha não vai ser difícil! Como quer que seja, pois, a contagem decrescente para a remodelação ministerial já começou.

J. B. Mota Amaral escreve no DN aos sábados

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