«Avante!» Nº 1252

14-10-1999
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(In)dignidades

S e é certo que sem Deus o Diabo não faria sentido, fica doravante provado que a dignidade é filha natural da indignidade e que mãe e filha possuem uma capacidade de metamorfose que lhes permite passar a madrasta e enteada sempre que o desejem e isso lhes interesse.

Vem isto a propósito de três casos que têm sido notícia grande. Comecemos por aquele que, até agora, teve maior repercussão e mais estrondosas consequências: «a alegada fuga ao pagamento de sisa» na compra de uma propriedade por parte de António Vitorino. Confrontado com a situação, Vitorino nem esperou que a notícia viesse a público e, apesar da ausência do Primeiro-Ministro, concretizou de imediato a sua demissão do Governo.

«Dignidade» foi, talvez, a palavra mais utilizada por dirigentes e comentadores políticos para qualificar a atitude de Vitorino. (A atitude demissionária, e só essa, entenda-se ...)

C omentando a «atitude de grande dignidade» de Vitorino, o Primeiro-Ministro falou também de «nobreza de carácter» e Jorge Coelho enalteceu a «honradez» e o «patriotismo» «desse grande português».

Insisto: Guterres e Coelho referem-se apenas à atitude demissionária e não opinam sobre «a alegada fuga ao pagamento da sisa», nem esclarecem se - considerando eles a demissão de Vitorino um acto de grande dignidade - considerariam a eventual não demissão do mesmo Vitorino um acto de grande indignidade...

P assemos ao segundo caso: António Saleiro, que é objecto de uma investigação da PJ «a alguns aspectos da sua actividade, através de um pré-inquérito», demitiu-se na 2ª feira do cargo de governador civil de Beja. A demissão de Saleiro há-de ser, também, um acto de dignidade... dignidade que, é certo, demorou muito mais tempo a revelar-se do que a de Vitorino, mas que tem para isso uma justificação de peso cuja é: Saleiro contou, desde o início, com a total solidariedade do Primeiro-Ministro. Ora, não passa pela cabeça de ninguém que Guterres se solidarizasse com uma indignidade, pelo que é mister concluir que a postura de Saleiro foi de dignidade quer quando resistiu à demissão quer quando foi forçado a demitir-se.

S obre o terceiro caso - o IRS de José Luís Judas - pouco há a acrescentar. Judas teve também a solidariedade de Guterres o que, só por si, conferiu dignidade à sua recusa em demitir-se. É certo que Alberto Costa, por exemplo, afirmou que «se estivesse no lugar dele demitia-me». Mas Alberto Costa foi demitido... e Fernando Gomes, em delírio solidário com o seu «querido amigo e colega», proclamou que Judas não é Judas, é Cristo (o subconsciente prega cada partida às pessoas...). E Jorge Coelho foi peremptório: Demissão? Não (nem) obrigado! Aliás, no registo de inteligenciação de Coelho, a não demissão de Judas há-de ser - tal como foi a demissão de Vitorino - o acto de «honradez» e de «patriotismo» de um «grande português». Enfim, (In)dignidades. — José Casanova

«Avante!» Nº 1252 - 27.Novembro.97

(In)dignidades

S e é certo que sem Deus o Diabo não faria sentido, fica doravante provado que a dignidade é filha natural da indignidade e que mãe e filha possuem uma capacidade de metamorfose que lhes permite passar a madrasta e enteada sempre que o desejem e isso lhes interesse.

Vem isto a propósito de três casos que têm sido notícia grande. Comecemos por aquele que, até agora, teve maior repercussão e mais estrondosas consequências: «a alegada fuga ao pagamento de sisa» na compra de uma propriedade por parte de António Vitorino. Confrontado com a situação, Vitorino nem esperou que a notícia viesse a público e, apesar da ausência do Primeiro-Ministro, concretizou de imediato a sua demissão do Governo.

«Dignidade» foi, talvez, a palavra mais utilizada por dirigentes e comentadores políticos para qualificar a atitude de Vitorino. (A atitude demissionária, e só essa, entenda-se ...)

C omentando a «atitude de grande dignidade» de Vitorino, o Primeiro-Ministro falou também de «nobreza de carácter» e Jorge Coelho enalteceu a «honradez» e o «patriotismo» «desse grande português».

Insisto: Guterres e Coelho referem-se apenas à atitude demissionária e não opinam sobre «a alegada fuga ao pagamento da sisa», nem esclarecem se - considerando eles a demissão de Vitorino um acto de grande dignidade - considerariam a eventual não demissão do mesmo Vitorino um acto de grande indignidade...

P assemos ao segundo caso: António Saleiro, que é objecto de uma investigação da PJ «a alguns aspectos da sua actividade, através de um pré-inquérito», demitiu-se na 2ª feira do cargo de governador civil de Beja. A demissão de Saleiro há-de ser, também, um acto de dignidade... dignidade que, é certo, demorou muito mais tempo a revelar-se do que a de Vitorino, mas que tem para isso uma justificação de peso cuja é: Saleiro contou, desde o início, com a total solidariedade do Primeiro-Ministro. Ora, não passa pela cabeça de ninguém que Guterres se solidarizasse com uma indignidade, pelo que é mister concluir que a postura de Saleiro foi de dignidade quer quando resistiu à demissão quer quando foi forçado a demitir-se.

S obre o terceiro caso - o IRS de José Luís Judas - pouco há a acrescentar. Judas teve também a solidariedade de Guterres o que, só por si, conferiu dignidade à sua recusa em demitir-se. É certo que Alberto Costa, por exemplo, afirmou que «se estivesse no lugar dele demitia-me». Mas Alberto Costa foi demitido... e Fernando Gomes, em delírio solidário com o seu «querido amigo e colega», proclamou que Judas não é Judas, é Cristo (o subconsciente prega cada partida às pessoas...). E Jorge Coelho foi peremptório: Demissão? Não (nem) obrigado! Aliás, no registo de inteligenciação de Coelho, a não demissão de Judas há-de ser - tal como foi a demissão de Vitorino - o acto de «honradez» e de «patriotismo» de um «grande português». Enfim, (In)dignidades. — José Casanova

«Avante!» Nº 1252 - 27.Novembro.97

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