Mocao do PSD-Lisboa ao XVIII Congresso Nacional do PSD

21-10-1997
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Moção do PSD-Lisboa ao XVIII Congresso Nacional do PSD

Lisboa, Março de 1996

Foram recebidas para a elaboração desta moção contribuições colectivas e individuais dos militantes Maria João Sande Lemos, Tolentino da Luz, de um grupo de militantes da Secção A que inclui António Preto, Aurélio Crespo e Nunes de Carvalho; da Comissão Política da Secção I (Baixa de Lisboa); da Comissão Política da Secção B e da Comissão Política Distrital da JSD. Foram também incorporados no texto da moção sugestões orais recolhidas em diversas reuniões alargadas da Comissão Política Distrital. O texto apresentado na Assembleia Distrital é da responsabilidade da Comissão Política Distrital.

1 - A Europa no fim do século

2 - Desafio europeu de Portugal

3 - Portugal na segunda metade dos anos noventa

4 - O PSD e as tarefas do XVIII Congresso

PARA UMA NOVA CONFIANÇA DOS PORTUGUESES

1. A Europa no fim do século

No final do século XX adensa-se sobre a Europa a possibilidade real de uma série de conflitos regionais e de um recrudescimento de relações tensas com a Rússia. A queda do muro de Berlim e a dissolução do bloco comunista acabaram com a mundialização do conflito bipolar traçado pela separação da "cortina de ferro", mas em contrapartida agravaram a possibilidade de conflitos locais e regionais, sem resolver a possibilidade da Rússia permanecer como ameaça à segurança europeia.

A mundialização do conflito, de que a Europa democrática em que Portugal se integrava e as suas instituições - a OTAN e a Comunidade Europeia, era uma das partes - terminou. Mas iniciou-se um novo ciclo de conflitos regionais de que o exemplo mais evidente é o conflito jugoslavo.

Subitamente, sobre uma Europa dividida em dois desde o fim da II Guerra Mundial, surgiu uma Europa dividida em muitos. O traço escondido de muitas fronteiras nacionais esquecidas desde 1945 voltou a revelar-se e com ele um novo potencial de conflitos. Esta situação vai ser a principal condicionante das decisões da política europeia, nos próximos anos. Logo, também de Portugal .

A URSS terminou com o comunismo formal e as suas instituições - o partido, os sovietes, a própria "união soviética" - mas a Rússia não conseguiu ainda obter um sistema político democrático estável, um consenso popular para a democracia, uma economia de mercado, efectivas condições de liberdade política no conjunto do seu território. Das suas cinzas emergiu uma multiplicidade de Estados, alguns dos quais nações, onde por detrás de alguma descompressão política e de uma tímida liberalização da economia, permanecem inalteradas as estruturas de poder a nível local e regional herdadas do comunismo.

A Rússia tem vindo a assumir progressivamente, como sua política externa, a herança geopolítica da antiga URSS, como esta aliás também havia herdado o "espaço" do império czarista. Esta situação, patente de modo crescente nas posições da política externa russa e nos conflitos da política interna, com a influência cada vez mais significativa de nacionalistas e comunistas, é um risco para a segurança europeia. Ela será um risco a curto prazo para os países da ex-URSS, como por exemplo a Ucrânia, mas a prazo afectará toda a área do antigo Pacto de Varsóvia e poderá levar a instabilidade política ao Centro e Leste da Europa e daí a toda a Europa. O potencial de disrupção da guerra na ex-Jugoslávia, gerando tensões nas relações entre nações europeias e da Europa com os EUA, é disso um sinal premonitório.

A crise a Leste é uma crise social, política e nacional. A Europa comunitária tem especiais responsabilidades em responder aos elementos de crise social. Pode ter um papel no apoio

às forças democráticas - logo na mudança de carácter da actual crise política, ajudando através da diminuição da pressão social a impedir a tentação de lhe dar expressão política radical, nacionalista ou comunista - e um papel moderador nos conflitos nacionais.

Mas a sua intervenção tem que ser rápida, enquanto a crise social pode ser minimizada. Se a conflitualidade social se associar estritamente à crise política e esta encontrar no conflito nacional um factor de legitimação interna, a situação tornar-se-á incontrolável com sérios riscos para o conjunto da segurança europeia.

Por tudo isto, mais cedo ou mais tarde, a Europa unida terá que encarar seriamente o dilema de saber se vai "pagar" parte da crise do Leste, a exemplo do que fez a República Federal Alemã em relação à antiga República Democrática Alemã. Tal foi feito com uma severa penalização para a economia alemã, mas permitindo, a prazo, uma efectiva reunificação nacional. Não há outro caminho para diminuir o potencial de conflitos na Europa, que não passe pelo apoio decisivo à reconversão das economias pós-comunistas, como preço da paz.

A percepção dos custos elevadíssimos da reconversão económica, social e política dos países ex-comunistas, percebida pelo "preço" da unificação alemã, foi um factor importante na mudança de clima pró-europeu nas principais nações europeias, acabando com o optimismo associado à queda do muro de Berlim e ao Tratado da União Europeia.

O sentimento anti-Maastricht foi a reacção popular à indecisão, resultado da passagem de um optimismo excessivo a um pessimismo impotente, de muitos governantes europeus.

O "pagamento" em paz dos elevadíssimos custos da devastação comunista pode ter o preço ou de um Plano Marshall ou de uma significativa abertura dos mercados europeus às economias pós-comunistas. Quer num caso quer noutro, isso significará ou uma deslocação maciça de recursos das nações europeias unidas pelo Tratado - de todos, incluindo Portugal - para Leste ou o agravamento das condições de concorrência de muitos sectores da economia dos países da União Europeia em relação aos produtos mais baratos vindos do Leste. Em ambos os casos isto pode significar que, a partir do fim do século, os recursos disponíveis para a "coesão social" podem escassear e que para as nações do Tratado da União o dilema seja ou fazer este esforço económico, com custos sociais, ou entrar numa corrida armamentista, que pode ter iguais custos ou outros ainda piores.

Quando a Europa, até ao fim do século, se confrontar com clareza com este dilema é suposto que tenha já cumprido o essencial dos pressupostos económicos, sociais e políticos do Tratado da União: efectiva integração das economias das nações europeias, moeda única e implementação de uma política externa e de segurança comum.

Se não o tiver feito, as pressões para responder à insegurança vinda de Leste dividirão as nações europeias e poderão gerar novos sistemas de alianças, com recrudescimento de velhos nacionalismos no Ocidente da Europa. A pior das tentações será o retorno a novos sistemas de alianças competitivas "balcanizando" o Leste da Europa.

Nesse ambiente, a primeira das tentações será partir para uma Europa de duas velocidades, garantindo condições acrescidas de "eficácia" aos interesses nacionais dos países que ficaram no pelotão da frente da União Europeia e introduzindo não apenas as "duas velocidades" na política, mas também na economia, cavando o fosso entre os países da Europa do Norte e do Sul. Portugal não poderá deixar de estar onde a Espanha esteja, nas mesmas exactas condições de direitos e deveres nas instâncias da União Europeia.

Um facto suplementar de instabilidade na Europa é o crescendo fundamentalista no Norte de África, com ameaça directa à segurança da Europa do Sul. É uma situação que directamente afecta os interesses nacionais portugueses, quer através das repercussões directas na insegurança na Bacia do Mediterrâneo, ou na zona do Atlântico onde se encontram as ilhas, quer através das pressões migratórias vindas do Norte de África.

2. Desafio europeu de Portugal

Portugal é uma velha nação europeia, com fronteiras estáveis de há muitos séculos, com uma forte identidade nacional gerada pela história e suas tradições e por uma cultura e uma língua que traduzem uma área de influência que vai muito para além das fronteiras da nação.

Mas em contraste com uma identidade nacional incontestada, com a ausência de conflitos regionais e um sentimento de independência e soberania forte, Portugal é um país que no contexto europeu conhece significativos atrasos no seu desenvolvimento. O bem estar dos portugueses, o seu padrão de vida, a qualidade da sua economia e os seus factores de competitividade, estão muito atrás dos seus congéneres da União Europeia.

Pesem embora as significativas mudanças dos últimos anos - consolidação da democracia política e real desenvolvimento económico sustentado em condições de democracia - este atraso é o principal factor de fragilidade da nossa independência e soberania. A riqueza material de um povo, os seus recursos humanos, a qualificação do seu trabalho, a solidez da economia, vinda da sua competitividade, são em tempo de paz o principal critério da independência e da soberania de um povo e de uma nação. Não há independência na pobreza, nem soberania no isolamento .

Portugal, fora da Europa unida, com as fronteiras da União Europeia a coincidirem com as fronteiras de Espanha, com uma débil economia, protegida nas suas fraquezas, uma agricultura rudimentar, uma indústria vivendo de baixos salários e de tecnologias tradicionais seria pobre. Fechado nas suas fronteiras, autárcico, isolado, seria presa fácil para qualquer pressão, e dificilmente afirmaria os seus interesses nacionais.

Contrariamente ao que outros dizem, é pois a rápida modernização da nossa economia, acompanhando as outras nações, que constitui factor da defesa da nossa independência e soberania . O atraso de reformas estruturais proclamadas como necessárias por todos os reformadores desde o século XIX, tem resultado mais de debilidades do sistema político, da falta de vontade das elites, e da inexistência de uma verdadeira opinião pública, do que do desconhecimento do que é preciso fazer.

Por tudo isto, o desafio europeu que Portugal conscientemente aceitou, numa decisão política de longo alcance destinada a garantir a nossa democracia política e a sua sustentação numa sociedade civil e numa economia de mercado, é crucial para a afirmação da nossa independência e soberania . São em primeiro lugar razões políticas que o justificam, e só depois razões económicas e essas razões políticas decorrem da necessidade de defesa intransigente dos nossos interesses nacionais no mundo tal qual é, e não como desejaríamos que fosse.

É exactamente porque temos que manter intacta a nossa capacidade política que Portugal não pode deixar de na próxima Conferência Intergovernamental de se bater pela manutenção de rotatividade da Presidência do Conselho das Comunidades Europeias entre todos os Estados-membros, pela continuação do princípio de um comissário por Estado-membro e pela manutenção da regra da unanimidade em todas as matérias que são decisivas para a independência e soberania dos estados, como seja a política externa e segurança comum .

Justifica-se, pois, repensar a política externa e de segurança comum, enquanto mecanismo de concertação política de modo a multiplicar o número de situações internacionais para as quais a Europa apresenta uma visão comum conjugando vontades na busca da unanimidade.

É por isso também essencial a defesa do português como uma das línguas oficiais da União. Entendemos que assim se reforça o respeito pelas identidades nacionais e, nomeadamente, garantida a utilização oficial da Língua Portuguesa e a manutenção do regime linguístico vigente nas instituições da União, contribui-se para a afirmação de Portugal no mundo.

Sendo um projecto político de democracias compreende-se que tenha entre os seus objectivos a consolidação da cidadania europeia. Importa aprofundar os direitos já reconhecidos, garantindo a não discriminação entre pessoas portadoras da cidadania de um estado membro da União. A cidadania europeia abre novas oportunidades aos que trabalham, estudam ou viajam fora do país.

Os sacrifícios que o cumprimento dos "critérios de convergência" podem significar a curto prazo, são essenciais para que Portugal possa ultrapassar o seu atraso histórico e possa estar onde os seus interesses vitais no plano económico, social e político, devem ser defendidos. Seria cegueira ceder às naturais pressões advindas das dificuldades de adaptação a essa economia aberta e competitiva, com o mito de que o proteccionismo nos protegeria de alguma coisa. O proteccionismo só protege os nossos defeitos e abafa as nossas qualidades. O preço que mais cedo ou mais tarde teríamos que pagar seria elevadíssimo.

É decisivo para Portugal que no momento em que a Europa tenha que defrontar o problema global do Leste haja capacidade para estar, ou no pelotão da frente caso possa haver uma "Europa a duas velocidades", ou em condições de influenciar qualquer decisão de modo a nela defender o seu interesse nacional. Só assim Portugal pode, sem egoísmo nacional, mas integrado numa política europeia adulta, de que somos parte inteira com iguais deveres e direitos, continuar a defender uma política de "coesão" que não ponha em causa os nossos interesses. Só a preservação da nossa autoridade política justificará a capacidade reivindicativa que tivemos.

Esta capacidade de defesa dos novos interesses nacionais tem que acompanhar o consequente reforço das instituições europeias e da unidade da Europa. Defendemos o princípio do alargamento do qual não pode resultar o enfraquecimento da Europa . Defendemos a necessidade da União Europeia se alargar a todos os Estados da Europa que reunam as condições suficientes para assumir a totalidade do acervo comunitário. O alargamento deve obedecer a um processo de integração harmonioso que não perturbe os equilíbrios institucionais vigentes e não ponha em causa o princípio da coesão económica e social.

Acresce que mesmo que se admitisse que a União Europeia recuasse no cumprimento do Tratado e o revisse nos seus objectivos e nos seus tempos nem por isso, o sentido global da modernização da nossa economia deixaria de passar por medidas do idêntico carácter àquelas que nos são exigidas pelos critérios de "convergência": diminuição da despesa pública, cortes nos déficits , abertura da economia ao exterior, aumentos de competitividade.

A única questão que se pode colocar não é pois a da substância das medidas exigidas para a convergência das economias europeias dado o seu carácter racionalizador para a própria economia portuguesa mas apenas o seu timing , sendo que também este só deve ser alterado se tal significar apenas o reconhecimento das dificuldades de alguns países no seu cumprimento e não deixar dúvida sobre o sentido global dos objectivos do Tratado da União.

A moeda única representa a resposta da Europa à actual lógica de competição económica internacional. Ela é fundamental para a construção de uma Europa próspera e coesa e constitui uma peça fundamental para a modernização de Portugal. Alcançar este objectivo reforçará a nossa credibilidade e benificiará cidadãos, empresas e, de um modo geral, a actividade económica.

3. Portugal na segunda metade dos anos noventa

3.1. Caracteristicas da situação política actual

O PSD governou Portugal em condições de maioria durante dez anos. Nesses anos, o país conheceu o seu mais longo e consistente período de desenvolvimento em condições de democracia: as mudanças significativas operadas nas infraestruturas do país, as reformas no domínio da fiscalidade, o fim da economia socializada, a privatização dos órgãos de comunicação social, etc. São tudo sinais das mudanças destes últimos dez anos. A paisagem económica e social do país registou o surgimento de verdadeiras pequenas cidades no interior com polos universitários locais, com comércio moderno, padrões de consumo sem paralelo com o passado, oferta de bens e serviços. Muito daquilo que era a "antiga" miséria dos campos portugueses desapareceu. Um sistema de segurança social foi finalmente implementado.

Trata-se por isso de, um período único na vida portuguesa que certamente servirá de referência para a acção governativa posterior, que com ele será comparado pelos portugueses.

Até ao início da década de 90 tudo empurrava o PSD para assumir um papel central na vida pública portuguesa. O peso que as chamadas "conquistas da revolução", em particular as nacionalizações tinham no bloqueamento de uma economia democrática, davam ao PSD um papel decisivo no processo reformista. O PS, preso nos complexos de esquerda de que não foi capaz de se libertar desde 1975, protelou, com elevados custos para o bem estar dos portugueses e para a modernização da nossa economia. A revisão constitucional que permitisse retirar a economia portuguesa das soluções socializantes de 1975 só foi possível em 1989. A incapacidade de fazer reformas secundarizou o PS na vida política portuguesa.

Mas depois da revisão constitucional de 1989 tornara-se claro que um novo ciclo da vida política se abria , dominado por outras necessidades e por condições de competitividade da acção política muito mais duras e exigentes. A uma sociedade civil mais forte tinha que corresponder um Estado melhor, e uma governação de maior qualidade. Os métodos e as formas tradicionais da acção partidária revelavam-se ineficazes.

Por todo o lado, o embate da abertura da nossa economia e da aceleração da integração europeia conduziram inevitavelmente a novas tensões na sociedade portuguesa. Essas tensões ganhariam um cunho anti-europeu, se não existisse um clima de debate e de participação pública, que permitisse o seu esclarecimento.

Tal não aconteceu. O PSD foi apanhado desprevenido pela passagem dos problemas europeus de questões de política externa para questões de política interna.

Foi exactamente aproveitando essa incapacidade do PSD de corresponder, por um lado, à exigência de qualidade crescente na vida pública portuguesa; por outro, de compreender o crescendo de tensões provocada pelo processo de integração da nossa economia no mercado único, que o PS e o PP tiveram as suas oportunidades de crescimento. Os resultados eleitorais das autárquicas e europeias, se tivessem sido convenientemente analisados, teriam revelado este processo de mudança que culminou no duplo resultado das legislativas e presidenciais. Sectores decisivos para a modernização de Portugal, como os jovens, a classe média urbana, os trabalhadores qualificados, os "novos profissionais", afastaram-se do PSD não reconhecendo nos comportamentos do partido correspondência com a linguagem de modernização que ele usava. Esta tornou-se por isso, a seus olhos, uma retórica.

A governação socialista está a introduzir na vida portuguesa efeitos negativos que devem ter a oposição clara do PSD. Eles revelam a inexistência de um pensamento de Estado no PS, uma grande confusão de objectivos políticos, o efeito negativo de um longo passado de compromissos demagógicos.

Os efeitos previsíveis da política orçamental do governo socialista irão contribuir para um considerável agravamento do desemprego . Tal processo será particularmente sentido nas grandes áreas metropolitanas e tornar-se-á um poderoso factor de instabilidade social. As famílias socialmente mais frágeis, muitas delas em situação de clara insolvência, são as mais expostas à tendência crescente do desemprego, bem como aos fenómenos de insegurança, da droga e consequente exclusão social. A recente política socialista de desinvestimento nas infraestruturas públicas tem como corolário um agravamento das condições de vida destas famílias.

O progresso da situação das mulheres e a construção da igualdade para homens e mulheres é um problema da sociedade, um problema de direitos humanos e um problema de justiça social. É sobre as mulheres que se exercem formas específicas de violência de carácter físico, psicológico ou sexual. Para além disso, é sobre as mulheres que pesa o ónus do trabalho socialmente desvalorizado e são elas as vítimas privilegiadas dos fenómenos da pobreza e da exclusão social. O desemprego aprofundará todas estas desigualdades.

Os jobs for the boys são um elemento identificador da política socialista e os dez anos de oposição não lhes retiram nem a vontade, nem a apetência, para a utilização do Estado como património partidário. A ocupação do Estado está, aliás, a atingir caminhos que só estão escondidos na opinião pública pela aparente oposição do Primeiro Ministro. Dizemos aparente, porque ele não pode de facto ignorar o que se está a passar.

Defendemos que, de uma vez por todas, se avance no sentido de definir com clareza quais são os lugares que implicam confiança política e quais devem ser de carreira na função pública . Os primeiros implicam uma relação de confiança que certamente mudará com a alternância política, os segundos implicam critérios de competência específica, de carreira e de concursos públicos.

Do mesmo modo, é de contrariar a crescente tendência para a neo-corporativização da vida política portuguesa com a tentativa de curto-circuitar as instâncias político-parlamentares a favor de um "diálogo" directo do poder político com as "forças sociais", e com a realização de acordos políticos com essas "forças" que depois se apresentam como factos consumados à Assembleia da República. Estes comportamentos são bem recebidos pelos grupos de interesse organizados porque lhe dão um papel extra-parlamentar, na governação. O Governo socialista chegou aliás a afirmar que nada havia a fazer ao seu Orçamento de Estado, dado que à volta dele haveria um "consenso social" que não devia ser "contrariado" pelas decisões políticas no parlamento. O comportamento do PP, actuando também como representante de certos interesses sociais e de lobbies , reforçou esta tendência. No limite este tipo de actuação nega a própria validade de uma oposição política, e insere-se numa desvalorização da própria actividade política em si.

A pretexto de uma defesa ideológica do "diálogo" o governo não só tem favorecido a corporativização da vida pública portuguesa, como tem conduzido a uma dissolução da autonomia do Estado face aos mecanismos da sociedade civil, e à destruição nesse Estado das mediações que implicam competências e responsabilidades . No seu afã intervencionista e "dialogante", coloca-se na posição de primeiro responsável e parte,- muitas vezes através da própria presença física dos governantes in loco -, de todos os processos conflituais da sociedade desautorizando outros corpos do Estado (juízes, magistrados, responsáveis nos organismos estatais por inspecções, inquéritos, autarquias, etc.). Esta actuação favorece a conflitualidade, incentiva as decisões pontuais e discricionárias de Ministros e Secretários de Estado, ao sabor do momento, e desresponsabiliza a própria sociedade, que encontra no endosso de responsabilidades ao Estado uma espécie de panaceia universal para todos os problemas. No caso das empresas, esta atitude gera um intervencionismo do Estado, perigoso para o funcionamento normal da economia de mercado.

3.2. Reformas necessárias

O PSD é um partido reformista. Ser reformista significa duas coisas: estar insatisfeito com o que está e ser capaz de propor alternativas consistentes com os problemas, formulados de modo a que se obtenha o apoio da maioria dos portugueses. O papel do PSD na vida política portuguesa depende da capacidade de o ser ou não. Sempre que abandonou ou menosprezou esta pulsão dos seus actos perdeu. Sempre que centrou a sua acção política na definição e na exigência de reformas tornou-se o partido central à volta do qual todo o debate público se trava.

O panorama urbano em Portugal alterou-se de forma substancial nos últimos 10 anos. As mudanças verificadas na agricultura e expansão de infraestruturas rodoviárias contribuiram decisivamente para o crescimento dos nossos centros urbanos. A abertura de novas universidades, novos serviços e novos mercados culturais e informativos, o aparecimento de formas modernas de comércio e de indústrias associadas aos tempos livres e ao lazer, impuseram novos ritmos no modo de vida dos cidadãos e massificaram de forma determinante os níveis de convivência das nossas cidades.

Estas mudanças, que contribuiram decisivamente para a modernização do nosso país, acarretaram também consequências negativas na qualidade de vida das populações dos principais centros urbanos , em especial nas zonas suburbanas das áreas metropolitanas. A densificação, o congestionamento, o crescimento caótico de urbanizações desqualificadas, a degradação do ambiente urbano, a insegurança, os bairros clandestinos e de barracas são exemplo gritantes desta realidade. A vida urbana tornou-se violenta e a violência foi banalizada pelos media .

A política de habitação deve ser uma das prioridades da nossa acção e discurso político , quer no que respeita à erradicação dos bairros de barracas, quer no tocante à reabilitação urbana dos bairros antigos. Mas importa ir mais além nesta matéria. O PSD deve defender, em termos locais, a criação de políticas municipais de habitação , em especial nos municípios que se têm alheado deliberadamente desta questão.

As políticas sociais devem assumir um papel determinante nas questões urbanas, pois são essenciais para combaterem os fenómenos de marginalização crescente de sectores sociais mais desprotegidos. A execução e incidência local dos vários programas nacionais lançados pelos Governos do PSD, deverá merecer a atenção crítica das estruturas do Partido, em especial as relativas à toxicodependência, pobreza e terceira idade.

Nas questões ambientais e para além das matérias relacionadas com o saneamento básico e tratamento de esgotos, recolha e tratamento de resíduos sólidos, deverá ser dada uma nova dimensão às questões relativas ao ruído, zonas verdes e qualidade dos acabamentos e arranjos exteriores das urbanizações.

A transparência dos processos de decisão em matéria urbanística é condição essencial para a credibilização do posicionamento do PSD nas questões urbanas. O PSD deve vincular os seus autarcas e os seus candidatos nas próximas eleições autárquicas a um compromisso de transparência, recusando e denunciando todas as situações que sejam lesivas para a qualidade de vida urbana, bem como situações de promiscuidade com sectores relacionados com a actividade imobiliária.

A criação de novos processos que visem a efectiva participação dos cidadãos, deve passar pela implementação de referendos locais ou pela criação de mecanismos de consulta obrigatória a moradores sobre decisões que lhes digam respeito.

Hoje, as autarquias debatem-se com realidades sociais cada vez mais complexas: os desafios colocados pelo equilíbrio ambiental, pela crescente exigência por uma maior qualidade urbana, a visibilidade social das disparidades regionais, as aspirações de valorização cultural das comunidades e a busca da sua identidade, entrelaçam-se com a maior mobilidade de bens, informação e pessoas, a atenuação da distância e o confronto com novos valores e novas condutas. Nesta perspectiva, os autarcas enfrentam problemas para os quais o actual quadro jurídico se apresenta obsoleto. Há que construir um novo modelo de gestão das autarquias que as ajude a superar as limitações financeiras em que se encontram e a limitação das suas competências actuais.

No mesmo sentido, importa consagrar o princípio da homogeneização das equipas dirigentes, a partir da simplificação do processo eleitoral: representação proporcional nas assembleias, representação maioritária nos executivos, constituídos a partir dos membros daquelas por escolha do cabeça da lista mais votada (Presidente da Câmara) . Com estas alterações pretende-se criar condições de maior eficácia, dignidade e responsabilidade aos executivos, ao mesmo tempo que se deve conferir maior poder de controlo e fiscalização às Assembleias. Estas propostas são consequentes com a governabilidade que se deseja aumentar no conjunto do sistema político.

É necessário clarificar a posição do PSD face ao tema da regionalização . O arrastamento da sua indefinição política fragiliza-nos enquanto maior partido da oposição. Nesta perspectiva torna-se urgente desencadear o debate generalizado sobre este problema que poderá culminar na realização de um referendo interno que permita a necessária clarificação. Questões sobre a delimitação das regiões, competências a descentralizar, órgãos a criar, a simultaneidade ou o diferimento na criação das diferentes regiões, são questões cuja complexidade não se compadece com a precipitação de quem levianamente prometeu, sem previamente estudar e avaliar as suas repercussões.

Não se poderá permitir que o processo de regionalização comprometa a estabilidade do sistema político, pelo que mais que a definição das relações com os poderes e a administração central, importa acautelar a sua interacção com os poderes periféricos, nomeadamente as autarquias. Neste sentido, o PSD deverá de forma responsável defender a ideia de que proceder a qualquer alteração institucional no sistema político, nomeadamente com a criação de regiões e estruturas administrativas e políticas regionais, sem implementar as alterações que sugerimos nas autarquias locais , revelar-se-á um factor de bloqueio e degradação destas.

Ao Estado cabe o reconhecimento de parceria social das organizações do cidadão-consumidor , assim como recusar o proteccionismo e as tendências monopolistas no domínio económico, que desvirtuam o respeito e soberania desse mesmo consumidor. Neste sentido importa pugnar por uma maior transparência dos critérios de aplicação e distribuição dos dinheiros públicos, bem como das medidas distorsoras do funcionamento do mercado.

A presença do Estado como gestor no campo social deverá diminuir em benefício de uma maior intervenção das instituições particulares de solidariedade social , cabendo-lhe apenas a função de regulador e fiscalizador. É de denunciar a tendência assistencialista da maior parte das intervenções do governo socialista neste domínio que acabam por sujeitar-se a uma lógica casuista em detrimento de acções estruturantes e coerentes.

Um dos problemas fundamentais da democracia portuguesa é a questão da justiça. Os portugueses têm cada vez menos confiança na administração da justiça, em grande parte porque esta é morosa. A falta de celeridade da justiça em Portugal é por isso geradora de injustiça, não cumprindo aqui o Estado as suas obrigações para com os cidadãos. São por isso urgentes as iniciativas no sentido de tornar mais rápido e eficaz o funcionamento dos tribunais.

Existiu um esforço realizado nos últimos dez anos pelos Governos social democratas de dotar o país com as infraestruturas necessárias ao desenvolvimento no sector da educação-rede de escolas, pavilhões desportivos, descentralização do ensino universitário, etc.. Importa salientar que esse investimento não está concluído. Há que adaptar a escola às novas tecnologias da informação e dotá-las do equipamento e condições de trabalho que permita formar as novas gerações para o século XXI. As "novas formas de iliteracia" apresentam-se mais propiciadoras de exclusão cultural e social que as antigas, pelo que compete ao Estado não deixar que à partida se consolidem os factores de diferenciação ao acesso a essas novas tecnologias.

De uma vez por todas, é necessário acabar com o experimentalismo pedagógico e conferir estabilidade e visibilidade ao sistema. Nesse sentido, importa investir na formação científica e pedagógica dos professores, única forma de respeitar a sua dignidade profissional e promover a sua responsabilização cívica perante as comunidades e o país. Esse objectivo deverá assentar nos princípios da formação em exercício e na continuidade das acções de actualização científica.

Outro elemento essencial de modernização do sistema educativo deverá ser o da responsabilização da sociedade civil relativamente à sua renovação e qualificação . À escola tudo se tem pedido e pouco se tem dado. Promover uma maior participação da comunidade na vida e na gestão da escola assume assim um desafio para o qual importa encontrar as soluções mais adequadas. Os pais, as autarquias, as empresas, as paróquias, as associações cívicas, todos terão que assumir uma maior quota de responsabilidade relativamente ao funcionamento do sistema educativo.

O progressivo divórcio entre o meio universitário e o PSD precisa de ser superado. A dificuldade de consolidação de uma política clara para o ensino superior, dificultou a implementação de medidas cuja justiça poucos se atreverão a contestar, mas cuja oportunidade e alcance acabaram por ficar comprometidas. Há que desgovernamentalizar o ensino superior e criar mecanismos que , ao mesmo tempo, promovam uma maior autonomia das universidades públicas e a sua maior responsabilização . Distrinçar a conclusão do ensino secundário do processo de acesso ao ensino superior, remeter para as Universidades o poder de seleccionar e admitir os candidatos ao seu ingresso, eliminando-se assim qualquer limitação administrativa do número de candidatos a admitir, conferir-lhes o poder de estabelecer o valor das suas propinas, são algumas das medidas a defender na perspectiva do novo estatuto da autonomia universitária.

A cultura é hoje um elemento essencial de identidade nacional e juntamente com a língua portuguesa, um factor de coesão entre os portugueses no mundo. A relação particular da cultura com a criação, logo com a mudança do real pela imaginação e pelo sentimento, e com a educação através de uma relação mais enriquecedora com a vida toda, tornam-na um elemento simbólico que deve marcar toda a acção política. Não há política que transforme se não tiver um sentido que só a cultura dá.

Ao Estado compete no domínio da cultura três responsabilidades essenciais: uma responsabilidade patrimonial , pela qual se compromete a conservar e a transmitir os bens culturais; uma responsabilidade educativa na democratização pelo ensino da função cultural e artística e da educação do gosto; uma responsabilidade económica pelas indústrias culturais, que têm hoje, em particular, no mundo urbano, um peso já importante na economia.

O que o Estado não deve fazer no domínio da cultura é tornar-se um árbitro do gosto pelo que, podendo apoiar iniciativas de cultura "viva", deve-o fazer num quadro de independência quanto a escolhas que representam opções de carácter estético. Defendemos por isso a criação de um Conselho das Artes, com autonomia e assente no controlo pelos pares , que definam os critérios de subsidiação em sectores como os de cinema, teatro, artes plásticas, etc..

Nas relações entre o Estado moderno e a sociedade é hoje relevante o papel da comunicação social. As sociedades modernas são sociedades banhadas em informação, dependentes no seu tempo do tempo "real" da informação, cada vez mais moldadas nos seus comportamentos por padrões, imagens, ritmos impostos pela comunicação social, em particular pela televisão. A autonomia dos processos sociais, económicos, culturais e políticos é hoje afectada decisivamente pelos órgãos de comunicação social. A assunção por parte da comunicação social de um "poder", o "quarto poder", é mais um resultado de uma revolução tecnológica que deu origem a um poder de facto, do que de actos volitivos dos seus agentes. Mas que o poder existe, existe.

Por tudo isto, a posse dos órgãos de comunicação social significa a assunção de um poder cada vez mais efectivo, sufocando pela eficácia e pela "modernidade" dos seus meios, outras formas de exercício de poder. Se esse poder está na mão do sector privado, o mercado, as leis anti-trust do sector, e a auto-regulação dos jornalistas, são factores de pluralidade e diversidade. Se está nas mãos do Estado estes mecanismos de regulação não funcionam.

Daí que a pior das relações entre o Estado, materializado no exercício do poder político pelos governos, e a comunicação social é a da posse . A propriedade pelo Estado de órgãos de comunicação social torna inevitável a sua governamentalização e a utilização dos meios e recursos poderosos da informação (em particular da televisão) para defesa de interesses da parte, enquanto que o Estado é suposto representar os interesses de todos. Defendemos portanto a completa privatização dos órgãos de comunicação social do Estado, em particular dos dois canais de televisão e das estações de radiodifusão .

No entanto, como o espaço electromagnético é um bem público e limitado, ao Estado incumbe também zelar pelo interesse público no sector da comunicação audiovisual. Aí, pelo facto de passarem apenas a actuar operadores privados nem por isso deixam de existir necessidades públicas. Por isso impõe-se uma correlativa definição do serviço público a prestar por esses operadores privados como condição de acesso a esse mesmo espaço. A contrapartida da completa privatização dos órgãos de comunicação social do Estado é pois uma clara definição do serviço público entendido como obrigação contratual e a impor com rigor em todas as suas vertentes culturais, educacionais e sociais.

A urgência desta medida de privatização é evidente pelas distorções que gera nas condições de igualdade de acesso das diferentes forças políticas, ao debate público e pela correlativa manipulação de informação. É desde já patente na televisão e na rádio públicas, mas principalmente na televisão, que a uma governamentalização de todos os governos do passado, fossem do PS, fossem do PSD, sucede hoje uma governamentalização socialista. Os actuais responsáveis da televisão não só se preparam para continuar a usar o pretexto do "serviço público" para obter avultados financiamentos do Estado para uma televisão igual às outras, como uma análise do sector informativo (prioridades de agenda nos telejornais, censura de notícias, formas de tratamento dos actos do governo, adjectivação, etc.), revela já um forte controlo político-partidário da informação.

Este crescente papel da comunicação social na vida pública em geral não poderia deixar de provocar tensões e conflitos. O efeito prático da democratização da informação, permitindo uma sociedade civil mais informada, logo mais exigente, estabeleceu novos padrões para todos os comportamentos, em particular para os comportamentos políticos. A elevação do grau de exigência na vida pública é bem vinda. Pelo contrário, há em particular nos meios de comunicação social de massa como é a televisão, um efeito de superficialização, reduzindo a densidade dos actos a uma sucessão efémera de imagens e palavras seleccionadas pelo seu efeito anedótico ou espectacular, e consumidas numa voragem quotidiana que lhes retira o sentido.

Pela sua própria natureza de processo de intervenção social, com grande dinamismo e agressividade, o papel crescente da comunicação social pode levar a conflitos de direitos cada vez mais evidentes por exemplo na relação entre a imprensa e a vida privada ou os direitos de defesa. No entanto, pensamos que legislação restritiva e regulamentadora não é o meio adequado para confrontar esta situação.

Do mesmo modo defendemos a extinção de entidades com funções reguladoras da comunicação social como é o caso da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Pelo contrário, o Estado deve incentivar e apoiar os mecanismos de auto-regulação com iniciativa na própria comunicação social .

4. O PSD e as tarefas do XVIII Congresso

O PSD é um partido genuinamente português. Nasceu em Portugal, de problemas portugueses, das tradições portuguesas, e, como partido popular e democrático, associou-se ao que de mais profundo existe na cultura política espontânea dos portugueses.

Após quatro derrotas consecutivas, o PSD encontra-se num momento difícil da sua história. De primeiro partido português, maioritário nos diferentes níveis do poder político, o PSD depois de ter conseguido ser o principal motor da modernização da sociedade portuguesa, tornou-se minoritário. E acima de tudo, não acompanhou plenamente as mudanças operadas nessa mesma sociedade. Foi nas zonas metropolitanas e nos estratos sociais mais decisivos para a modernização do país, que o PSD perdeu influência e expressão eleitoral. Num e noutro caso, o PSD não foi capaz de fazer a sua própria reforma.

O PSD é hoje um partido de oposição. É oposição ao Governo, é oposição na maioria das autarquias e o candidato presidencial que apoiou perdeu as eleições. Esta situação segue-se a um longo período de permanência no poder, quer sózinho quer em coligações. Durante este período de exercício de poder, os recursos pessoais do partido foram naturalmente subordinados à prioridade das responsabilidades governativas. Isso, drenou o partido de muitos dirigentes e quadros e deu origem a carreiras políticas em que a componente governamental é muito mais significativa do que a militância partidária ou a acção politico-parlamentar. Esta tendência desequilibrou a intervenção pública do partido.

Por outro lado, o longo exercício do poder gerou no partido fenómenos de clientelismo que sendo inevitáveis num partido de poder, deveriam ter sido mais decisivamente combatidos. Os efeitos desta situação pagaram-se caro na opinião dos portugueses e afectaram a imagem do partido.

Um partido de oposição tem que alicerçar a sua acção em três vertentes complementares: i niciativa legislativa de propostas que representem a sua visão das soluções necessárias para os problemas do país; vigilância e crítica dos actos de governação ; participação em iniciativas populares de acção ou reivindicação cívica que representem uma reacção contra a injustiça ou de soluções coerentes com defesa do nosso programa e dos valores da social-democracia.

As prioridades naturais de actuação de um partido na oposição colocam o grupo parlamentar no centro da acção do PSD. É o grupo parlamentar que tem de realizar a dupla tarefa de produzir e implementar legislação que traduza na Assembleia da República, os pontos de vista programáticos do PSD e que garanta um acompanhamento cuidado da actividade do governo, e que permita o seu controlo. A relação entre a direcção e as estruturas do partido e o grupo parlamentar deve por isso ser próxima.

O partido, propriamente dito, tem que ter um terreno próprio e autónomo de actuação. É no partido que se realiza o primado da acção política enquanto afirmação de valores e princípios. Daí decorre uma pedagogia cívica. Os elementos dessa pedagogia cívica incluem o papel do exemplo individual, o prestígio profissional e político de cada militante, a consistência política e a coerência como forma de interiorização dos valores. Sem estes elementos não se conseguirá obter a influência social que a autoridade pessoal e política dão ao partido.

O Congresso do PSD tem como objectivo essencial definir uma estratégia para o PSD na oposição de modo a torná-lo o primeiro partido português . O próximo acto eleitoral, as eleições autárquicas , apresenta-se decisivo para os objectivos do PSD de voltar a desempenhar o papel de partido catalizador da modernização da sociedade portuguesa. O facto de se tratar de eleições para as autarquias exige uma responsabilidade acrescida atendendo a que se apresenta como primeiro teste à capacidade de regeneração do partido e de se tornar intérprete das mais profundas aspirações do povo português.

Nesta perspectiva importa que a escolha dos candidatos revele uma nova atitude: o PSD não poderá apresentar-se às próximas eleições autárquicas sem a convicção de que apresenta os melhores candidatos independentemente das expectativas dos resultados: os candidatos do PSD são candidatos para ganhar . O eleitorado não compreenderá o menor empenho no serviço à comunidade. O mesmo se poderá dizer se essas candidaturas não contribuírem com propostas inovadoras para a resolução dos problemas mais prementes que afectam as populações. Não basta pedir o voto do eleitor, há que dar ênfase às ideias e às soluções propostas para resolver esses problemas. Esta exigência é um teste que o PSD tem que passar.

O PSD é responsável pela representação de 34% do eleitorado nacional, correspondente aos que votaram em nós em Outubro de 1995 e de 46% que votaram no candidato à Presidência da República que apoiámos. Esses portugueses não se revêm no Governo socialista, e têm espaço num PSD renovado. A capacidade de corresponder à defesa e representação destes portugueses será tanto maior quanto o PSD conseguir regenerar-se no seu interior e posicionar-se, através da defesa dos seus valores, das suas ideias e dos seus projectos, no espectro político nacional.

Assim, a política de entendimentos com outros partidos e forças políticas a prosseguir deverá orientar-se pela defesa dos interesses das populações por critérios de coerência política, afastando soluções que reduzam o espaço político do PSD. Esses entendimentos deverão salvaguardar o equilíbrio e a posição de charneira do PSD, nunca hipotecando a conquista de um eleitorado "central" que é vital para qualquer vitória eleitoral.

Moção do PSD-Lisboa ao XVIII Congresso Nacional do PSD

Lisboa, Março de 1996

Foram recebidas para a elaboração desta moção contribuições colectivas e individuais dos militantes Maria João Sande Lemos, Tolentino da Luz, de um grupo de militantes da Secção A que inclui António Preto, Aurélio Crespo e Nunes de Carvalho; da Comissão Política da Secção I (Baixa de Lisboa); da Comissão Política da Secção B e da Comissão Política Distrital da JSD. Foram também incorporados no texto da moção sugestões orais recolhidas em diversas reuniões alargadas da Comissão Política Distrital. O texto apresentado na Assembleia Distrital é da responsabilidade da Comissão Política Distrital.

1 - A Europa no fim do século

2 - Desafio europeu de Portugal

3 - Portugal na segunda metade dos anos noventa

4 - O PSD e as tarefas do XVIII Congresso

PARA UMA NOVA CONFIANÇA DOS PORTUGUESES

1. A Europa no fim do século

No final do século XX adensa-se sobre a Europa a possibilidade real de uma série de conflitos regionais e de um recrudescimento de relações tensas com a Rússia. A queda do muro de Berlim e a dissolução do bloco comunista acabaram com a mundialização do conflito bipolar traçado pela separação da "cortina de ferro", mas em contrapartida agravaram a possibilidade de conflitos locais e regionais, sem resolver a possibilidade da Rússia permanecer como ameaça à segurança europeia.

A mundialização do conflito, de que a Europa democrática em que Portugal se integrava e as suas instituições - a OTAN e a Comunidade Europeia, era uma das partes - terminou. Mas iniciou-se um novo ciclo de conflitos regionais de que o exemplo mais evidente é o conflito jugoslavo.

Subitamente, sobre uma Europa dividida em dois desde o fim da II Guerra Mundial, surgiu uma Europa dividida em muitos. O traço escondido de muitas fronteiras nacionais esquecidas desde 1945 voltou a revelar-se e com ele um novo potencial de conflitos. Esta situação vai ser a principal condicionante das decisões da política europeia, nos próximos anos. Logo, também de Portugal .

A URSS terminou com o comunismo formal e as suas instituições - o partido, os sovietes, a própria "união soviética" - mas a Rússia não conseguiu ainda obter um sistema político democrático estável, um consenso popular para a democracia, uma economia de mercado, efectivas condições de liberdade política no conjunto do seu território. Das suas cinzas emergiu uma multiplicidade de Estados, alguns dos quais nações, onde por detrás de alguma descompressão política e de uma tímida liberalização da economia, permanecem inalteradas as estruturas de poder a nível local e regional herdadas do comunismo.

A Rússia tem vindo a assumir progressivamente, como sua política externa, a herança geopolítica da antiga URSS, como esta aliás também havia herdado o "espaço" do império czarista. Esta situação, patente de modo crescente nas posições da política externa russa e nos conflitos da política interna, com a influência cada vez mais significativa de nacionalistas e comunistas, é um risco para a segurança europeia. Ela será um risco a curto prazo para os países da ex-URSS, como por exemplo a Ucrânia, mas a prazo afectará toda a área do antigo Pacto de Varsóvia e poderá levar a instabilidade política ao Centro e Leste da Europa e daí a toda a Europa. O potencial de disrupção da guerra na ex-Jugoslávia, gerando tensões nas relações entre nações europeias e da Europa com os EUA, é disso um sinal premonitório.

A crise a Leste é uma crise social, política e nacional. A Europa comunitária tem especiais responsabilidades em responder aos elementos de crise social. Pode ter um papel no apoio

às forças democráticas - logo na mudança de carácter da actual crise política, ajudando através da diminuição da pressão social a impedir a tentação de lhe dar expressão política radical, nacionalista ou comunista - e um papel moderador nos conflitos nacionais.

Mas a sua intervenção tem que ser rápida, enquanto a crise social pode ser minimizada. Se a conflitualidade social se associar estritamente à crise política e esta encontrar no conflito nacional um factor de legitimação interna, a situação tornar-se-á incontrolável com sérios riscos para o conjunto da segurança europeia.

Por tudo isto, mais cedo ou mais tarde, a Europa unida terá que encarar seriamente o dilema de saber se vai "pagar" parte da crise do Leste, a exemplo do que fez a República Federal Alemã em relação à antiga República Democrática Alemã. Tal foi feito com uma severa penalização para a economia alemã, mas permitindo, a prazo, uma efectiva reunificação nacional. Não há outro caminho para diminuir o potencial de conflitos na Europa, que não passe pelo apoio decisivo à reconversão das economias pós-comunistas, como preço da paz.

A percepção dos custos elevadíssimos da reconversão económica, social e política dos países ex-comunistas, percebida pelo "preço" da unificação alemã, foi um factor importante na mudança de clima pró-europeu nas principais nações europeias, acabando com o optimismo associado à queda do muro de Berlim e ao Tratado da União Europeia.

O sentimento anti-Maastricht foi a reacção popular à indecisão, resultado da passagem de um optimismo excessivo a um pessimismo impotente, de muitos governantes europeus.

O "pagamento" em paz dos elevadíssimos custos da devastação comunista pode ter o preço ou de um Plano Marshall ou de uma significativa abertura dos mercados europeus às economias pós-comunistas. Quer num caso quer noutro, isso significará ou uma deslocação maciça de recursos das nações europeias unidas pelo Tratado - de todos, incluindo Portugal - para Leste ou o agravamento das condições de concorrência de muitos sectores da economia dos países da União Europeia em relação aos produtos mais baratos vindos do Leste. Em ambos os casos isto pode significar que, a partir do fim do século, os recursos disponíveis para a "coesão social" podem escassear e que para as nações do Tratado da União o dilema seja ou fazer este esforço económico, com custos sociais, ou entrar numa corrida armamentista, que pode ter iguais custos ou outros ainda piores.

Quando a Europa, até ao fim do século, se confrontar com clareza com este dilema é suposto que tenha já cumprido o essencial dos pressupostos económicos, sociais e políticos do Tratado da União: efectiva integração das economias das nações europeias, moeda única e implementação de uma política externa e de segurança comum.

Se não o tiver feito, as pressões para responder à insegurança vinda de Leste dividirão as nações europeias e poderão gerar novos sistemas de alianças, com recrudescimento de velhos nacionalismos no Ocidente da Europa. A pior das tentações será o retorno a novos sistemas de alianças competitivas "balcanizando" o Leste da Europa.

Nesse ambiente, a primeira das tentações será partir para uma Europa de duas velocidades, garantindo condições acrescidas de "eficácia" aos interesses nacionais dos países que ficaram no pelotão da frente da União Europeia e introduzindo não apenas as "duas velocidades" na política, mas também na economia, cavando o fosso entre os países da Europa do Norte e do Sul. Portugal não poderá deixar de estar onde a Espanha esteja, nas mesmas exactas condições de direitos e deveres nas instâncias da União Europeia.

Um facto suplementar de instabilidade na Europa é o crescendo fundamentalista no Norte de África, com ameaça directa à segurança da Europa do Sul. É uma situação que directamente afecta os interesses nacionais portugueses, quer através das repercussões directas na insegurança na Bacia do Mediterrâneo, ou na zona do Atlântico onde se encontram as ilhas, quer através das pressões migratórias vindas do Norte de África.

2. Desafio europeu de Portugal

Portugal é uma velha nação europeia, com fronteiras estáveis de há muitos séculos, com uma forte identidade nacional gerada pela história e suas tradições e por uma cultura e uma língua que traduzem uma área de influência que vai muito para além das fronteiras da nação.

Mas em contraste com uma identidade nacional incontestada, com a ausência de conflitos regionais e um sentimento de independência e soberania forte, Portugal é um país que no contexto europeu conhece significativos atrasos no seu desenvolvimento. O bem estar dos portugueses, o seu padrão de vida, a qualidade da sua economia e os seus factores de competitividade, estão muito atrás dos seus congéneres da União Europeia.

Pesem embora as significativas mudanças dos últimos anos - consolidação da democracia política e real desenvolvimento económico sustentado em condições de democracia - este atraso é o principal factor de fragilidade da nossa independência e soberania. A riqueza material de um povo, os seus recursos humanos, a qualificação do seu trabalho, a solidez da economia, vinda da sua competitividade, são em tempo de paz o principal critério da independência e da soberania de um povo e de uma nação. Não há independência na pobreza, nem soberania no isolamento .

Portugal, fora da Europa unida, com as fronteiras da União Europeia a coincidirem com as fronteiras de Espanha, com uma débil economia, protegida nas suas fraquezas, uma agricultura rudimentar, uma indústria vivendo de baixos salários e de tecnologias tradicionais seria pobre. Fechado nas suas fronteiras, autárcico, isolado, seria presa fácil para qualquer pressão, e dificilmente afirmaria os seus interesses nacionais.

Contrariamente ao que outros dizem, é pois a rápida modernização da nossa economia, acompanhando as outras nações, que constitui factor da defesa da nossa independência e soberania . O atraso de reformas estruturais proclamadas como necessárias por todos os reformadores desde o século XIX, tem resultado mais de debilidades do sistema político, da falta de vontade das elites, e da inexistência de uma verdadeira opinião pública, do que do desconhecimento do que é preciso fazer.

Por tudo isto, o desafio europeu que Portugal conscientemente aceitou, numa decisão política de longo alcance destinada a garantir a nossa democracia política e a sua sustentação numa sociedade civil e numa economia de mercado, é crucial para a afirmação da nossa independência e soberania . São em primeiro lugar razões políticas que o justificam, e só depois razões económicas e essas razões políticas decorrem da necessidade de defesa intransigente dos nossos interesses nacionais no mundo tal qual é, e não como desejaríamos que fosse.

É exactamente porque temos que manter intacta a nossa capacidade política que Portugal não pode deixar de na próxima Conferência Intergovernamental de se bater pela manutenção de rotatividade da Presidência do Conselho das Comunidades Europeias entre todos os Estados-membros, pela continuação do princípio de um comissário por Estado-membro e pela manutenção da regra da unanimidade em todas as matérias que são decisivas para a independência e soberania dos estados, como seja a política externa e segurança comum .

Justifica-se, pois, repensar a política externa e de segurança comum, enquanto mecanismo de concertação política de modo a multiplicar o número de situações internacionais para as quais a Europa apresenta uma visão comum conjugando vontades na busca da unanimidade.

É por isso também essencial a defesa do português como uma das línguas oficiais da União. Entendemos que assim se reforça o respeito pelas identidades nacionais e, nomeadamente, garantida a utilização oficial da Língua Portuguesa e a manutenção do regime linguístico vigente nas instituições da União, contribui-se para a afirmação de Portugal no mundo.

Sendo um projecto político de democracias compreende-se que tenha entre os seus objectivos a consolidação da cidadania europeia. Importa aprofundar os direitos já reconhecidos, garantindo a não discriminação entre pessoas portadoras da cidadania de um estado membro da União. A cidadania europeia abre novas oportunidades aos que trabalham, estudam ou viajam fora do país.

Os sacrifícios que o cumprimento dos "critérios de convergência" podem significar a curto prazo, são essenciais para que Portugal possa ultrapassar o seu atraso histórico e possa estar onde os seus interesses vitais no plano económico, social e político, devem ser defendidos. Seria cegueira ceder às naturais pressões advindas das dificuldades de adaptação a essa economia aberta e competitiva, com o mito de que o proteccionismo nos protegeria de alguma coisa. O proteccionismo só protege os nossos defeitos e abafa as nossas qualidades. O preço que mais cedo ou mais tarde teríamos que pagar seria elevadíssimo.

É decisivo para Portugal que no momento em que a Europa tenha que defrontar o problema global do Leste haja capacidade para estar, ou no pelotão da frente caso possa haver uma "Europa a duas velocidades", ou em condições de influenciar qualquer decisão de modo a nela defender o seu interesse nacional. Só assim Portugal pode, sem egoísmo nacional, mas integrado numa política europeia adulta, de que somos parte inteira com iguais deveres e direitos, continuar a defender uma política de "coesão" que não ponha em causa os nossos interesses. Só a preservação da nossa autoridade política justificará a capacidade reivindicativa que tivemos.

Esta capacidade de defesa dos novos interesses nacionais tem que acompanhar o consequente reforço das instituições europeias e da unidade da Europa. Defendemos o princípio do alargamento do qual não pode resultar o enfraquecimento da Europa . Defendemos a necessidade da União Europeia se alargar a todos os Estados da Europa que reunam as condições suficientes para assumir a totalidade do acervo comunitário. O alargamento deve obedecer a um processo de integração harmonioso que não perturbe os equilíbrios institucionais vigentes e não ponha em causa o princípio da coesão económica e social.

Acresce que mesmo que se admitisse que a União Europeia recuasse no cumprimento do Tratado e o revisse nos seus objectivos e nos seus tempos nem por isso, o sentido global da modernização da nossa economia deixaria de passar por medidas do idêntico carácter àquelas que nos são exigidas pelos critérios de "convergência": diminuição da despesa pública, cortes nos déficits , abertura da economia ao exterior, aumentos de competitividade.

A única questão que se pode colocar não é pois a da substância das medidas exigidas para a convergência das economias europeias dado o seu carácter racionalizador para a própria economia portuguesa mas apenas o seu timing , sendo que também este só deve ser alterado se tal significar apenas o reconhecimento das dificuldades de alguns países no seu cumprimento e não deixar dúvida sobre o sentido global dos objectivos do Tratado da União.

A moeda única representa a resposta da Europa à actual lógica de competição económica internacional. Ela é fundamental para a construção de uma Europa próspera e coesa e constitui uma peça fundamental para a modernização de Portugal. Alcançar este objectivo reforçará a nossa credibilidade e benificiará cidadãos, empresas e, de um modo geral, a actividade económica.

3. Portugal na segunda metade dos anos noventa

3.1. Caracteristicas da situação política actual

O PSD governou Portugal em condições de maioria durante dez anos. Nesses anos, o país conheceu o seu mais longo e consistente período de desenvolvimento em condições de democracia: as mudanças significativas operadas nas infraestruturas do país, as reformas no domínio da fiscalidade, o fim da economia socializada, a privatização dos órgãos de comunicação social, etc. São tudo sinais das mudanças destes últimos dez anos. A paisagem económica e social do país registou o surgimento de verdadeiras pequenas cidades no interior com polos universitários locais, com comércio moderno, padrões de consumo sem paralelo com o passado, oferta de bens e serviços. Muito daquilo que era a "antiga" miséria dos campos portugueses desapareceu. Um sistema de segurança social foi finalmente implementado.

Trata-se por isso de, um período único na vida portuguesa que certamente servirá de referência para a acção governativa posterior, que com ele será comparado pelos portugueses.

Até ao início da década de 90 tudo empurrava o PSD para assumir um papel central na vida pública portuguesa. O peso que as chamadas "conquistas da revolução", em particular as nacionalizações tinham no bloqueamento de uma economia democrática, davam ao PSD um papel decisivo no processo reformista. O PS, preso nos complexos de esquerda de que não foi capaz de se libertar desde 1975, protelou, com elevados custos para o bem estar dos portugueses e para a modernização da nossa economia. A revisão constitucional que permitisse retirar a economia portuguesa das soluções socializantes de 1975 só foi possível em 1989. A incapacidade de fazer reformas secundarizou o PS na vida política portuguesa.

Mas depois da revisão constitucional de 1989 tornara-se claro que um novo ciclo da vida política se abria , dominado por outras necessidades e por condições de competitividade da acção política muito mais duras e exigentes. A uma sociedade civil mais forte tinha que corresponder um Estado melhor, e uma governação de maior qualidade. Os métodos e as formas tradicionais da acção partidária revelavam-se ineficazes.

Por todo o lado, o embate da abertura da nossa economia e da aceleração da integração europeia conduziram inevitavelmente a novas tensões na sociedade portuguesa. Essas tensões ganhariam um cunho anti-europeu, se não existisse um clima de debate e de participação pública, que permitisse o seu esclarecimento.

Tal não aconteceu. O PSD foi apanhado desprevenido pela passagem dos problemas europeus de questões de política externa para questões de política interna.

Foi exactamente aproveitando essa incapacidade do PSD de corresponder, por um lado, à exigência de qualidade crescente na vida pública portuguesa; por outro, de compreender o crescendo de tensões provocada pelo processo de integração da nossa economia no mercado único, que o PS e o PP tiveram as suas oportunidades de crescimento. Os resultados eleitorais das autárquicas e europeias, se tivessem sido convenientemente analisados, teriam revelado este processo de mudança que culminou no duplo resultado das legislativas e presidenciais. Sectores decisivos para a modernização de Portugal, como os jovens, a classe média urbana, os trabalhadores qualificados, os "novos profissionais", afastaram-se do PSD não reconhecendo nos comportamentos do partido correspondência com a linguagem de modernização que ele usava. Esta tornou-se por isso, a seus olhos, uma retórica.

A governação socialista está a introduzir na vida portuguesa efeitos negativos que devem ter a oposição clara do PSD. Eles revelam a inexistência de um pensamento de Estado no PS, uma grande confusão de objectivos políticos, o efeito negativo de um longo passado de compromissos demagógicos.

Os efeitos previsíveis da política orçamental do governo socialista irão contribuir para um considerável agravamento do desemprego . Tal processo será particularmente sentido nas grandes áreas metropolitanas e tornar-se-á um poderoso factor de instabilidade social. As famílias socialmente mais frágeis, muitas delas em situação de clara insolvência, são as mais expostas à tendência crescente do desemprego, bem como aos fenómenos de insegurança, da droga e consequente exclusão social. A recente política socialista de desinvestimento nas infraestruturas públicas tem como corolário um agravamento das condições de vida destas famílias.

O progresso da situação das mulheres e a construção da igualdade para homens e mulheres é um problema da sociedade, um problema de direitos humanos e um problema de justiça social. É sobre as mulheres que se exercem formas específicas de violência de carácter físico, psicológico ou sexual. Para além disso, é sobre as mulheres que pesa o ónus do trabalho socialmente desvalorizado e são elas as vítimas privilegiadas dos fenómenos da pobreza e da exclusão social. O desemprego aprofundará todas estas desigualdades.

Os jobs for the boys são um elemento identificador da política socialista e os dez anos de oposição não lhes retiram nem a vontade, nem a apetência, para a utilização do Estado como património partidário. A ocupação do Estado está, aliás, a atingir caminhos que só estão escondidos na opinião pública pela aparente oposição do Primeiro Ministro. Dizemos aparente, porque ele não pode de facto ignorar o que se está a passar.

Defendemos que, de uma vez por todas, se avance no sentido de definir com clareza quais são os lugares que implicam confiança política e quais devem ser de carreira na função pública . Os primeiros implicam uma relação de confiança que certamente mudará com a alternância política, os segundos implicam critérios de competência específica, de carreira e de concursos públicos.

Do mesmo modo, é de contrariar a crescente tendência para a neo-corporativização da vida política portuguesa com a tentativa de curto-circuitar as instâncias político-parlamentares a favor de um "diálogo" directo do poder político com as "forças sociais", e com a realização de acordos políticos com essas "forças" que depois se apresentam como factos consumados à Assembleia da República. Estes comportamentos são bem recebidos pelos grupos de interesse organizados porque lhe dão um papel extra-parlamentar, na governação. O Governo socialista chegou aliás a afirmar que nada havia a fazer ao seu Orçamento de Estado, dado que à volta dele haveria um "consenso social" que não devia ser "contrariado" pelas decisões políticas no parlamento. O comportamento do PP, actuando também como representante de certos interesses sociais e de lobbies , reforçou esta tendência. No limite este tipo de actuação nega a própria validade de uma oposição política, e insere-se numa desvalorização da própria actividade política em si.

A pretexto de uma defesa ideológica do "diálogo" o governo não só tem favorecido a corporativização da vida pública portuguesa, como tem conduzido a uma dissolução da autonomia do Estado face aos mecanismos da sociedade civil, e à destruição nesse Estado das mediações que implicam competências e responsabilidades . No seu afã intervencionista e "dialogante", coloca-se na posição de primeiro responsável e parte,- muitas vezes através da própria presença física dos governantes in loco -, de todos os processos conflituais da sociedade desautorizando outros corpos do Estado (juízes, magistrados, responsáveis nos organismos estatais por inspecções, inquéritos, autarquias, etc.). Esta actuação favorece a conflitualidade, incentiva as decisões pontuais e discricionárias de Ministros e Secretários de Estado, ao sabor do momento, e desresponsabiliza a própria sociedade, que encontra no endosso de responsabilidades ao Estado uma espécie de panaceia universal para todos os problemas. No caso das empresas, esta atitude gera um intervencionismo do Estado, perigoso para o funcionamento normal da economia de mercado.

3.2. Reformas necessárias

O PSD é um partido reformista. Ser reformista significa duas coisas: estar insatisfeito com o que está e ser capaz de propor alternativas consistentes com os problemas, formulados de modo a que se obtenha o apoio da maioria dos portugueses. O papel do PSD na vida política portuguesa depende da capacidade de o ser ou não. Sempre que abandonou ou menosprezou esta pulsão dos seus actos perdeu. Sempre que centrou a sua acção política na definição e na exigência de reformas tornou-se o partido central à volta do qual todo o debate público se trava.

O panorama urbano em Portugal alterou-se de forma substancial nos últimos 10 anos. As mudanças verificadas na agricultura e expansão de infraestruturas rodoviárias contribuiram decisivamente para o crescimento dos nossos centros urbanos. A abertura de novas universidades, novos serviços e novos mercados culturais e informativos, o aparecimento de formas modernas de comércio e de indústrias associadas aos tempos livres e ao lazer, impuseram novos ritmos no modo de vida dos cidadãos e massificaram de forma determinante os níveis de convivência das nossas cidades.

Estas mudanças, que contribuiram decisivamente para a modernização do nosso país, acarretaram também consequências negativas na qualidade de vida das populações dos principais centros urbanos , em especial nas zonas suburbanas das áreas metropolitanas. A densificação, o congestionamento, o crescimento caótico de urbanizações desqualificadas, a degradação do ambiente urbano, a insegurança, os bairros clandestinos e de barracas são exemplo gritantes desta realidade. A vida urbana tornou-se violenta e a violência foi banalizada pelos media .

A política de habitação deve ser uma das prioridades da nossa acção e discurso político , quer no que respeita à erradicação dos bairros de barracas, quer no tocante à reabilitação urbana dos bairros antigos. Mas importa ir mais além nesta matéria. O PSD deve defender, em termos locais, a criação de políticas municipais de habitação , em especial nos municípios que se têm alheado deliberadamente desta questão.

As políticas sociais devem assumir um papel determinante nas questões urbanas, pois são essenciais para combaterem os fenómenos de marginalização crescente de sectores sociais mais desprotegidos. A execução e incidência local dos vários programas nacionais lançados pelos Governos do PSD, deverá merecer a atenção crítica das estruturas do Partido, em especial as relativas à toxicodependência, pobreza e terceira idade.

Nas questões ambientais e para além das matérias relacionadas com o saneamento básico e tratamento de esgotos, recolha e tratamento de resíduos sólidos, deverá ser dada uma nova dimensão às questões relativas ao ruído, zonas verdes e qualidade dos acabamentos e arranjos exteriores das urbanizações.

A transparência dos processos de decisão em matéria urbanística é condição essencial para a credibilização do posicionamento do PSD nas questões urbanas. O PSD deve vincular os seus autarcas e os seus candidatos nas próximas eleições autárquicas a um compromisso de transparência, recusando e denunciando todas as situações que sejam lesivas para a qualidade de vida urbana, bem como situações de promiscuidade com sectores relacionados com a actividade imobiliária.

A criação de novos processos que visem a efectiva participação dos cidadãos, deve passar pela implementação de referendos locais ou pela criação de mecanismos de consulta obrigatória a moradores sobre decisões que lhes digam respeito.

Hoje, as autarquias debatem-se com realidades sociais cada vez mais complexas: os desafios colocados pelo equilíbrio ambiental, pela crescente exigência por uma maior qualidade urbana, a visibilidade social das disparidades regionais, as aspirações de valorização cultural das comunidades e a busca da sua identidade, entrelaçam-se com a maior mobilidade de bens, informação e pessoas, a atenuação da distância e o confronto com novos valores e novas condutas. Nesta perspectiva, os autarcas enfrentam problemas para os quais o actual quadro jurídico se apresenta obsoleto. Há que construir um novo modelo de gestão das autarquias que as ajude a superar as limitações financeiras em que se encontram e a limitação das suas competências actuais.

No mesmo sentido, importa consagrar o princípio da homogeneização das equipas dirigentes, a partir da simplificação do processo eleitoral: representação proporcional nas assembleias, representação maioritária nos executivos, constituídos a partir dos membros daquelas por escolha do cabeça da lista mais votada (Presidente da Câmara) . Com estas alterações pretende-se criar condições de maior eficácia, dignidade e responsabilidade aos executivos, ao mesmo tempo que se deve conferir maior poder de controlo e fiscalização às Assembleias. Estas propostas são consequentes com a governabilidade que se deseja aumentar no conjunto do sistema político.

É necessário clarificar a posição do PSD face ao tema da regionalização . O arrastamento da sua indefinição política fragiliza-nos enquanto maior partido da oposição. Nesta perspectiva torna-se urgente desencadear o debate generalizado sobre este problema que poderá culminar na realização de um referendo interno que permita a necessária clarificação. Questões sobre a delimitação das regiões, competências a descentralizar, órgãos a criar, a simultaneidade ou o diferimento na criação das diferentes regiões, são questões cuja complexidade não se compadece com a precipitação de quem levianamente prometeu, sem previamente estudar e avaliar as suas repercussões.

Não se poderá permitir que o processo de regionalização comprometa a estabilidade do sistema político, pelo que mais que a definição das relações com os poderes e a administração central, importa acautelar a sua interacção com os poderes periféricos, nomeadamente as autarquias. Neste sentido, o PSD deverá de forma responsável defender a ideia de que proceder a qualquer alteração institucional no sistema político, nomeadamente com a criação de regiões e estruturas administrativas e políticas regionais, sem implementar as alterações que sugerimos nas autarquias locais , revelar-se-á um factor de bloqueio e degradação destas.

Ao Estado cabe o reconhecimento de parceria social das organizações do cidadão-consumidor , assim como recusar o proteccionismo e as tendências monopolistas no domínio económico, que desvirtuam o respeito e soberania desse mesmo consumidor. Neste sentido importa pugnar por uma maior transparência dos critérios de aplicação e distribuição dos dinheiros públicos, bem como das medidas distorsoras do funcionamento do mercado.

A presença do Estado como gestor no campo social deverá diminuir em benefício de uma maior intervenção das instituições particulares de solidariedade social , cabendo-lhe apenas a função de regulador e fiscalizador. É de denunciar a tendência assistencialista da maior parte das intervenções do governo socialista neste domínio que acabam por sujeitar-se a uma lógica casuista em detrimento de acções estruturantes e coerentes.

Um dos problemas fundamentais da democracia portuguesa é a questão da justiça. Os portugueses têm cada vez menos confiança na administração da justiça, em grande parte porque esta é morosa. A falta de celeridade da justiça em Portugal é por isso geradora de injustiça, não cumprindo aqui o Estado as suas obrigações para com os cidadãos. São por isso urgentes as iniciativas no sentido de tornar mais rápido e eficaz o funcionamento dos tribunais.

Existiu um esforço realizado nos últimos dez anos pelos Governos social democratas de dotar o país com as infraestruturas necessárias ao desenvolvimento no sector da educação-rede de escolas, pavilhões desportivos, descentralização do ensino universitário, etc.. Importa salientar que esse investimento não está concluído. Há que adaptar a escola às novas tecnologias da informação e dotá-las do equipamento e condições de trabalho que permita formar as novas gerações para o século XXI. As "novas formas de iliteracia" apresentam-se mais propiciadoras de exclusão cultural e social que as antigas, pelo que compete ao Estado não deixar que à partida se consolidem os factores de diferenciação ao acesso a essas novas tecnologias.

De uma vez por todas, é necessário acabar com o experimentalismo pedagógico e conferir estabilidade e visibilidade ao sistema. Nesse sentido, importa investir na formação científica e pedagógica dos professores, única forma de respeitar a sua dignidade profissional e promover a sua responsabilização cívica perante as comunidades e o país. Esse objectivo deverá assentar nos princípios da formação em exercício e na continuidade das acções de actualização científica.

Outro elemento essencial de modernização do sistema educativo deverá ser o da responsabilização da sociedade civil relativamente à sua renovação e qualificação . À escola tudo se tem pedido e pouco se tem dado. Promover uma maior participação da comunidade na vida e na gestão da escola assume assim um desafio para o qual importa encontrar as soluções mais adequadas. Os pais, as autarquias, as empresas, as paróquias, as associações cívicas, todos terão que assumir uma maior quota de responsabilidade relativamente ao funcionamento do sistema educativo.

O progressivo divórcio entre o meio universitário e o PSD precisa de ser superado. A dificuldade de consolidação de uma política clara para o ensino superior, dificultou a implementação de medidas cuja justiça poucos se atreverão a contestar, mas cuja oportunidade e alcance acabaram por ficar comprometidas. Há que desgovernamentalizar o ensino superior e criar mecanismos que , ao mesmo tempo, promovam uma maior autonomia das universidades públicas e a sua maior responsabilização . Distrinçar a conclusão do ensino secundário do processo de acesso ao ensino superior, remeter para as Universidades o poder de seleccionar e admitir os candidatos ao seu ingresso, eliminando-se assim qualquer limitação administrativa do número de candidatos a admitir, conferir-lhes o poder de estabelecer o valor das suas propinas, são algumas das medidas a defender na perspectiva do novo estatuto da autonomia universitária.

A cultura é hoje um elemento essencial de identidade nacional e juntamente com a língua portuguesa, um factor de coesão entre os portugueses no mundo. A relação particular da cultura com a criação, logo com a mudança do real pela imaginação e pelo sentimento, e com a educação através de uma relação mais enriquecedora com a vida toda, tornam-na um elemento simbólico que deve marcar toda a acção política. Não há política que transforme se não tiver um sentido que só a cultura dá.

Ao Estado compete no domínio da cultura três responsabilidades essenciais: uma responsabilidade patrimonial , pela qual se compromete a conservar e a transmitir os bens culturais; uma responsabilidade educativa na democratização pelo ensino da função cultural e artística e da educação do gosto; uma responsabilidade económica pelas indústrias culturais, que têm hoje, em particular, no mundo urbano, um peso já importante na economia.

O que o Estado não deve fazer no domínio da cultura é tornar-se um árbitro do gosto pelo que, podendo apoiar iniciativas de cultura "viva", deve-o fazer num quadro de independência quanto a escolhas que representam opções de carácter estético. Defendemos por isso a criação de um Conselho das Artes, com autonomia e assente no controlo pelos pares , que definam os critérios de subsidiação em sectores como os de cinema, teatro, artes plásticas, etc..

Nas relações entre o Estado moderno e a sociedade é hoje relevante o papel da comunicação social. As sociedades modernas são sociedades banhadas em informação, dependentes no seu tempo do tempo "real" da informação, cada vez mais moldadas nos seus comportamentos por padrões, imagens, ritmos impostos pela comunicação social, em particular pela televisão. A autonomia dos processos sociais, económicos, culturais e políticos é hoje afectada decisivamente pelos órgãos de comunicação social. A assunção por parte da comunicação social de um "poder", o "quarto poder", é mais um resultado de uma revolução tecnológica que deu origem a um poder de facto, do que de actos volitivos dos seus agentes. Mas que o poder existe, existe.

Por tudo isto, a posse dos órgãos de comunicação social significa a assunção de um poder cada vez mais efectivo, sufocando pela eficácia e pela "modernidade" dos seus meios, outras formas de exercício de poder. Se esse poder está na mão do sector privado, o mercado, as leis anti-trust do sector, e a auto-regulação dos jornalistas, são factores de pluralidade e diversidade. Se está nas mãos do Estado estes mecanismos de regulação não funcionam.

Daí que a pior das relações entre o Estado, materializado no exercício do poder político pelos governos, e a comunicação social é a da posse . A propriedade pelo Estado de órgãos de comunicação social torna inevitável a sua governamentalização e a utilização dos meios e recursos poderosos da informação (em particular da televisão) para defesa de interesses da parte, enquanto que o Estado é suposto representar os interesses de todos. Defendemos portanto a completa privatização dos órgãos de comunicação social do Estado, em particular dos dois canais de televisão e das estações de radiodifusão .

No entanto, como o espaço electromagnético é um bem público e limitado, ao Estado incumbe também zelar pelo interesse público no sector da comunicação audiovisual. Aí, pelo facto de passarem apenas a actuar operadores privados nem por isso deixam de existir necessidades públicas. Por isso impõe-se uma correlativa definição do serviço público a prestar por esses operadores privados como condição de acesso a esse mesmo espaço. A contrapartida da completa privatização dos órgãos de comunicação social do Estado é pois uma clara definição do serviço público entendido como obrigação contratual e a impor com rigor em todas as suas vertentes culturais, educacionais e sociais.

A urgência desta medida de privatização é evidente pelas distorções que gera nas condições de igualdade de acesso das diferentes forças políticas, ao debate público e pela correlativa manipulação de informação. É desde já patente na televisão e na rádio públicas, mas principalmente na televisão, que a uma governamentalização de todos os governos do passado, fossem do PS, fossem do PSD, sucede hoje uma governamentalização socialista. Os actuais responsáveis da televisão não só se preparam para continuar a usar o pretexto do "serviço público" para obter avultados financiamentos do Estado para uma televisão igual às outras, como uma análise do sector informativo (prioridades de agenda nos telejornais, censura de notícias, formas de tratamento dos actos do governo, adjectivação, etc.), revela já um forte controlo político-partidário da informação.

Este crescente papel da comunicação social na vida pública em geral não poderia deixar de provocar tensões e conflitos. O efeito prático da democratização da informação, permitindo uma sociedade civil mais informada, logo mais exigente, estabeleceu novos padrões para todos os comportamentos, em particular para os comportamentos políticos. A elevação do grau de exigência na vida pública é bem vinda. Pelo contrário, há em particular nos meios de comunicação social de massa como é a televisão, um efeito de superficialização, reduzindo a densidade dos actos a uma sucessão efémera de imagens e palavras seleccionadas pelo seu efeito anedótico ou espectacular, e consumidas numa voragem quotidiana que lhes retira o sentido.

Pela sua própria natureza de processo de intervenção social, com grande dinamismo e agressividade, o papel crescente da comunicação social pode levar a conflitos de direitos cada vez mais evidentes por exemplo na relação entre a imprensa e a vida privada ou os direitos de defesa. No entanto, pensamos que legislação restritiva e regulamentadora não é o meio adequado para confrontar esta situação.

Do mesmo modo defendemos a extinção de entidades com funções reguladoras da comunicação social como é o caso da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Pelo contrário, o Estado deve incentivar e apoiar os mecanismos de auto-regulação com iniciativa na própria comunicação social .

4. O PSD e as tarefas do XVIII Congresso

O PSD é um partido genuinamente português. Nasceu em Portugal, de problemas portugueses, das tradições portuguesas, e, como partido popular e democrático, associou-se ao que de mais profundo existe na cultura política espontânea dos portugueses.

Após quatro derrotas consecutivas, o PSD encontra-se num momento difícil da sua história. De primeiro partido português, maioritário nos diferentes níveis do poder político, o PSD depois de ter conseguido ser o principal motor da modernização da sociedade portuguesa, tornou-se minoritário. E acima de tudo, não acompanhou plenamente as mudanças operadas nessa mesma sociedade. Foi nas zonas metropolitanas e nos estratos sociais mais decisivos para a modernização do país, que o PSD perdeu influência e expressão eleitoral. Num e noutro caso, o PSD não foi capaz de fazer a sua própria reforma.

O PSD é hoje um partido de oposição. É oposição ao Governo, é oposição na maioria das autarquias e o candidato presidencial que apoiou perdeu as eleições. Esta situação segue-se a um longo período de permanência no poder, quer sózinho quer em coligações. Durante este período de exercício de poder, os recursos pessoais do partido foram naturalmente subordinados à prioridade das responsabilidades governativas. Isso, drenou o partido de muitos dirigentes e quadros e deu origem a carreiras políticas em que a componente governamental é muito mais significativa do que a militância partidária ou a acção politico-parlamentar. Esta tendência desequilibrou a intervenção pública do partido.

Por outro lado, o longo exercício do poder gerou no partido fenómenos de clientelismo que sendo inevitáveis num partido de poder, deveriam ter sido mais decisivamente combatidos. Os efeitos desta situação pagaram-se caro na opinião dos portugueses e afectaram a imagem do partido.

Um partido de oposição tem que alicerçar a sua acção em três vertentes complementares: i niciativa legislativa de propostas que representem a sua visão das soluções necessárias para os problemas do país; vigilância e crítica dos actos de governação ; participação em iniciativas populares de acção ou reivindicação cívica que representem uma reacção contra a injustiça ou de soluções coerentes com defesa do nosso programa e dos valores da social-democracia.

As prioridades naturais de actuação de um partido na oposição colocam o grupo parlamentar no centro da acção do PSD. É o grupo parlamentar que tem de realizar a dupla tarefa de produzir e implementar legislação que traduza na Assembleia da República, os pontos de vista programáticos do PSD e que garanta um acompanhamento cuidado da actividade do governo, e que permita o seu controlo. A relação entre a direcção e as estruturas do partido e o grupo parlamentar deve por isso ser próxima.

O partido, propriamente dito, tem que ter um terreno próprio e autónomo de actuação. É no partido que se realiza o primado da acção política enquanto afirmação de valores e princípios. Daí decorre uma pedagogia cívica. Os elementos dessa pedagogia cívica incluem o papel do exemplo individual, o prestígio profissional e político de cada militante, a consistência política e a coerência como forma de interiorização dos valores. Sem estes elementos não se conseguirá obter a influência social que a autoridade pessoal e política dão ao partido.

O Congresso do PSD tem como objectivo essencial definir uma estratégia para o PSD na oposição de modo a torná-lo o primeiro partido português . O próximo acto eleitoral, as eleições autárquicas , apresenta-se decisivo para os objectivos do PSD de voltar a desempenhar o papel de partido catalizador da modernização da sociedade portuguesa. O facto de se tratar de eleições para as autarquias exige uma responsabilidade acrescida atendendo a que se apresenta como primeiro teste à capacidade de regeneração do partido e de se tornar intérprete das mais profundas aspirações do povo português.

Nesta perspectiva importa que a escolha dos candidatos revele uma nova atitude: o PSD não poderá apresentar-se às próximas eleições autárquicas sem a convicção de que apresenta os melhores candidatos independentemente das expectativas dos resultados: os candidatos do PSD são candidatos para ganhar . O eleitorado não compreenderá o menor empenho no serviço à comunidade. O mesmo se poderá dizer se essas candidaturas não contribuírem com propostas inovadoras para a resolução dos problemas mais prementes que afectam as populações. Não basta pedir o voto do eleitor, há que dar ênfase às ideias e às soluções propostas para resolver esses problemas. Esta exigência é um teste que o PSD tem que passar.

O PSD é responsável pela representação de 34% do eleitorado nacional, correspondente aos que votaram em nós em Outubro de 1995 e de 46% que votaram no candidato à Presidência da República que apoiámos. Esses portugueses não se revêm no Governo socialista, e têm espaço num PSD renovado. A capacidade de corresponder à defesa e representação destes portugueses será tanto maior quanto o PSD conseguir regenerar-se no seu interior e posicionar-se, através da defesa dos seus valores, das suas ideias e dos seus projectos, no espectro político nacional.

Assim, a política de entendimentos com outros partidos e forças políticas a prosseguir deverá orientar-se pela defesa dos interesses das populações por critérios de coerência política, afastando soluções que reduzam o espaço político do PSD. Esses entendimentos deverão salvaguardar o equilíbrio e a posição de charneira do PSD, nunca hipotecando a conquista de um eleitorado "central" que é vital para qualquer vitória eleitoral.

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