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29-01-2001
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29 de Novembro

London Smiles: Os Ramalhos

Agitam-se slogans com paladar de campanha eleitoral. Considerar empresas como instrumentos de soberania nacional, sem se explicar a sua racionalidade, poderá ser um deles. Admito que tal seja um facto, mas dogmas só em religião. por António de Almeida A continuação do arraial do "Big show" das eleições americanas, não conseguiu evitar que, em Portugal, na semana passada, dois Ramalhos estivessem em foco. Ramalho Eanes, incluído no grupo de pessoas que estimo. Pela sua indiscutível contribuição para o restabelecimento da democracia pluralista em Portugal. Pela forma como exerceu o cargo de Presidente da República. Pela recente republicana recusa do brasão de Marechal. Essa atitude impediu que à inflação de felizes comendadores, nomeadamente por gerirem bem a carga fiscal, se aditasse a de nobilíssimos marechais. Pela dignidade como suportou o inqualificável tratamento que grande parte da classe política lhe deu até Jorge Sampaio ter sido eleito Presidente. Tal como o Padre Melícias, o outro Ramalho tem como primeiro nome Vitor. No passado dia 23, concedeu ao Diário Económico uma interessante entrevista. Conheço Vítor Ramalho vai para algumas diuturnidades. Quando a pêra e o bigode ainda revelavam a angolana negritude de uma juventude que o tempo consome. Com a coerência, a isenção e a coragem que os mais chegados lhe reconhecem, produziu algumas afirmações que justificam reflexão. Falou de assuntos sensíveis. Como, por exemplo, a repulsa do PS relativamente a Daniel Campelo. Só um espírito muito mal formado poderia admitir que o PS aceitasse uma pessoa como o "Limiano King" para seu candidato em futuras eleições autárquicas. Nem o Paulo Portas deixava. Poderia, com conhecimento de causa, aflorar alguns temas da citada entrevista, mas relembrado dos tempos da Marinha, quando as vagas do Atlântico varriam o convés da Pero Escobar, limitar-me-ei a navegar pelas águas de uma importante frase produzida pelo entrevistado, «A Galp é um instrumento da nossa soberania». Não surpreenderia se tivesse afirmado o mesmo em relação à TAP, à CIMPOR, à EDP, à PT "and so on". Este populista discurso não precisa de grande criatividade para ter entusiástico acolhimento emocional junto das populações, ou, mais precisamente, junto dos eleitores. Não admira, pois, que se tenha transformado numa arma usada pelos exércitos de todos os partidos políticos. Empresas nacionais, centros de decisão nacionais e instrumentos de soberania são três chavões que se vendem bem politicamente. E estão interiorizados como dogmas políticos. A sua verdade não se discute nem tem de ser provada. Acresce que, bem geridos, deixam substanciais proveitos a uns poucos. As oposições do centro e da direita, as que atacaram violentamente o PS quando este andou a defender a intervenção do Estado na economia, berram pelas virtudes da economia de mercado. Clamam por menos Estado. Defendem a actuação dos agentes empresariais sem interferências do poder político. Consideram fundamental a liberdade de circulação de capitais. Mas, simultaneamente, batem-se por uma intervenção do Estado em determinadas empresas, as denominadas de estratégicas. Uma espécie de liberalismo intervencionista. Para as oposições de esquerda e extrema-esquerda, as que estão vinte e quatro horas de serviço contra a economia de mercado, as privatizações e a cedência do poder de grandes empresas a grupos privados, as medidas em vigor de salvaguarda da nossa soberania empresarial são consideradas insuficientes. Manter essas empresas como públicas ou com a maioria do capital nas mãos do Estado seria a solução adequada. A esquerda do centro ou o centro de esquerda, como todos os centros, procura marcar quando a bola vem da direita, apregoando o seu apego às privatizações e aos princípios da economia de mercado. Igualmente, quando o canto é marcado da esquerda, exibe as "golden shares" e os pactos parassociais como provas inequívocas da sua filosofia da manutenção do poder do Estado e, por essa via, da defesa dos instrumentos da nossa soberania. O problema não é exclusivamente português. Neste momento, representa uma complexa encruzilhada na construção do mercado único europeu e das suas relações com os países do bloco ex-soviético, nos quais se prega que as "golden shares" contrariam o espírito da transição para uma economia de mercado. Por alguma razão a Comissão anda tão preocupada com o uso e abuso das "golden shares". Queremos cidadãos europeus. Queremos uma solidariedade europeia. Queremos uma Força Rápida de Intervenção Europeia. Queremos uma economia de mercado. Queremos mercadorias e capitais que circulem livremente. Queremos uma moeda europeia. Queremos uma competitividade europeia. Queremos empresas europeias com dimensão global. Queremos um Estado árbitro e não actor da actividade empresarial. Mas queremos tudo isto conciliado com interesses empresariais nacionais, centros de decisão nacionais e intervenção do Estado através de "golden shares". Agitam-se slogans com paladar de campanha eleitoral. Considerar empresas como instrumentos de soberania nacional, sem se explicar a sua racionalidade, poderá ser um deles. Admito que tal seja um facto, mas dogmas só em religião. Por isso, justifica-se que o London Smiles, despretensiosamente, procure penetrar nas profundezas do raciocínio do meu Amigo Vitor Ramalho, quando afirmou que a Galp é um instrumento da nossa soberania. Se não me faltar a inspiração, fá-lo-ei na próxima crónica. ____ A coluna de António de Almeida, habitualmente publicada às quintas-feiras, sai nesta semana e na próxima semanas à quarta-feira em consequência dos feriados.

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Agitam-se slogans com paladar de campanha eleitoral. Considerar empresas como instrumentos de soberania nacional, sem se explicar a sua racionalidade, poderá ser um deles. Admito que tal seja um facto, mas dogmas só em religião. por António de Almeida A continuação do arraial do "Big show" das eleições americanas, não conseguiu evitar que, em Portugal, na semana passada, dois Ramalhos estivessem em foco. Ramalho Eanes, incluído no grupo de pessoas que estimo. Pela sua indiscutível contribuição para o restabelecimento da democracia pluralista em Portugal. Pela forma como exerceu o cargo de Presidente da República. Pela recente republicana recusa do brasão de Marechal. Essa atitude impediu que à inflação de felizes comendadores, nomeadamente por gerirem bem a carga fiscal, se aditasse a de nobilíssimos marechais. Pela dignidade como suportou o inqualificável tratamento que grande parte da classe política lhe deu até Jorge Sampaio ter sido eleito Presidente. Tal como o Padre Melícias, o outro Ramalho tem como primeiro nome Vitor. No passado dia 23, concedeu ao Diário Económico uma interessante entrevista. Conheço Vítor Ramalho vai para algumas diuturnidades. Quando a pêra e o bigode ainda revelavam a angolana negritude de uma juventude que o tempo consome. Com a coerência, a isenção e a coragem que os mais chegados lhe reconhecem, produziu algumas afirmações que justificam reflexão. Falou de assuntos sensíveis. Como, por exemplo, a repulsa do PS relativamente a Daniel Campelo. Só um espírito muito mal formado poderia admitir que o PS aceitasse uma pessoa como o "Limiano King" para seu candidato em futuras eleições autárquicas. Nem o Paulo Portas deixava. Poderia, com conhecimento de causa, aflorar alguns temas da citada entrevista, mas relembrado dos tempos da Marinha, quando as vagas do Atlântico varriam o convés da Pero Escobar, limitar-me-ei a navegar pelas águas de uma importante frase produzida pelo entrevistado, «A Galp é um instrumento da nossa soberania». Não surpreenderia se tivesse afirmado o mesmo em relação à TAP, à CIMPOR, à EDP, à PT "and so on". Este populista discurso não precisa de grande criatividade para ter entusiástico acolhimento emocional junto das populações, ou, mais precisamente, junto dos eleitores. Não admira, pois, que se tenha transformado numa arma usada pelos exércitos de todos os partidos políticos. Empresas nacionais, centros de decisão nacionais e instrumentos de soberania são três chavões que se vendem bem politicamente. E estão interiorizados como dogmas políticos. A sua verdade não se discute nem tem de ser provada. Acresce que, bem geridos, deixam substanciais proveitos a uns poucos. As oposições do centro e da direita, as que atacaram violentamente o PS quando este andou a defender a intervenção do Estado na economia, berram pelas virtudes da economia de mercado. Clamam por menos Estado. Defendem a actuação dos agentes empresariais sem interferências do poder político. Consideram fundamental a liberdade de circulação de capitais. Mas, simultaneamente, batem-se por uma intervenção do Estado em determinadas empresas, as denominadas de estratégicas. Uma espécie de liberalismo intervencionista. Para as oposições de esquerda e extrema-esquerda, as que estão vinte e quatro horas de serviço contra a economia de mercado, as privatizações e a cedência do poder de grandes empresas a grupos privados, as medidas em vigor de salvaguarda da nossa soberania empresarial são consideradas insuficientes. Manter essas empresas como públicas ou com a maioria do capital nas mãos do Estado seria a solução adequada. A esquerda do centro ou o centro de esquerda, como todos os centros, procura marcar quando a bola vem da direita, apregoando o seu apego às privatizações e aos princípios da economia de mercado. Igualmente, quando o canto é marcado da esquerda, exibe as "golden shares" e os pactos parassociais como provas inequívocas da sua filosofia da manutenção do poder do Estado e, por essa via, da defesa dos instrumentos da nossa soberania. O problema não é exclusivamente português. Neste momento, representa uma complexa encruzilhada na construção do mercado único europeu e das suas relações com os países do bloco ex-soviético, nos quais se prega que as "golden shares" contrariam o espírito da transição para uma economia de mercado. Por alguma razão a Comissão anda tão preocupada com o uso e abuso das "golden shares". Queremos cidadãos europeus. Queremos uma solidariedade europeia. Queremos uma Força Rápida de Intervenção Europeia. Queremos uma economia de mercado. Queremos mercadorias e capitais que circulem livremente. Queremos uma moeda europeia. Queremos uma competitividade europeia. Queremos empresas europeias com dimensão global. Queremos um Estado árbitro e não actor da actividade empresarial. Mas queremos tudo isto conciliado com interesses empresariais nacionais, centros de decisão nacionais e intervenção do Estado através de "golden shares". Agitam-se slogans com paladar de campanha eleitoral. Considerar empresas como instrumentos de soberania nacional, sem se explicar a sua racionalidade, poderá ser um deles. Admito que tal seja um facto, mas dogmas só em religião. Por isso, justifica-se que o London Smiles, despretensiosamente, procure penetrar nas profundezas do raciocínio do meu Amigo Vitor Ramalho, quando afirmou que a Galp é um instrumento da nossa soberania. Se não me faltar a inspiração, fá-lo-ei na próxima crónica. ____ A coluna de António de Almeida, habitualmente publicada às quintas-feiras, sai nesta semana e na próxima semanas à quarta-feira em consequência dos feriados.

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