A casa, pólo de invenção

18-04-2001
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A Casa, Pólo de Invenção

Sábado, 7 de Abril de 2001

Abrigo por excelência, a casa unifamiliar tem servido a arquitectura enquanto laboratório no ensaio de modelos gradualmente aplicados a outros programas mais complexos ou exigentes. Esgotados os estudos tipológicos sobre a organização interna da casa - desde que o Movimento Moderno destruiu os compartimentos da residência burguesa do século XIX ao desvalorizar o corredor enquanto estrutura de distribuição, aniquilando os espaços de transição, os vestíbulos e antecâmaras que preenchiam as moradias das elites europeias abastadas que não resistiram à Grande Guerra -, a arquitectura contemporânea tem procurado outros estímulos que permitam fazer do objecto casa um pólo de invenção. Encontrou-os sob variados pretextos. Estes exprimiram-se em projectos que revelam desde propósitos mais pragmáticos a manifestações diletantes, exercitando-se entre enunciados eminentemente operativos e argumentos eruditos. Exploraram, por exemplo, sistemas construtivos inovadores, como a pré-fabricação em territórios que dela carecem ainda hoje para usos mais colectivos (Casa Gerassi, Mendes da Rocha, Brasil, 1988). Envolveram-se em pesquisas sobre a possibilidade de reciclagem de novos materiais, num intuito que pode ser parcialmente interpretado como crítica ao desperdício e ao excesso da actual sociedade de consumo (Casa de Papel, Shigeru Ban, Japão, 1994). Promoveram a defesa do ambiente em edifícios que tentam não agredir a paisagem, em propostas que elegem a efemeridade da obra arquitectónica, opondo-se a gestos de carácter mais permanente (Casa em Aço, Grose Bradley, Austrália, 1996). Imiscuíram-se nos domínios de outras áreas do saber, como a matemática, usando-as enquanto tema de inspiração formal e programática (Casa Mobius, Ben van Berkel, Holanda, 1993). Reviveram continuamente a história da arquitectura recente, em aproximações cada vez mais requintadas e sofisticadas numa conquista de intemporalidade (Casa Vieira de Castro, Siza Vieira, Famalicão, 1984).

Nenhum destes temas foi trabalhado de modo isolado. Combinaram-se antes com a tradição de cada território, com as tecnologias disponíveis e, do ponto de vista dos novos programas, com a diminuição do núcleo familiar e sequente simplificação dos hábitos domésticos.

Em casas de utilização temporária, como a de Alenquer, as tradicionais áreas funcionais, repartidas entre estar, comer e dormir, foram muitas vezes agrupadas sob um único tecto, separando-se apenas as zonas de serviço, a cozinha e a casa de banho, numa gestão entre o "espaço que serve e aquele que é servido" (Casa de Carapicuíba, Andrade e Morettin, Brasil, 1997). Radicalizou-se o conceito numa casa "sem paredes", obra de Shigeru Ban (Japão, 1997), onde até as divisões fixas da casa de banho ou da cozinha foram eliminadas, substituídas por painéis móveis. Cada nova casa reafirma assim a vontade do seu autor de encontrar um caminho, de fazer vingar uma proposta para o nosso tempo. A.V.M.

A Casa, Pólo de Invenção

Sábado, 7 de Abril de 2001

Abrigo por excelência, a casa unifamiliar tem servido a arquitectura enquanto laboratório no ensaio de modelos gradualmente aplicados a outros programas mais complexos ou exigentes. Esgotados os estudos tipológicos sobre a organização interna da casa - desde que o Movimento Moderno destruiu os compartimentos da residência burguesa do século XIX ao desvalorizar o corredor enquanto estrutura de distribuição, aniquilando os espaços de transição, os vestíbulos e antecâmaras que preenchiam as moradias das elites europeias abastadas que não resistiram à Grande Guerra -, a arquitectura contemporânea tem procurado outros estímulos que permitam fazer do objecto casa um pólo de invenção. Encontrou-os sob variados pretextos. Estes exprimiram-se em projectos que revelam desde propósitos mais pragmáticos a manifestações diletantes, exercitando-se entre enunciados eminentemente operativos e argumentos eruditos. Exploraram, por exemplo, sistemas construtivos inovadores, como a pré-fabricação em territórios que dela carecem ainda hoje para usos mais colectivos (Casa Gerassi, Mendes da Rocha, Brasil, 1988). Envolveram-se em pesquisas sobre a possibilidade de reciclagem de novos materiais, num intuito que pode ser parcialmente interpretado como crítica ao desperdício e ao excesso da actual sociedade de consumo (Casa de Papel, Shigeru Ban, Japão, 1994). Promoveram a defesa do ambiente em edifícios que tentam não agredir a paisagem, em propostas que elegem a efemeridade da obra arquitectónica, opondo-se a gestos de carácter mais permanente (Casa em Aço, Grose Bradley, Austrália, 1996). Imiscuíram-se nos domínios de outras áreas do saber, como a matemática, usando-as enquanto tema de inspiração formal e programática (Casa Mobius, Ben van Berkel, Holanda, 1993). Reviveram continuamente a história da arquitectura recente, em aproximações cada vez mais requintadas e sofisticadas numa conquista de intemporalidade (Casa Vieira de Castro, Siza Vieira, Famalicão, 1984).

Nenhum destes temas foi trabalhado de modo isolado. Combinaram-se antes com a tradição de cada território, com as tecnologias disponíveis e, do ponto de vista dos novos programas, com a diminuição do núcleo familiar e sequente simplificação dos hábitos domésticos.

Em casas de utilização temporária, como a de Alenquer, as tradicionais áreas funcionais, repartidas entre estar, comer e dormir, foram muitas vezes agrupadas sob um único tecto, separando-se apenas as zonas de serviço, a cozinha e a casa de banho, numa gestão entre o "espaço que serve e aquele que é servido" (Casa de Carapicuíba, Andrade e Morettin, Brasil, 1997). Radicalizou-se o conceito numa casa "sem paredes", obra de Shigeru Ban (Japão, 1997), onde até as divisões fixas da casa de banho ou da cozinha foram eliminadas, substituídas por painéis móveis. Cada nova casa reafirma assim a vontade do seu autor de encontrar um caminho, de fazer vingar uma proposta para o nosso tempo. A.V.M.

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