Lisnave admite «volte-face»

03-12-2000
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Gerido há mais de 60 anos por empresas do grupo económico fundado por Alfredo da Silva, o estaleiro da Rocha do Conde de Óbidos foi o «berço» da Lisnave, que ali nasceu como empresa em 1961, e de projectos como os estaleiros da Margueira e da Mitrena

Para estes reformados da Rocha, o encerramento do estaleiro, aprazado para o último dia do ano, significa o fim daquela regalia, mas acima de tudo a perda de contacto com um local que conheceram ainda rapazes, quando começaram a trabalhar para o grupo fundado por Alfredo da Silva.

«Desgosto» foi a palavra escolhida por António Braga, de 76 anos, e Henrique dos Santos, de 74, para comentarem o fecho da casa-mãe da Lisnave, onde se formaram os operários que, mais tarde, fizeram a Margueira e a Mitrena. Os outros dois nem quiseram falar, que não lhes deverá ser fácil recordar mais de 60 anos de história, iniciados em 1 de Janeiro de 1937 com a obtenção, pela CUF, da concessão do estaleiro onde, volvidos 24 anos, acabou por nascer a Lisnave.

O desalento daqueles homens, os últimos reformados da Rocha, traduz com rigor o ambiente que se vive num estaleiro praticamente deserto com a transferência progressiva dos seus trabalhadores para a Margueira, também à beira da reforma e já em fase de desactivação. O fracasso das negociações entre a Administração do Porto de Lisboa (APL) e a Lisnave-Estaleiros Navais, S.A. relativas à execução das obras para o redimensionamento e remodelação das instalações acabou por ditar a saída da empresa da cidade de Lisboa. Por isso, os trabalhos na Rocha submetem-se agora ao calendário estabelecido protocolarmente em 1997 entre a APL e a Lisnave: devolução das instalações à APL, livres e desembaraçadas, até 31 de Dezembro. Teoricamente, resta ainda a hipótese de a concessão da exploração não ser adjudicada ao único consórcio que se apresentou ao concurso lançado pela APL (constituído pela Socarmar, Navaltagus e Socarfer), o que poderia levar ao reinício das negociações.

«A Lisnave está disponível para retomar as negociações com a Administração do Porto de Lisboa», afirma José Rodrigues, membro da administração da empresa. Como o equipamento pesado começará a ser retirado do estaleiro no início de Novembro, José Rodrigues aponta essa data como o prazo para uma eventual retoma dos contactos, de modo a que «os custos, desta feita da deslocação do material, não voltassem a inviabilizar as negociações». Com efeito, a APL e a Lisnave não se entenderam quanto a quem deveria suportar os custos das obras na Rocha para se dar cumprimento ao Plano de Reordenamento da Zona Ribeirinha (POZOR), que prevê a construção de uma via no local onde estão situadas as três oficinas do estaleiro e os edifícios administrativos, estruturas que teriam de ser erguidas noutra área do recinto. «Seria necessário um investimento superior a um milhão de contos, o que inviabilizava economicamente a operação do estaleiro. E nesta nova fase em que a Lisnave começa a reerguer a cabeça não faz sentido manter instalações que não sejam rendíveis», justifica José Rodrigues.

«É com algum dramatismo, mágoa e pesar bastante grandes que saímos da Rocha, onde estamos há mais de 60 anos», conclui. No entanto, por sentimentalismo ou por considerar que o assunto ainda não está definitivamente encerrado, a verdade é que o Grupo Mello ainda não fez o anúncio formal e oficial do fecho da Rocha, apesar de o calendário de desactivação continuar a ser cumprido e de ontem se ter realizado a primeira reunião da comissão de recebimento do estaleiro.

A imagem do fim

António Braga, de 76 anos, e Henrique Santos, de 74, eram ainda rapazes quando foram trabalhar para a Rocha

Tomé Simões, de 46 anos, na Lisnave desde 1970, está a fazer o fecho do estaleiro, cabendo-lhe controlar os materiais. Presentemente, enche caixotes com o material acumulado na sala de preparação mecânica de oficina e mecânica de bordo - que dar seguimento à reparação das últimas embarcações, três ou quatro até ao final do mês, deixa tempo para outras tarefas, principalmente a quem já perdeu a conta aos navios que passaram pela Rocha, milhar e meio só nos últimos dez anos.

Tomé Simões esteve na Margueira nos dois primeiros anos de empresa e, tal como os seus colegas, vai regressar ao estaleiro de Almada. Diz que esta mudança não lhe causa grande transtorno pessoal, mas o mesmo não se passará, quando a partir de Janeiro de 2001 tiver de se deslocar a Setúbal para trabalhar na Mitrena devido à desactivação da Margueira.

«No contrato dos trabalhadores da Rocha e da Margueira consta que podem trabalhar nos dois estaleiros, por isso esta deslocação não é uma coisa nova», explica Felipe Rua, que também pertence à Comissão de Trabalhadores (CT) da Lisnave. Foi também devido a essa prática que ninguém estranhou quando, há alguns meses, começou a transferência para Almada dos cerca de 250 trabalhadores a operarem na Rocha (aproximadamente metade da Lisnave e a outra da Gestnave, a empresa de prestação de serviços que absorveu a mão-de-obra da Lisnave considerada excedentária na sequência da reestruturação da empresa). «Desta vez não houve retorno e está a fazer-se um encerramento à distância», diz.

«A questão central - acrescenta Vicente Merendas, coordenador da CT - é que há um processo de reestruturação a decorrer desde Julho de 1997 do qual a Rocha faz parte, estando apenas previsto no protocolo celebrado entre o Estado português e o Grupo Mello o desaparecimento da Margueira».

Para Vicente Merendas, «o Governo tem responsabilidades porque, apesar de a reestruturação envolver importantes recursos financeiros públicos, assiste passivamente ao fecho de uma unidade industrial com a importância da Rocha».

O Governo nega essas responsabilidades. Vítor Ramalho, secretário de Estado-adjunto do ministro da Economia, afirma que «a saída da Lisnave da Rocha não viola o acordo do Estado com o Grupo Mello, tratando-se antes de um domínio de gestão interna da empresa. Para o Governo, era preciso salvaguardar que os trabalhadores não fossem minimamente afectados e isso está garantido».

Isabel Lopes

Gerido há mais de 60 anos por empresas do grupo económico fundado por Alfredo da Silva, o estaleiro da Rocha do Conde de Óbidos foi o «berço» da Lisnave, que ali nasceu como empresa em 1961, e de projectos como os estaleiros da Margueira e da Mitrena

Para estes reformados da Rocha, o encerramento do estaleiro, aprazado para o último dia do ano, significa o fim daquela regalia, mas acima de tudo a perda de contacto com um local que conheceram ainda rapazes, quando começaram a trabalhar para o grupo fundado por Alfredo da Silva.

«Desgosto» foi a palavra escolhida por António Braga, de 76 anos, e Henrique dos Santos, de 74, para comentarem o fecho da casa-mãe da Lisnave, onde se formaram os operários que, mais tarde, fizeram a Margueira e a Mitrena. Os outros dois nem quiseram falar, que não lhes deverá ser fácil recordar mais de 60 anos de história, iniciados em 1 de Janeiro de 1937 com a obtenção, pela CUF, da concessão do estaleiro onde, volvidos 24 anos, acabou por nascer a Lisnave.

O desalento daqueles homens, os últimos reformados da Rocha, traduz com rigor o ambiente que se vive num estaleiro praticamente deserto com a transferência progressiva dos seus trabalhadores para a Margueira, também à beira da reforma e já em fase de desactivação. O fracasso das negociações entre a Administração do Porto de Lisboa (APL) e a Lisnave-Estaleiros Navais, S.A. relativas à execução das obras para o redimensionamento e remodelação das instalações acabou por ditar a saída da empresa da cidade de Lisboa. Por isso, os trabalhos na Rocha submetem-se agora ao calendário estabelecido protocolarmente em 1997 entre a APL e a Lisnave: devolução das instalações à APL, livres e desembaraçadas, até 31 de Dezembro. Teoricamente, resta ainda a hipótese de a concessão da exploração não ser adjudicada ao único consórcio que se apresentou ao concurso lançado pela APL (constituído pela Socarmar, Navaltagus e Socarfer), o que poderia levar ao reinício das negociações.

«A Lisnave está disponível para retomar as negociações com a Administração do Porto de Lisboa», afirma José Rodrigues, membro da administração da empresa. Como o equipamento pesado começará a ser retirado do estaleiro no início de Novembro, José Rodrigues aponta essa data como o prazo para uma eventual retoma dos contactos, de modo a que «os custos, desta feita da deslocação do material, não voltassem a inviabilizar as negociações». Com efeito, a APL e a Lisnave não se entenderam quanto a quem deveria suportar os custos das obras na Rocha para se dar cumprimento ao Plano de Reordenamento da Zona Ribeirinha (POZOR), que prevê a construção de uma via no local onde estão situadas as três oficinas do estaleiro e os edifícios administrativos, estruturas que teriam de ser erguidas noutra área do recinto. «Seria necessário um investimento superior a um milhão de contos, o que inviabilizava economicamente a operação do estaleiro. E nesta nova fase em que a Lisnave começa a reerguer a cabeça não faz sentido manter instalações que não sejam rendíveis», justifica José Rodrigues.

«É com algum dramatismo, mágoa e pesar bastante grandes que saímos da Rocha, onde estamos há mais de 60 anos», conclui. No entanto, por sentimentalismo ou por considerar que o assunto ainda não está definitivamente encerrado, a verdade é que o Grupo Mello ainda não fez o anúncio formal e oficial do fecho da Rocha, apesar de o calendário de desactivação continuar a ser cumprido e de ontem se ter realizado a primeira reunião da comissão de recebimento do estaleiro.

A imagem do fim

António Braga, de 76 anos, e Henrique Santos, de 74, eram ainda rapazes quando foram trabalhar para a Rocha

Tomé Simões, de 46 anos, na Lisnave desde 1970, está a fazer o fecho do estaleiro, cabendo-lhe controlar os materiais. Presentemente, enche caixotes com o material acumulado na sala de preparação mecânica de oficina e mecânica de bordo - que dar seguimento à reparação das últimas embarcações, três ou quatro até ao final do mês, deixa tempo para outras tarefas, principalmente a quem já perdeu a conta aos navios que passaram pela Rocha, milhar e meio só nos últimos dez anos.

Tomé Simões esteve na Margueira nos dois primeiros anos de empresa e, tal como os seus colegas, vai regressar ao estaleiro de Almada. Diz que esta mudança não lhe causa grande transtorno pessoal, mas o mesmo não se passará, quando a partir de Janeiro de 2001 tiver de se deslocar a Setúbal para trabalhar na Mitrena devido à desactivação da Margueira.

«No contrato dos trabalhadores da Rocha e da Margueira consta que podem trabalhar nos dois estaleiros, por isso esta deslocação não é uma coisa nova», explica Felipe Rua, que também pertence à Comissão de Trabalhadores (CT) da Lisnave. Foi também devido a essa prática que ninguém estranhou quando, há alguns meses, começou a transferência para Almada dos cerca de 250 trabalhadores a operarem na Rocha (aproximadamente metade da Lisnave e a outra da Gestnave, a empresa de prestação de serviços que absorveu a mão-de-obra da Lisnave considerada excedentária na sequência da reestruturação da empresa). «Desta vez não houve retorno e está a fazer-se um encerramento à distância», diz.

«A questão central - acrescenta Vicente Merendas, coordenador da CT - é que há um processo de reestruturação a decorrer desde Julho de 1997 do qual a Rocha faz parte, estando apenas previsto no protocolo celebrado entre o Estado português e o Grupo Mello o desaparecimento da Margueira».

Para Vicente Merendas, «o Governo tem responsabilidades porque, apesar de a reestruturação envolver importantes recursos financeiros públicos, assiste passivamente ao fecho de uma unidade industrial com a importância da Rocha».

O Governo nega essas responsabilidades. Vítor Ramalho, secretário de Estado-adjunto do ministro da Economia, afirma que «a saída da Lisnave da Rocha não viola o acordo do Estado com o Grupo Mello, tratando-se antes de um domínio de gestão interna da empresa. Para o Governo, era preciso salvaguardar que os trabalhadores não fossem minimamente afectados e isso está garantido».

Isabel Lopes

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