Os culpados

17-04-2001
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Análise

Os Culpados

Sexta-feira, 13 de Abril de 2001

Os verdadeiros culpados do que aconteceu na Ponte de Hintze Ribeiro são todos aqueles que presidiram à JAE e aos institutos sucedâneos entre 1986 e 4 de Março de 2001 e todos os secretários de Estado e ministros com tutela sobre aqueles organismos. Mas há mais. Por Pedro Garcias

O deputado e membro da comissão permanente do PS José Lamego disse anteontem que, perante as conclusões do relatório sobre as causas do acidente de Entre-os-Rios, foi um "excesso" a demissão de Jorge Coelho. E, ainda antes de saber da demissão do presidente do Instituto de Navegabilidade do Douro, declarou que o Partido Socialista não vai pedir "que haja assunção de responsabilidades por parte de mais nenhuma entidade". Ou seja, passe-se uma esponja por cima do assunto, que o "sacrifício" de Jorge Coelho responde suficientemente por 59 mortes.

O relatório da comissão de inquérito é claro na enunciação das responsabilidades. A ex-Junta Autónoma de Estradas (JAE) tem culpa, porque conhecia a "situação de vulnerabilidade a fenómenos de erosão do leito em que já se encontrava a fundação do pilar que ruiu", e não fez nada. Têm culpa os institutos que sucederam à Junta (IEP, ICERR e Icor), porque, apesar de a referida vulnerabilidade ter aumentado progressivamente, não "evidenciaram ter tido a percepção do crescente risco envolvido", razão pela qual não actuaram.

Neste caso, os verdadeiros culpados são todos aqueles que presidiram à JAE e aos institutos sucedâneos entre 1986 - quando foram conhecidos pela primeira vez os problemas nas fundações da ponte - e 4 de Março de 2001 - o dia do acidente - e todos os secretários de Estado e ministros com tutela sobre aqueles organismos. Neste rol estão incluídos, entre outros, Oliveira Martins, Ferreira do Amaral (ministros de governos do PSD), João Cravinho e Jorge Coelho (ministros de governos socialistas). Todos têm culpa, porque, como responsáveis hierárquicos, não obrigaram os serviços que tutelavam a efectuar "uma gestão adequada das indispensáveis actividades de inspecção e conservação de pontes e viadutos, destinadas a garantir as necessárias condições de segurança e funcionalidade a essas estruturas".

O Instituto de Navegabilidade do Douro (IND) também tem culpa, porque continuou a licenciar a extracção de areia "sem o suporte de planos específicos e de estudos técnicos que demonstrem que, entre outros valores de natureza ambiental, não é afectada a integridade do leito e das margens", como estipula a lei. Tem ainda culpa, porque as concessões para a extracção de areias não se destinavam apenas a assegurar a navegabilidade do rio, mas também "para obter receitas, o que, para além de ser ilegal (...), sugere que as extracções de inertes tenderiam a ser autorizadas sem conta, nem peso, nem medida". Como presidente do IND, Mário Fernandes é, pois, culpado.

Mas as responsabilidades também têm que ser assacadas à tutela. Ou seja, aos secretários de Estado que estiveram na origem do Instituto - Consiglieri Pedroso, por parte do Ministério do Equipamento, e Ricardo Magalhães, por parte do Ministério do Ambiente - e aos respectivos ministros: João Cravinho e Elisa Ferreira. Foram eles que estabeleceram as regras de funcionamento do IND e que patrocinaram a política de angariação de receitas. Todos eles sabiam de onde vinha o dinheiro, todos eles conheciam ou deviam conhecer a legislação.

Culpados são também os governantes que vieram a tutelar o IND a partir de 1999 - altura em que o instituto passou a depender apenas do Ministério do Equipamento -, concretamente Narciso Miranda e José Junqueiro (na qualidade de secretários de Estado da Administração Portuária) e Jorge Coelho, como ministro da pasta. Todos eles continuaram a avalizar a actuação do IND. Não menos culpado é o autor da ideia peregrina de retirar ao Ministério do Ambiente a tutela do IND. Não se sabe de quem surgiu, mas, em última análise, a responsabilidade política tem que ser atribuída ao primeiro-ministro, António Guterres.

Mas há mais culpados. A Direcção Regional de Ambiente do Norte é um deles. De 1992 a 1997, era quem licenciava a extracção de areias, mas nunca elaborou estudos técnicos para fundamentar tecnicamente essa extracção. Nesse período, foi um regabofe. Nunca como então as areias foram "um negócio da China", confessou um dia ao PÚBLICO um dos principais areeiros do Douro. Com a criação do IND, a direcção regional afastou-se literalmente do processo, abdicando de qualquer fiscalização no rio, apesar de continuar com competência para o fazer.

Os vários directores regionais que ocuparam o cargo, os secretários de Estado e os ministros com tutela sobre a aquela direcção regional são, pois, responsáveis. Neste grupo estão pessoas como Macário Correia, Carlos Pimenta, Teresa Patrício Gouveia, Ricardo Magalhães, Elisa Ferreira e José Sócrates.

Alguns deles são ainda responsáveis por terem tutelado o Instituto da Água (Inag), o organismo que, até 1992, licenciava e fiscalizava a extracção de areias e que, mesmo depois de ter perdido essa função, continuou com competência para fiscalizar os cursos fluviais.

A Capitania do Porto do Douro, que tem competências de fiscalização no rio Douro e que nunca as exerceu com eficácia, também não pode deixar de ser responsabilizada. Durante muito tempo, aquela capitania foi mesmo apontada como a cabeça do polvo. Quando realizava alguma operação de fiscalização, alguém se encarregava de avisar os areeiros. Além dos comandantes, também os responsáveis da Marinha e todos aqueles que ocuparam a pasta da Defesa (Fernando Nogueira, Veiga Simão, Jaime Gama e Castro Caldas, por exemplo) têm culpa. Até agora, só Jorge Coelho, Mário Fernandes e António Martins (ex-presidente do IEP) se demitiram.

Análise

Os Culpados

Sexta-feira, 13 de Abril de 2001

Os verdadeiros culpados do que aconteceu na Ponte de Hintze Ribeiro são todos aqueles que presidiram à JAE e aos institutos sucedâneos entre 1986 e 4 de Março de 2001 e todos os secretários de Estado e ministros com tutela sobre aqueles organismos. Mas há mais. Por Pedro Garcias

O deputado e membro da comissão permanente do PS José Lamego disse anteontem que, perante as conclusões do relatório sobre as causas do acidente de Entre-os-Rios, foi um "excesso" a demissão de Jorge Coelho. E, ainda antes de saber da demissão do presidente do Instituto de Navegabilidade do Douro, declarou que o Partido Socialista não vai pedir "que haja assunção de responsabilidades por parte de mais nenhuma entidade". Ou seja, passe-se uma esponja por cima do assunto, que o "sacrifício" de Jorge Coelho responde suficientemente por 59 mortes.

O relatório da comissão de inquérito é claro na enunciação das responsabilidades. A ex-Junta Autónoma de Estradas (JAE) tem culpa, porque conhecia a "situação de vulnerabilidade a fenómenos de erosão do leito em que já se encontrava a fundação do pilar que ruiu", e não fez nada. Têm culpa os institutos que sucederam à Junta (IEP, ICERR e Icor), porque, apesar de a referida vulnerabilidade ter aumentado progressivamente, não "evidenciaram ter tido a percepção do crescente risco envolvido", razão pela qual não actuaram.

Neste caso, os verdadeiros culpados são todos aqueles que presidiram à JAE e aos institutos sucedâneos entre 1986 - quando foram conhecidos pela primeira vez os problemas nas fundações da ponte - e 4 de Março de 2001 - o dia do acidente - e todos os secretários de Estado e ministros com tutela sobre aqueles organismos. Neste rol estão incluídos, entre outros, Oliveira Martins, Ferreira do Amaral (ministros de governos do PSD), João Cravinho e Jorge Coelho (ministros de governos socialistas). Todos têm culpa, porque, como responsáveis hierárquicos, não obrigaram os serviços que tutelavam a efectuar "uma gestão adequada das indispensáveis actividades de inspecção e conservação de pontes e viadutos, destinadas a garantir as necessárias condições de segurança e funcionalidade a essas estruturas".

O Instituto de Navegabilidade do Douro (IND) também tem culpa, porque continuou a licenciar a extracção de areia "sem o suporte de planos específicos e de estudos técnicos que demonstrem que, entre outros valores de natureza ambiental, não é afectada a integridade do leito e das margens", como estipula a lei. Tem ainda culpa, porque as concessões para a extracção de areias não se destinavam apenas a assegurar a navegabilidade do rio, mas também "para obter receitas, o que, para além de ser ilegal (...), sugere que as extracções de inertes tenderiam a ser autorizadas sem conta, nem peso, nem medida". Como presidente do IND, Mário Fernandes é, pois, culpado.

Mas as responsabilidades também têm que ser assacadas à tutela. Ou seja, aos secretários de Estado que estiveram na origem do Instituto - Consiglieri Pedroso, por parte do Ministério do Equipamento, e Ricardo Magalhães, por parte do Ministério do Ambiente - e aos respectivos ministros: João Cravinho e Elisa Ferreira. Foram eles que estabeleceram as regras de funcionamento do IND e que patrocinaram a política de angariação de receitas. Todos eles sabiam de onde vinha o dinheiro, todos eles conheciam ou deviam conhecer a legislação.

Culpados são também os governantes que vieram a tutelar o IND a partir de 1999 - altura em que o instituto passou a depender apenas do Ministério do Equipamento -, concretamente Narciso Miranda e José Junqueiro (na qualidade de secretários de Estado da Administração Portuária) e Jorge Coelho, como ministro da pasta. Todos eles continuaram a avalizar a actuação do IND. Não menos culpado é o autor da ideia peregrina de retirar ao Ministério do Ambiente a tutela do IND. Não se sabe de quem surgiu, mas, em última análise, a responsabilidade política tem que ser atribuída ao primeiro-ministro, António Guterres.

Mas há mais culpados. A Direcção Regional de Ambiente do Norte é um deles. De 1992 a 1997, era quem licenciava a extracção de areias, mas nunca elaborou estudos técnicos para fundamentar tecnicamente essa extracção. Nesse período, foi um regabofe. Nunca como então as areias foram "um negócio da China", confessou um dia ao PÚBLICO um dos principais areeiros do Douro. Com a criação do IND, a direcção regional afastou-se literalmente do processo, abdicando de qualquer fiscalização no rio, apesar de continuar com competência para o fazer.

Os vários directores regionais que ocuparam o cargo, os secretários de Estado e os ministros com tutela sobre a aquela direcção regional são, pois, responsáveis. Neste grupo estão pessoas como Macário Correia, Carlos Pimenta, Teresa Patrício Gouveia, Ricardo Magalhães, Elisa Ferreira e José Sócrates.

Alguns deles são ainda responsáveis por terem tutelado o Instituto da Água (Inag), o organismo que, até 1992, licenciava e fiscalizava a extracção de areias e que, mesmo depois de ter perdido essa função, continuou com competência para fiscalizar os cursos fluviais.

A Capitania do Porto do Douro, que tem competências de fiscalização no rio Douro e que nunca as exerceu com eficácia, também não pode deixar de ser responsabilizada. Durante muito tempo, aquela capitania foi mesmo apontada como a cabeça do polvo. Quando realizava alguma operação de fiscalização, alguém se encarregava de avisar os areeiros. Além dos comandantes, também os responsáveis da Marinha e todos aqueles que ocuparam a pasta da Defesa (Fernando Nogueira, Veiga Simão, Jaime Gama e Castro Caldas, por exemplo) têm culpa. Até agora, só Jorge Coelho, Mário Fernandes e António Martins (ex-presidente do IEP) se demitiram.

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