O surrealismo de uma cerimónia decisiva para o futuro

22-08-2001
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O Surrealismo de Uma Cerimónia Decisiva para o Futuro

Por ANTÓNIO SAMPAIO, Lusa, em Díli

Sexta, 6 de Julho de 2001 A cerimónia de assinatura do que será porventura o tratado mais importante de Timor-Leste, ontem em Díli, ficou marcada tanto pelo histórico como pelo surreal, misturando um bebé, um protesto e erros de protocolo. Deveria ter sido tudo muito formal - afinal tratava-se do ponto final num processo de negociações que começou há vários meses e que na prática representa cerca de 72 milhões de contos anualmente para Timor-Leste. Acabou por tornar-se um momento de embaraço para muitos dos observadores que, entre a risada geral, teciam comentários menos positivos sobre o momento. Tudo se passou na sala principal de conferências do Palácio do Governo em Díli, onde desde as 11h30 locais se começaram a juntar os primeiros convidados para a cerimónia de assinatura do acordo que administra os recursos petrolíferos do Mar de Timor. Na mesa principal estavam quatro ministros, dois por Timor-Leste - Mari Alkatiri, da Economia, e Peter Galbraith, dos Assuntos Políticos - e dois pela Austrália - Alexander Downer, dos Negócios Estrangeiros, e Nick Minchim, dos Recursos Naturais. Atrás, algumas testemunhas de peso, entre elas a número dois da ONU, Louise Frechette, e o chefe da UNTAET, Sérgio Vieira de Mello. A cerimónia já tinha começado com alguma confusão, com funcionários internacionais da ONU a causarem mais caos do que a conseguirem organizar quem se sentava onde e onde colocar os jornalistas. Resultado: houve ministros que ficaram de pé, jornalistas sentados e o protocolo todo de pernas para o ar. Para ajudar à festa entrou Xanana Gusmão, de máquina fotográfica numa mão e o filho, Alexandre, na outra, suscitando comentários sorridentes logo nos discursos de abertura, com o representante da diplomacia timorense, José Ramos-Horta, a saudar "os fotógrafos ilustres" e o administrador da ONU, Sérgio Vieira de Mello, a relembrar que "entre os fotógrafos da sala" estava o líder timorense. Quando finalmente começou a assinatura, Angela Freitas - representante do Partido Trabalhista Timorense (PTT) no Conselho Nacional, o parlamento transitório -chegou-se à frente e criticou os signatários. Virando a cabeça para conseguir manter a linha de vista para Alexander Downer (tapada por um segurança da ONU de bastante maiores dimensões), Angela Freitas considerou o acordo "ilegal" e acusou Ramos-Horta e Mari Alkatiri de "vender Timor". Ainda estava a sala a recuperar do momento e cá fora, nos corredores altos onde o eco é suficiente para chegar aos gabinetes, algumas funcionárias timorenses que saíam para o almoço começaram a cantar. Acabou por ser o próprio Downer a suscitar o momento seguinte. Ainda estavam Galbraith e Alkatiri a dar as rubricas finais quando o ministro australiano sugeriu ao "fotógrafo" Xanana: "Depois tem que me deixar tirar uma foto com o seu filho". Xanana nem esperou pelo fim da cerimónia. Agarrou no filho e colocou-o em cima da mesa das assinaturas, com Downer (já a pensar na campanha para as eleições que se avizinham na Austrália) a aproveitar o momento para brilhar nas câmaras de televisão australianas. Escondido atrás da brincadeira estava Peter Galbraith, vagarosamente a assinar um acordo pelo qual se empenhou (segundo alguns observadores, ainda mais que os timorenses) durante vários meses. Enquanto isso, mais atrás, David Ximenes - do extinto Conselho Nacional de Resistência Timorense (CNRT) - dava instruções contraditórias a duas meninas timorenses, de trajes tradicionais, e exibindo uma bandeja com alguns presentes. Primeiro, os presentes deveriam ter sido entregues logo, depois já só era depois do champanhe, depois só após a assinatura. Quando todos pensavam que os presentes eram para os ministros, e enquanto ainda decorria a cerimónia, uma funcionária da ONU lá acabou por anunciar que Louise Frechette tinha que sair mais cedo para apanhar um avião para a Indonésia. Ouvindo isto e deixando por momentos de ser fotógrafo, o cidadão Xanana Gusmão correu à frente da mesa principal, chamou as duas meninas e ofereceu os presentes à vice de Kofi Annan, deixando com um ar espantado o chefe da diplomacia australiana. E depois Xanana regressou às fotografias. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Austrália e Timor chegam a acordo sobre petróleo

O surrealismo de uma cerimónia decisiva para o futuro

O fim do Timor Gap

Reacções

O verdadeiro desafio começa agora

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