«Hoje faz-se política mediática»

19-11-2000
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«Em vez de uma gestão discreta, seguiu-se a lógica do permanente anúncio de iniciativas, com resultados desconexos e que faz lembrar Santana Lopes»

É este discurso que agora retoma, para explicar o que tem faltado aos institutos que então tutelou: «Os organismos estão suborçamentados e, assim, não é possível fazer nada de novo. Nós quisemos, com as leis orgânicas, criar uma dinâmica de expansão que a contenção orçamental tornou inviável. Não podendo aumentar o orçamento, o MC cortou verbas aos organismos do Estado, voltando a criar um saco azul, que distribuía dinheiros conforme as mais prementes necessidades.» A existência de «sacos azuis» ou verbas de reserva deve ser aplicada com critério, o que, segundo Vieira Nery, não tem acontecido. Para o ex-governante, à diminuição orçamental junta-se «uma permanente indefinição das verbas destinadas aos organismos e uma transferência clara de meios de actividades de fundo para outras actividades, de efeito mediático.» Mesmo tendo disponíveis menos verbas do que aquelas que Vieira Nery chegou a pensar ser possível utilizar - e cuja redução esteve na base do abandono da SEC, devido «às expectativas entretanto criadas junto dos agentes do sector» -, o musicólogo afirma que não era inevitável chegar à presente situação. «O MC poderia ter seguido uma gestão estruturante, discreta, que trabalha para interligar os recursos disponíveis e cria dinamismo em vez de uma lógica mediática, com permanente anúncio de novas iniciativas e resultados desconexos. A que consta dos Estados Gerais do PS é a primeira, mas é a segunda que tem vindo a ser adoptada - dando origem a uma situação idêntica à que se vivia com o SEC Pedro Santana Lopes.»

Rui Vieira Nery considera que há uma falta de reflexão global do sistema de produção artística. «Não existem índices de remuneração dentro dos próprios organismos de produção do Estado, que devem definir tabelas de referência», o que tem levado, por exemplo, a pagar mais a certos colaboradores externos do que ganhariam em instituições congéneres noutros países da Europa.

Segundo refere, a organização de eventos internacionais, a começar por Lisboa-94, Capital Europeia da Cultura, fez subir desproporcionadamente os «cachets».

No que respeita ao Teatro D. Maria (TNDM), defende que a questão tem sido mal colocada quer por parte dos trabalhadores, quer da tutela. «Deve haver uma revalorização salarial, mas com um novo conceito de remuneração. Há actores que quase nunca representam enquanto que outros entram em muitas peças.» A solução passa por determinar o valor de um salário fixo e um prémio por representação. «Tem de haver um sistema que premeie as diferenças reais de prestação de serviço, que deve ser acompanhado por uma reflexão sobre o estatuto de actor.» O estabelecimento destas regras, acrescenta, deve ser feito tendo em conta o estatuto dos profissionais que fazem já parte do elenco do TNDM, não pondo em risco direitos adquiridos, ao mesmo tempo que deve ser evitada a criação de novas situações de contratação permanente: «Não se pode abrir infinitamente a companhia residente, que deve ser o topo da carreira, constituída por profissionais com um determinado estatuto e experiência.»

Sobre a situação da Companhia Nacional de Bailado, o ex-governante afirma que «os bailarinos têm salários ridiculamente baixos, comparativamente aos músicos.» Quanto à questão do estatuto de profissão de desgaste rápido, lembra que apresentou um projecto para o viabilizar, no qual se prevê a reforma aos 45 anos, projecto que retoma uma proposta feita pelo PS na legislatura anterior.

Rui Vieira Nery considera ainda que a última lei orgânica a ser publicada - a do Instituto Português das Artes do Espectáculo (IPAE), coordenador dos modelos de funcionamento neste sector - «foi completamente desvirtuada em relação à ideia inicial, transformando-o numa mera agência de distribuição de subsídios.» A solução para ultrapassar o problema da falta de verbas é, quanto a si, óbvia. «Resolve-se com um reforço de 10 milhões de contos na Cultura, o que é irrelevante em termos de Orçamento de Estado, mas que permite relançar todas as actividades previstas.»

A.H.

«Em vez de uma gestão discreta, seguiu-se a lógica do permanente anúncio de iniciativas, com resultados desconexos e que faz lembrar Santana Lopes»

É este discurso que agora retoma, para explicar o que tem faltado aos institutos que então tutelou: «Os organismos estão suborçamentados e, assim, não é possível fazer nada de novo. Nós quisemos, com as leis orgânicas, criar uma dinâmica de expansão que a contenção orçamental tornou inviável. Não podendo aumentar o orçamento, o MC cortou verbas aos organismos do Estado, voltando a criar um saco azul, que distribuía dinheiros conforme as mais prementes necessidades.» A existência de «sacos azuis» ou verbas de reserva deve ser aplicada com critério, o que, segundo Vieira Nery, não tem acontecido. Para o ex-governante, à diminuição orçamental junta-se «uma permanente indefinição das verbas destinadas aos organismos e uma transferência clara de meios de actividades de fundo para outras actividades, de efeito mediático.» Mesmo tendo disponíveis menos verbas do que aquelas que Vieira Nery chegou a pensar ser possível utilizar - e cuja redução esteve na base do abandono da SEC, devido «às expectativas entretanto criadas junto dos agentes do sector» -, o musicólogo afirma que não era inevitável chegar à presente situação. «O MC poderia ter seguido uma gestão estruturante, discreta, que trabalha para interligar os recursos disponíveis e cria dinamismo em vez de uma lógica mediática, com permanente anúncio de novas iniciativas e resultados desconexos. A que consta dos Estados Gerais do PS é a primeira, mas é a segunda que tem vindo a ser adoptada - dando origem a uma situação idêntica à que se vivia com o SEC Pedro Santana Lopes.»

Rui Vieira Nery considera que há uma falta de reflexão global do sistema de produção artística. «Não existem índices de remuneração dentro dos próprios organismos de produção do Estado, que devem definir tabelas de referência», o que tem levado, por exemplo, a pagar mais a certos colaboradores externos do que ganhariam em instituições congéneres noutros países da Europa.

Segundo refere, a organização de eventos internacionais, a começar por Lisboa-94, Capital Europeia da Cultura, fez subir desproporcionadamente os «cachets».

No que respeita ao Teatro D. Maria (TNDM), defende que a questão tem sido mal colocada quer por parte dos trabalhadores, quer da tutela. «Deve haver uma revalorização salarial, mas com um novo conceito de remuneração. Há actores que quase nunca representam enquanto que outros entram em muitas peças.» A solução passa por determinar o valor de um salário fixo e um prémio por representação. «Tem de haver um sistema que premeie as diferenças reais de prestação de serviço, que deve ser acompanhado por uma reflexão sobre o estatuto de actor.» O estabelecimento destas regras, acrescenta, deve ser feito tendo em conta o estatuto dos profissionais que fazem já parte do elenco do TNDM, não pondo em risco direitos adquiridos, ao mesmo tempo que deve ser evitada a criação de novas situações de contratação permanente: «Não se pode abrir infinitamente a companhia residente, que deve ser o topo da carreira, constituída por profissionais com um determinado estatuto e experiência.»

Sobre a situação da Companhia Nacional de Bailado, o ex-governante afirma que «os bailarinos têm salários ridiculamente baixos, comparativamente aos músicos.» Quanto à questão do estatuto de profissão de desgaste rápido, lembra que apresentou um projecto para o viabilizar, no qual se prevê a reforma aos 45 anos, projecto que retoma uma proposta feita pelo PS na legislatura anterior.

Rui Vieira Nery considera ainda que a última lei orgânica a ser publicada - a do Instituto Português das Artes do Espectáculo (IPAE), coordenador dos modelos de funcionamento neste sector - «foi completamente desvirtuada em relação à ideia inicial, transformando-o numa mera agência de distribuição de subsídios.» A solução para ultrapassar o problema da falta de verbas é, quanto a si, óbvia. «Resolve-se com um reforço de 10 milhões de contos na Cultura, o que é irrelevante em termos de Orçamento de Estado, mas que permite relançar todas as actividades previstas.»

A.H.

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