Barragem ameaça vinho Alvarinho

06-01-2000
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Vinha para Alvarinho: a humidade não se dá bem com o teor alcoólico. Um «néctar dos deuses» está em perigo

O deputado socialista e autarca da Câmara de Melgaço, Rui Solheiro, acaba de pedir, na Assembleia, que o Governo português altere os termos do Convénio Luso-espanhol de 1968 sobre recursos hídricos, o qual previa a edificação comparticipada pelos dois países da barragem de Sela.

A construção, alertou o deputado, geraria uma «alteração no microclima, que destruiria o cultivo de castas de uvas de qualidade superior», a partir das quais três mil vitivinicultores produzem anualmente cerca de um milhão de litros de Alvarinho.

Grande parte dos produtores abandonou o fabrico dos verdes tintos para se dedicar àquela que é considera a pérola da região. O que leva Alberico Fernandes, um produtor de Alvarinho, a afirmar que, com a barragem, «destrói-se um néctar dos deuses, único no mundo e, ao mesmo tempo, acaba-se com o petróleo de toda uma região».

Por ironia, a bacia hidrográfica do Minho, com 40 aproveitamentos hidroeléctricos, é «a bacia luso-espanhola com maior densidade de aproveitamentos desta natureza», acentua Rui Solheiro. O «Pai Miño», como os galegos chamam ao rio, tem vindo ao longo das últimas décadas «a ser vítima de uma exploração selvagem», acrescentou o deputado.

Retaliação negocial?

Fonte autorizada do Ministério do Ambiente limita-se a declarar que a barragem de Sela integra «um contrato internacional que não podemos esquecer».

O que deixa no ar a possibilidade de Espanha estar a usar Sela como retaliação pela eventual falta de acordo com Portugal em relação aos transvazes do rio Douro para a Andaluzia seca. Tanto mais que Portugal já declarou não ter interesse na produção energética derivada da construção de Sela, cuja maior parte (dois terços) reverteria para a Galiza.

Trata-se, porém, «de uma negociação global e não de uma eventual autorização a ser dada pelo Governo português, em separado. Este problema está, como todos os outros, na mesa de negociações luso-espanholas», confirmou um porta-voz do Ministério do Ambiente.

Especula-se, assim, que o jogo de pressões em torno do abastecimento dos caudais do Guadiana - integrado na polémica questão do Plano Hidrológico Espanhol - possa vitimar o rio Minho e o Alvarinho.

Basicamente o que está em causa é que este verde de elevado teor alcoólico, único no mundo, é o caprichoso produto de um microclima em que a humidade encontra um rigoroso e baixo ponto de equilíbrio.

Clima alterado

A concentração de uma vasta massa de água nesta região - e a humidade que provoca - além de expandir o míldio diminuirá a sacarificação do vinho, baixando-lhe o teor alcoólico.

Produto de vinhas que não podem ser plantadas em quotas inferiores a 50 metros, nem superiores a 200, para encontrar o ponto exacto de humidificação, o Alvarinho passaria a ser outra coisa qualquer que não a que se conhece, alerta Alberico Fernandes.

Para avaliar a importância da humidade, basta saber que a produção de certos vinhos franceses de marca está sujeita a rigorosos controlos de teor de água, com censores instalados nas videiras. Em caso de excesso, os censores disparam e, se necessário, operações de combate ao míldio são imediatamente desencadeadas, chegando a envolver meios aéreos.

Este extremo cuidado com a protecção das produções vinícolas contrasta com o facto de o estudo de impacte ambiental (EIA) da barragem de Sela ter esquecido o problema do Alvarinho, para concluir que «o projecto resulta viável do ponto de vista ambiental». Um extenso parecer sobre o EIA, elaborado pela Associação Portuguesa de Biólogos, atribui àquela conclusão um «carácter enviesado». Tanto mais que, como sublinham os autarcas locais, a zona do rio Minho foi proposta pelo Governo português para integrar a Rede Natura 2000, as áreas europeias a proteger.

Do ponto de vista científico não parece, em todo o caso, provado que Sela represente, forçosamente, a certidão de óbito do Alvarinho. Mas a ausência de estudos «impede claramente os autores do EIA de tirar conclusões sobre este aspecto», alerta um biólogo. Ou seja, como diz Luís Duval, da Câmara de Melgaço, «mantêm-se todas as razões para temer que o Alvarinho não suporte as menores alterações climáticas».

Em todo o caso, representa uma nova ameaça para a flora, depois de os «cortes» operados pelas barragens, domesticando os rápidos e as quedas, terem diminuído profundamente a capacidade de oxigenação e regeneração das águas do Minho. Espécies como a lampreia, o salmão ou o sável teriam muito que contar a este respeito.

Rui Pereira

Vinha para Alvarinho: a humidade não se dá bem com o teor alcoólico. Um «néctar dos deuses» está em perigo

O deputado socialista e autarca da Câmara de Melgaço, Rui Solheiro, acaba de pedir, na Assembleia, que o Governo português altere os termos do Convénio Luso-espanhol de 1968 sobre recursos hídricos, o qual previa a edificação comparticipada pelos dois países da barragem de Sela.

A construção, alertou o deputado, geraria uma «alteração no microclima, que destruiria o cultivo de castas de uvas de qualidade superior», a partir das quais três mil vitivinicultores produzem anualmente cerca de um milhão de litros de Alvarinho.

Grande parte dos produtores abandonou o fabrico dos verdes tintos para se dedicar àquela que é considera a pérola da região. O que leva Alberico Fernandes, um produtor de Alvarinho, a afirmar que, com a barragem, «destrói-se um néctar dos deuses, único no mundo e, ao mesmo tempo, acaba-se com o petróleo de toda uma região».

Por ironia, a bacia hidrográfica do Minho, com 40 aproveitamentos hidroeléctricos, é «a bacia luso-espanhola com maior densidade de aproveitamentos desta natureza», acentua Rui Solheiro. O «Pai Miño», como os galegos chamam ao rio, tem vindo ao longo das últimas décadas «a ser vítima de uma exploração selvagem», acrescentou o deputado.

Retaliação negocial?

Fonte autorizada do Ministério do Ambiente limita-se a declarar que a barragem de Sela integra «um contrato internacional que não podemos esquecer».

O que deixa no ar a possibilidade de Espanha estar a usar Sela como retaliação pela eventual falta de acordo com Portugal em relação aos transvazes do rio Douro para a Andaluzia seca. Tanto mais que Portugal já declarou não ter interesse na produção energética derivada da construção de Sela, cuja maior parte (dois terços) reverteria para a Galiza.

Trata-se, porém, «de uma negociação global e não de uma eventual autorização a ser dada pelo Governo português, em separado. Este problema está, como todos os outros, na mesa de negociações luso-espanholas», confirmou um porta-voz do Ministério do Ambiente.

Especula-se, assim, que o jogo de pressões em torno do abastecimento dos caudais do Guadiana - integrado na polémica questão do Plano Hidrológico Espanhol - possa vitimar o rio Minho e o Alvarinho.

Basicamente o que está em causa é que este verde de elevado teor alcoólico, único no mundo, é o caprichoso produto de um microclima em que a humidade encontra um rigoroso e baixo ponto de equilíbrio.

Clima alterado

A concentração de uma vasta massa de água nesta região - e a humidade que provoca - além de expandir o míldio diminuirá a sacarificação do vinho, baixando-lhe o teor alcoólico.

Produto de vinhas que não podem ser plantadas em quotas inferiores a 50 metros, nem superiores a 200, para encontrar o ponto exacto de humidificação, o Alvarinho passaria a ser outra coisa qualquer que não a que se conhece, alerta Alberico Fernandes.

Para avaliar a importância da humidade, basta saber que a produção de certos vinhos franceses de marca está sujeita a rigorosos controlos de teor de água, com censores instalados nas videiras. Em caso de excesso, os censores disparam e, se necessário, operações de combate ao míldio são imediatamente desencadeadas, chegando a envolver meios aéreos.

Este extremo cuidado com a protecção das produções vinícolas contrasta com o facto de o estudo de impacte ambiental (EIA) da barragem de Sela ter esquecido o problema do Alvarinho, para concluir que «o projecto resulta viável do ponto de vista ambiental». Um extenso parecer sobre o EIA, elaborado pela Associação Portuguesa de Biólogos, atribui àquela conclusão um «carácter enviesado». Tanto mais que, como sublinham os autarcas locais, a zona do rio Minho foi proposta pelo Governo português para integrar a Rede Natura 2000, as áreas europeias a proteger.

Do ponto de vista científico não parece, em todo o caso, provado que Sela represente, forçosamente, a certidão de óbito do Alvarinho. Mas a ausência de estudos «impede claramente os autores do EIA de tirar conclusões sobre este aspecto», alerta um biólogo. Ou seja, como diz Luís Duval, da Câmara de Melgaço, «mantêm-se todas as razões para temer que o Alvarinho não suporte as menores alterações climáticas».

Em todo o caso, representa uma nova ameaça para a flora, depois de os «cortes» operados pelas barragens, domesticando os rápidos e as quedas, terem diminuído profundamente a capacidade de oxigenação e regeneração das águas do Minho. Espécies como a lampreia, o salmão ou o sável teriam muito que contar a este respeito.

Rui Pereira

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