Portugal com Governo "de gestão" nos próximos meses

27-12-2001
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Portugal com Governo "de Gestão" nos Próximos Meses

Por ÁLVARO VIEIRA

Terça-feira, 18 de Dezembro de 2001

O que diz a Constituição sobre a crise política

A dissolução do Parlamento e a convocação de eleições legislativas antecipadas é a decisão mais provável, mas não é a única que a Constituição da República Portuguesa (CRP) permite a Jorge Sampaio, na sequência da aceitação do pedido de demissão do primeiro-ministro.

No plano estritamente jurídico, o Presidente da República (PR) também pode optar por convidar uma personalidade da actual maioria socialista para formar Governo, integre ou não o actual executivo - já que a demissão do primeiro-ministro implica a demissão de todo o Governo -, voltar a nomear António Guterres ou até alguém que não milite em qualquer partido. Ora vejamos as implicações da demissão do primeiro-ministro e as hipóteses que se abrem ao Presidente da República.

1- Cenário da "iniciativa presidencial"

Seria uma reedição dos "governos de iniciativa presidencial" do ex-Presidente Ramalho Eanes, só possível, de acordo com a CRP, se qualquer das soluções anteriores tivesse falhado - se as eleições tivessem resultado num empate técnico entre duas ou mais forças políticas, com nenhum partido a viabilizar ou conseguir a aprovação, no Parlamento, dos programas de Governo próprios ou alheios. Só nesta situação de impasse é que o PR estaria legitimado para optar por um "governo de iniciativa presidencial", que é, de resto, uma figura nem admitida nem rejeitada no texto constitucional.

O que a CRP estabelece, condicionando assim, pelo menos numa primeira fase, o PR, é que ele deve nomear um primeiro-ministro "ouvidos os partidos representados na AR e tendo em conta os resultados eleitorais".

2- Cenário da dissolução

O mais provável é, de facto, Jorge Sampaio dissolver a AR e convocar eleições antecipadas. Mas para tal a CRP obriga-o a ouvir o Conselho de Estado e os partidos com assento parlamentar. Não é uma mera auscultação: a demissão do Governo pelo Presidente tem que ser antecedida pela apresentação de um parecer, formal e público, do Conselho de Estado.

Por outro lado, o decreto presidencial de dissolução da AR tem que ser acompanhado daquele parecer e ocorrer em simultâneo com a marcação do dia das eleições, que, de acordo com a lei eleitoral, têm que realizar-se menos de 55 dias passados sobre a dissolução do Parlamento. Segundo o constitucionalista Jorge Miranda, deputado à Assembleia Constituinte de 1975 pelo PSD, a CRP e a lei eleitoral previnem assim o perigo de ditadura, impedem que qualquer presidente ceda à tentação de dissolver a AR e ir ficando sozinho no palco do poder. A dissolução do Parlamento, aliás, não prejudica a subsistência do mandato dos deputados, até à primeira reunião da AR após as eleições.

3- O "governo de gestão"

Há muito que a oposição acusava o actual executivo de se limitar a gerir, e mal, o país. Agora, assim que for publicado o decreto presidencial com a aceitação da demissão do primeiro-ministro, o Governo só pode praticar "actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos".

A CRP não densifica este conceito indeterminado de "gestão dos negócios públicos". "Propositadamente", afirma Jorge Miranda. Pretendeu-se que o conceito fosse suficientemente flexível para se adequar às conjunturas políticas. Podem verificar-se situações excepcionalmente graves que obriguem um governo a tomar medidas de fundo. A ideia fundamental, contudo, é a de que um governo demitido não deve praticar actos que prejudiquem a liberdade de opção do governo seguinte. O poder de fiscalização do PR sobre a actuação do executivo é, nesta situação, fundamental.

Outra consequência imediata do decreto presidencial de aceitação da demissão do primeiro-ministro é a caducidade de todas as autorizações legislativas: o Governo deixa de poder legislar sobre matérias para os quais a AR o havia habilitado.

Portugal com Governo "de Gestão" nos Próximos Meses

Por ÁLVARO VIEIRA

Terça-feira, 18 de Dezembro de 2001

O que diz a Constituição sobre a crise política

A dissolução do Parlamento e a convocação de eleições legislativas antecipadas é a decisão mais provável, mas não é a única que a Constituição da República Portuguesa (CRP) permite a Jorge Sampaio, na sequência da aceitação do pedido de demissão do primeiro-ministro.

No plano estritamente jurídico, o Presidente da República (PR) também pode optar por convidar uma personalidade da actual maioria socialista para formar Governo, integre ou não o actual executivo - já que a demissão do primeiro-ministro implica a demissão de todo o Governo -, voltar a nomear António Guterres ou até alguém que não milite em qualquer partido. Ora vejamos as implicações da demissão do primeiro-ministro e as hipóteses que se abrem ao Presidente da República.

1- Cenário da "iniciativa presidencial"

Seria uma reedição dos "governos de iniciativa presidencial" do ex-Presidente Ramalho Eanes, só possível, de acordo com a CRP, se qualquer das soluções anteriores tivesse falhado - se as eleições tivessem resultado num empate técnico entre duas ou mais forças políticas, com nenhum partido a viabilizar ou conseguir a aprovação, no Parlamento, dos programas de Governo próprios ou alheios. Só nesta situação de impasse é que o PR estaria legitimado para optar por um "governo de iniciativa presidencial", que é, de resto, uma figura nem admitida nem rejeitada no texto constitucional.

O que a CRP estabelece, condicionando assim, pelo menos numa primeira fase, o PR, é que ele deve nomear um primeiro-ministro "ouvidos os partidos representados na AR e tendo em conta os resultados eleitorais".

2- Cenário da dissolução

O mais provável é, de facto, Jorge Sampaio dissolver a AR e convocar eleições antecipadas. Mas para tal a CRP obriga-o a ouvir o Conselho de Estado e os partidos com assento parlamentar. Não é uma mera auscultação: a demissão do Governo pelo Presidente tem que ser antecedida pela apresentação de um parecer, formal e público, do Conselho de Estado.

Por outro lado, o decreto presidencial de dissolução da AR tem que ser acompanhado daquele parecer e ocorrer em simultâneo com a marcação do dia das eleições, que, de acordo com a lei eleitoral, têm que realizar-se menos de 55 dias passados sobre a dissolução do Parlamento. Segundo o constitucionalista Jorge Miranda, deputado à Assembleia Constituinte de 1975 pelo PSD, a CRP e a lei eleitoral previnem assim o perigo de ditadura, impedem que qualquer presidente ceda à tentação de dissolver a AR e ir ficando sozinho no palco do poder. A dissolução do Parlamento, aliás, não prejudica a subsistência do mandato dos deputados, até à primeira reunião da AR após as eleições.

3- O "governo de gestão"

Há muito que a oposição acusava o actual executivo de se limitar a gerir, e mal, o país. Agora, assim que for publicado o decreto presidencial com a aceitação da demissão do primeiro-ministro, o Governo só pode praticar "actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos".

A CRP não densifica este conceito indeterminado de "gestão dos negócios públicos". "Propositadamente", afirma Jorge Miranda. Pretendeu-se que o conceito fosse suficientemente flexível para se adequar às conjunturas políticas. Podem verificar-se situações excepcionalmente graves que obriguem um governo a tomar medidas de fundo. A ideia fundamental, contudo, é a de que um governo demitido não deve praticar actos que prejudiquem a liberdade de opção do governo seguinte. O poder de fiscalização do PR sobre a actuação do executivo é, nesta situação, fundamental.

Outra consequência imediata do decreto presidencial de aceitação da demissão do primeiro-ministro é a caducidade de todas as autorizações legislativas: o Governo deixa de poder legislar sobre matérias para os quais a AR o havia habilitado.

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