Intervenção do deputado Octávio Teixeira

14-10-2000
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Intervenção do Deputado

Octávio teixeira

Debate do Orçamento do Estado para 2000

17 de Fevereiro de 2000

O Orçamento do Estado é, em princípio, a concretização financeira das grandes opções de políticas consagradas no programa de um Governo.

E tendo nós, PCP, públicas e fundamentais divergências com o programa e orientações políticas essenciais do Governo, não poderíamos ter uma expectativa positiva face ao Orçamento que nos iria ser apresentado.

Mas o Orçamento do Estado para 2000 vai para além do que seria de esperar. Fundamentalmente, estamos perante um inegável e indesculpável mau Orçamento. Um mau orçamento para o País e, particularmente, para os trabalhadores, para os detentores de rendimentos do trabalho.

A questão central deste Orçamente, nas perspectivas ideológica, política e social é, definitivamente, e quer o senhor Primeiro-Ministro goste ou não, a questão da política fiscal.

É a principal questão ideológica porque, ao apresentar e teimosamente defender este Orçamento, o Governo do Partido Socialista assume, de forma clara e mais acentuada que nunca, a opção por uma política fiscal de classe. Porque não só os principais factores de desigualdade e de injustiça do sistema fiscal não são combatidos como são agravados com o discricionário tratamento de privilégio que neste exacto Orçamento é concedido aos rendimentos de capital, aos lucros.

É ainda a questão central do ponto de vista político, porque no âmbito da justiça fiscal ele consubstancia um retrocesso evidente em relação ao Orçamento de 1999. De facto e como o senhor Primeiro-Ministro recordou, com o apoio e participação determinante do PCP, no Orçamento anterior foi introduzida uma maior justiça fiscal entre os contribuintes que pagam IRS, fazendo baixar a carga para os de mais baixos rendimentos. Seria, pois, de admitir que neste Orçamento se prosseguisse essa via de mais justiça fiscal. Mas não é isso que se verifica com este Orçamento. Antes pelo contrário. Sendo legítimo pensar que o que se verificou em 1999 na fiscalidade foi um mero interregno ... ditado pelo facto de ser ano de eleições.

Não aceitamos a tese que o Governo, o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças procuram vender, de que se trata de um Orçamento de transição. Ela não é politicamente aceitável. Há uma continuidade do Governo do Partido Socialista e do Primeiro-Ministro. O próprio programa do Governo se afirmava na continuidade do programa e do Governo anteriores. A tese da transição do Orçamento é pois a ausência de coragem para dizer que é isto que o Governo quer, e que com ele não haverá qualquer reforma fiscal digna desse nome. E é ainda uma forma pouco democrática de solicitar aos partidos políticos de oposição que não olhem para o conteúdo do Orçamento, que fechem os olhos e o viabilizem.

Mas a questão da política fiscal é, ainda, a questão central do ponto de vista social. Porque, demonstradamente, a política social mais urgente para o País é a reforma fiscal. Porque mais justiça fiscal, entre os rendimentos de capital e os rendimentos do trabalho, entre os mais elevados e os mais baixos rendimentos, é em si mesma uma questão social de grande dimensão. Mas também porque a reforma fiscal é essencial para que as restantes políticas sociais, da Saúde à Educação, da Habitação à Segurança Social, possam ser prosseguidas e melhoradas de forma financeiramente sustentada.

Nós bem percebemos porque razão o senhor Primeiro-Ministro quer fugir desta questão central e derivar para aquilo a que designou de combate ideológico sobre o despesismo orçamental. Mas basta reparar que um dos partidos políticos que mais gritou contra o despesismo deste Orçamento é precisamente quem o vai viabilizar, para se concluir que, afinal, essa questão não é central e, muito menos, ideológica na perspectiva deste Orçamento.

Mas se o senhor Primeiro-Ministro, o Governo e o PS, quiserem teimar em erguer o "despesismo" como o alfa e o omega deste Orçamento, então ainda podemos voltar à política fiscal. Porque se há no Orçamento despesismo gritante e intolerável, é o despesismo fiscal. São os benefícios fiscais, as isenções e reduções de taxas, a evasão e a fraude fiscais, e é ainda o "despesismo" no permanente crescimento das dívidas fiscais e parafiscais.

Senhor Presidente e senhores Deputados, sejamos claros.

A afirmação do Governo e do Ministro das Finanças de que este Orçamento desagrava os contribuintes cumpridores, é uma fraude política.

A verdade é que só há desagravamento, e significativo, para os lucros.

Os contribuintes cumpridores de IRS não beneficiam em nada com este Orçamento.

Se alguém pensou que o novo Governo do PS, diversamente do seu antecessor, se iria distanciar dos grupos económicos e deixar de os apoiar com despudor, enganou-se redondamente.

As grandes empresas vão pagar menos 50 milhões de contos de IRC, isso é um facto.

Os bancos que têm sido tributados a uma taxa efectiva de 20%, passarão agora a pagar 18 ou 17%, sobre isso não restam dúvidas.

Os dividendos das empresas cotadas em Bolsa, as mais-valias e as aplicações financeiras e especulativas continuarão sentados à mesa do Orçamento aboletando-se com tão chorudos quanto ilegítimos e imorais benefícios fiscais.

Entretanto, os rendimentos do trabalho continuarão a ser fortemente penalizados. Para eles o Governo mostra-se cego e surdo, embora não mudo.

Mudo não, porque o Ministro das Finanças se vangloria de um alegado benefício decorrente da actualização dos escalões do IRS acima da taxa de inflação. Mas isso não passa de uma aleivosia. Essas actualizações, incluindo (como alguém já lhe chamou) as "revisões ao texto feitas pelo próprio autor" no início da semana, significam exactamente o seguinte: os 50% de contribuintes de mais baixos rendimentos não são em nada beneficiados e os 15% imediatamente a seguir são brindados, por esse acto magnânimo do Governo, com 160$00 ... por ano. Na melhor das hipóteses trata-se de um rebuçado, já que nem para comprar um pacote de rebuçados chegará.

Haja um pouco mais de pudor nas afirmações, senhor Ministro, é o mínimo que lhe podemos exigir!

A verdade é que o Governo não quis prosseguir a introdução de maior equidade na tributação das pessoas singulares, antes as aumenta.

A verdade é que, não por falta de coragem mas por vontade política, o Governo mantém a imoralidade do paraíso fiscal em que o País vive no âmbito da tributação dos rendimentos financeiros.

A verdade é que o Governo quis, apenas e só, reduzir a carga fiscal para os lucros.

Porque é essa a vontade política do Governo do PS, e porque milagres aqui não há, naturalmente que alguém tinha de ser sacrificado. E o Governo aí também não teve dúvidas: os contribuintes de IRS e os trabalhadores da Administração Pública. Lamentável e inaceitavelmente, os "bodes expiatórios" são sempre os mesmos.

Aliás, a intenção do Governo de uma actualização salarial de 2,4 ou 2,5%, significa inequivocamente o desejo de fazer um congelamento dos salários reais dos trabalhadores da função pública e de o apresentar como norma a seguir pelo grande patronato nas negociações colectivas. E harmoniza-se perfeitamente com a manutenção de pensões de reforma chocantes, em particular para os reformados do regime geral com menos de 15 anos de contribuições e para a pensão social. Agora que o Governo se disponibilizou para aumentar as reformas do regime agrícola. Mas ainda aqui, com um argumento que repudiamos, e que sinceramente não esperávamos ouvir pela voz do Ministro que o usou: o de que, para além de ser um regime fechado, se aplicar a 300.000 reformados com mais de 70 anos e 200.000 com mais de 75 anos ....

O senhor Ministro do Emprego e da Solidariedade Social estará, certamente, arrependido de tal afirmação ter feito, e ficar-lhe-ia bem que publicamente o reconhecesse.

Mas, senhor Presidente e senhores Deputados, este Orçamento é, igualmente, um jogo de simulações.

Simula a melhoria substancial da eficiência fiscal, com base aparente em medidas e instrumentos de que não dá conta, aumentando a alegada previsão das receitas fiscais. Mas como sabe, melhor do que ninguém, os pés de barro em que assenta, paralelamente congela à partida 160 milhões de contos de despesa orçamentada. Orçamentada, não para realizar mas para simular.

Simula que quer alargar a base de tributação e pôr a pagar impostos quem se evade. Mas o que faz é propor um negócio às profissões liberais e a algumas empresas e contribuintes: se pagarem 75 ou 150 contos por ano, o Governo dispensa-os de terem contabilidade organizada, o que, na prática, significa que, por um preço mais baixo que os honorários de um técnico de contas, ficam livres para fazerem a evasão fiscal que quiserem.

Simulação, ainda, na chamada regionalização das verbas do PIDDAC, que não obedece a nenhuma lógica. Mas que têm um sentido. O Governo decidiu que, no papel, nenhum Distrito poderia apresentar uma dotação inferior à orçamentada em 1999. E vai de distribuir os programas e projectos com esse exclusivo sentido. Como, e meros exemplos são, atribuir a ligação ferroviária Sines-Espanha na totalidade a Beja, ou integrar o nó de Coimbrões - Madalena nas dotações a Marco de Canaveses.

Aliás, a simulação encontra-se, igualmente, nas Grandes Opções do Plano, expressão viva de um Governo onde a embriaguez das palavras e das frases ocas serve para encobrir a falta de concretas políticas de justiça e equidade social e de coesão territorial. O Conselho Económico e Social afirma no seu parecer que «as medidas de política apresentadas nas GOP continuam a ter um caracter demasiado vago, não existindo em todo o documento nenhum planeamento quantitativo que permita compreender de forma mais clara os meios e as formas que serão utilizados para a prossecução dos objectivos fixados».

Nós, que pudemos aceder não apenas às GOP mas também ao Orçamento, podemos completar a análise, dizendo que de facto não há nada para compreender, porque a semelhança das GOP com o OE, enquanto seu instrumento de concretização, é praticamente idêntica à que existe entre a noite e o dia.

Senhor Presidente e senhores Deputados

Como o referi inicialmente, consideramos o Orçamento para 2000 pior do que previamente seria de admitir. E essa foi uma voluntária e desejada opção política do Governo. Opção política que esteve presente desde a preparação e elaboração do Orçamento, e que as encenações "mediatico-populistas" desta semana não conseguem esconder.

E não se trata de um Orçamento de transição. Quando muito, será um Orçamento de transacção. Mas nós rejeitamos a sugestão desta manhã do Partido Socialista de que os partidos da oposição deveriam fazer "uma segmentação do seu mercado eleitoral" e, retirando algum ganho de causa para esse "segmento de mercado eleitoral", viabilizar o Orçamento do Governo.

Mas, para o PCP, hoje como sempre, os eleitores não são uma mercadoria e o Orçamento do Estado não é um negócio, nem objecto de negócio.

Por isso votaremos contra este Orçamento do Estado.

(...)

Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Marqueiro, há coisas que não aceito, e uma delas é que me chamem desonesto, mas não vou entrar nessa matéria. É que V. Ex.ª, nas afirmações que fez, não foi desonesto, mostrou apenas a sua ignorância.

O Sr. Deputado é ignorante, não consegue perceber o que já por várias vezes lhe afirmei no debate preparatório, em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano, e que acabei de referir há pouco. Assim sendo, vou tentar explicar-lhe melhor. Veja se agora consegue perceber!

O Governo vangloria-se de, pelo facto de ter aumentado os escalões de IRS mais do que os 2% decorrentes da inflação, desagravar os contribuintes do IRS.

O que digo, e que já repeti e repeti, é que o desagravamento de que o Governo fala — não estou a referir nada que tenha a ver com a comparação entre o Orçamento de 1999 e o Orçamento de 2000 ou se há desagravamento ou agravamento; refiro-me ao desagravamento de que o Governo fala, ou seja, àquilo que é suportado, em sede de IRS, com base na tabela que o Governo apresenta e àquilo que seria suportado com base na tabela actualizada em 2% — permite o seguinte benefício: para 50% dos contribuintes, zero (absolutamente zero!); para 15% dos contribuintes, 160$/ano, após revisão do texto da Lei do Orçamento!

V. Ex.ª considera isto um desagravamento?!

V. Ex.ª considera que isto é corrigir desigualdades?!

V. Ex.ª considera que é corrigir desigualdades, ou é agravar, baixar a taxa para as empresas em dois pontos percentuais e não baixar um centésimo que seja as taxas do IRS?!

Intervenção do Deputado

Octávio teixeira

Debate do Orçamento do Estado para 2000

17 de Fevereiro de 2000

O Orçamento do Estado é, em princípio, a concretização financeira das grandes opções de políticas consagradas no programa de um Governo.

E tendo nós, PCP, públicas e fundamentais divergências com o programa e orientações políticas essenciais do Governo, não poderíamos ter uma expectativa positiva face ao Orçamento que nos iria ser apresentado.

Mas o Orçamento do Estado para 2000 vai para além do que seria de esperar. Fundamentalmente, estamos perante um inegável e indesculpável mau Orçamento. Um mau orçamento para o País e, particularmente, para os trabalhadores, para os detentores de rendimentos do trabalho.

A questão central deste Orçamente, nas perspectivas ideológica, política e social é, definitivamente, e quer o senhor Primeiro-Ministro goste ou não, a questão da política fiscal.

É a principal questão ideológica porque, ao apresentar e teimosamente defender este Orçamento, o Governo do Partido Socialista assume, de forma clara e mais acentuada que nunca, a opção por uma política fiscal de classe. Porque não só os principais factores de desigualdade e de injustiça do sistema fiscal não são combatidos como são agravados com o discricionário tratamento de privilégio que neste exacto Orçamento é concedido aos rendimentos de capital, aos lucros.

É ainda a questão central do ponto de vista político, porque no âmbito da justiça fiscal ele consubstancia um retrocesso evidente em relação ao Orçamento de 1999. De facto e como o senhor Primeiro-Ministro recordou, com o apoio e participação determinante do PCP, no Orçamento anterior foi introduzida uma maior justiça fiscal entre os contribuintes que pagam IRS, fazendo baixar a carga para os de mais baixos rendimentos. Seria, pois, de admitir que neste Orçamento se prosseguisse essa via de mais justiça fiscal. Mas não é isso que se verifica com este Orçamento. Antes pelo contrário. Sendo legítimo pensar que o que se verificou em 1999 na fiscalidade foi um mero interregno ... ditado pelo facto de ser ano de eleições.

Não aceitamos a tese que o Governo, o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças procuram vender, de que se trata de um Orçamento de transição. Ela não é politicamente aceitável. Há uma continuidade do Governo do Partido Socialista e do Primeiro-Ministro. O próprio programa do Governo se afirmava na continuidade do programa e do Governo anteriores. A tese da transição do Orçamento é pois a ausência de coragem para dizer que é isto que o Governo quer, e que com ele não haverá qualquer reforma fiscal digna desse nome. E é ainda uma forma pouco democrática de solicitar aos partidos políticos de oposição que não olhem para o conteúdo do Orçamento, que fechem os olhos e o viabilizem.

Mas a questão da política fiscal é, ainda, a questão central do ponto de vista social. Porque, demonstradamente, a política social mais urgente para o País é a reforma fiscal. Porque mais justiça fiscal, entre os rendimentos de capital e os rendimentos do trabalho, entre os mais elevados e os mais baixos rendimentos, é em si mesma uma questão social de grande dimensão. Mas também porque a reforma fiscal é essencial para que as restantes políticas sociais, da Saúde à Educação, da Habitação à Segurança Social, possam ser prosseguidas e melhoradas de forma financeiramente sustentada.

Nós bem percebemos porque razão o senhor Primeiro-Ministro quer fugir desta questão central e derivar para aquilo a que designou de combate ideológico sobre o despesismo orçamental. Mas basta reparar que um dos partidos políticos que mais gritou contra o despesismo deste Orçamento é precisamente quem o vai viabilizar, para se concluir que, afinal, essa questão não é central e, muito menos, ideológica na perspectiva deste Orçamento.

Mas se o senhor Primeiro-Ministro, o Governo e o PS, quiserem teimar em erguer o "despesismo" como o alfa e o omega deste Orçamento, então ainda podemos voltar à política fiscal. Porque se há no Orçamento despesismo gritante e intolerável, é o despesismo fiscal. São os benefícios fiscais, as isenções e reduções de taxas, a evasão e a fraude fiscais, e é ainda o "despesismo" no permanente crescimento das dívidas fiscais e parafiscais.

Senhor Presidente e senhores Deputados, sejamos claros.

A afirmação do Governo e do Ministro das Finanças de que este Orçamento desagrava os contribuintes cumpridores, é uma fraude política.

A verdade é que só há desagravamento, e significativo, para os lucros.

Os contribuintes cumpridores de IRS não beneficiam em nada com este Orçamento.

Se alguém pensou que o novo Governo do PS, diversamente do seu antecessor, se iria distanciar dos grupos económicos e deixar de os apoiar com despudor, enganou-se redondamente.

As grandes empresas vão pagar menos 50 milhões de contos de IRC, isso é um facto.

Os bancos que têm sido tributados a uma taxa efectiva de 20%, passarão agora a pagar 18 ou 17%, sobre isso não restam dúvidas.

Os dividendos das empresas cotadas em Bolsa, as mais-valias e as aplicações financeiras e especulativas continuarão sentados à mesa do Orçamento aboletando-se com tão chorudos quanto ilegítimos e imorais benefícios fiscais.

Entretanto, os rendimentos do trabalho continuarão a ser fortemente penalizados. Para eles o Governo mostra-se cego e surdo, embora não mudo.

Mudo não, porque o Ministro das Finanças se vangloria de um alegado benefício decorrente da actualização dos escalões do IRS acima da taxa de inflação. Mas isso não passa de uma aleivosia. Essas actualizações, incluindo (como alguém já lhe chamou) as "revisões ao texto feitas pelo próprio autor" no início da semana, significam exactamente o seguinte: os 50% de contribuintes de mais baixos rendimentos não são em nada beneficiados e os 15% imediatamente a seguir são brindados, por esse acto magnânimo do Governo, com 160$00 ... por ano. Na melhor das hipóteses trata-se de um rebuçado, já que nem para comprar um pacote de rebuçados chegará.

Haja um pouco mais de pudor nas afirmações, senhor Ministro, é o mínimo que lhe podemos exigir!

A verdade é que o Governo não quis prosseguir a introdução de maior equidade na tributação das pessoas singulares, antes as aumenta.

A verdade é que, não por falta de coragem mas por vontade política, o Governo mantém a imoralidade do paraíso fiscal em que o País vive no âmbito da tributação dos rendimentos financeiros.

A verdade é que o Governo quis, apenas e só, reduzir a carga fiscal para os lucros.

Porque é essa a vontade política do Governo do PS, e porque milagres aqui não há, naturalmente que alguém tinha de ser sacrificado. E o Governo aí também não teve dúvidas: os contribuintes de IRS e os trabalhadores da Administração Pública. Lamentável e inaceitavelmente, os "bodes expiatórios" são sempre os mesmos.

Aliás, a intenção do Governo de uma actualização salarial de 2,4 ou 2,5%, significa inequivocamente o desejo de fazer um congelamento dos salários reais dos trabalhadores da função pública e de o apresentar como norma a seguir pelo grande patronato nas negociações colectivas. E harmoniza-se perfeitamente com a manutenção de pensões de reforma chocantes, em particular para os reformados do regime geral com menos de 15 anos de contribuições e para a pensão social. Agora que o Governo se disponibilizou para aumentar as reformas do regime agrícola. Mas ainda aqui, com um argumento que repudiamos, e que sinceramente não esperávamos ouvir pela voz do Ministro que o usou: o de que, para além de ser um regime fechado, se aplicar a 300.000 reformados com mais de 70 anos e 200.000 com mais de 75 anos ....

O senhor Ministro do Emprego e da Solidariedade Social estará, certamente, arrependido de tal afirmação ter feito, e ficar-lhe-ia bem que publicamente o reconhecesse.

Mas, senhor Presidente e senhores Deputados, este Orçamento é, igualmente, um jogo de simulações.

Simula a melhoria substancial da eficiência fiscal, com base aparente em medidas e instrumentos de que não dá conta, aumentando a alegada previsão das receitas fiscais. Mas como sabe, melhor do que ninguém, os pés de barro em que assenta, paralelamente congela à partida 160 milhões de contos de despesa orçamentada. Orçamentada, não para realizar mas para simular.

Simula que quer alargar a base de tributação e pôr a pagar impostos quem se evade. Mas o que faz é propor um negócio às profissões liberais e a algumas empresas e contribuintes: se pagarem 75 ou 150 contos por ano, o Governo dispensa-os de terem contabilidade organizada, o que, na prática, significa que, por um preço mais baixo que os honorários de um técnico de contas, ficam livres para fazerem a evasão fiscal que quiserem.

Simulação, ainda, na chamada regionalização das verbas do PIDDAC, que não obedece a nenhuma lógica. Mas que têm um sentido. O Governo decidiu que, no papel, nenhum Distrito poderia apresentar uma dotação inferior à orçamentada em 1999. E vai de distribuir os programas e projectos com esse exclusivo sentido. Como, e meros exemplos são, atribuir a ligação ferroviária Sines-Espanha na totalidade a Beja, ou integrar o nó de Coimbrões - Madalena nas dotações a Marco de Canaveses.

Aliás, a simulação encontra-se, igualmente, nas Grandes Opções do Plano, expressão viva de um Governo onde a embriaguez das palavras e das frases ocas serve para encobrir a falta de concretas políticas de justiça e equidade social e de coesão territorial. O Conselho Económico e Social afirma no seu parecer que «as medidas de política apresentadas nas GOP continuam a ter um caracter demasiado vago, não existindo em todo o documento nenhum planeamento quantitativo que permita compreender de forma mais clara os meios e as formas que serão utilizados para a prossecução dos objectivos fixados».

Nós, que pudemos aceder não apenas às GOP mas também ao Orçamento, podemos completar a análise, dizendo que de facto não há nada para compreender, porque a semelhança das GOP com o OE, enquanto seu instrumento de concretização, é praticamente idêntica à que existe entre a noite e o dia.

Senhor Presidente e senhores Deputados

Como o referi inicialmente, consideramos o Orçamento para 2000 pior do que previamente seria de admitir. E essa foi uma voluntária e desejada opção política do Governo. Opção política que esteve presente desde a preparação e elaboração do Orçamento, e que as encenações "mediatico-populistas" desta semana não conseguem esconder.

E não se trata de um Orçamento de transição. Quando muito, será um Orçamento de transacção. Mas nós rejeitamos a sugestão desta manhã do Partido Socialista de que os partidos da oposição deveriam fazer "uma segmentação do seu mercado eleitoral" e, retirando algum ganho de causa para esse "segmento de mercado eleitoral", viabilizar o Orçamento do Governo.

Mas, para o PCP, hoje como sempre, os eleitores não são uma mercadoria e o Orçamento do Estado não é um negócio, nem objecto de negócio.

Por isso votaremos contra este Orçamento do Estado.

(...)

Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Marqueiro, há coisas que não aceito, e uma delas é que me chamem desonesto, mas não vou entrar nessa matéria. É que V. Ex.ª, nas afirmações que fez, não foi desonesto, mostrou apenas a sua ignorância.

O Sr. Deputado é ignorante, não consegue perceber o que já por várias vezes lhe afirmei no debate preparatório, em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano, e que acabei de referir há pouco. Assim sendo, vou tentar explicar-lhe melhor. Veja se agora consegue perceber!

O Governo vangloria-se de, pelo facto de ter aumentado os escalões de IRS mais do que os 2% decorrentes da inflação, desagravar os contribuintes do IRS.

O que digo, e que já repeti e repeti, é que o desagravamento de que o Governo fala — não estou a referir nada que tenha a ver com a comparação entre o Orçamento de 1999 e o Orçamento de 2000 ou se há desagravamento ou agravamento; refiro-me ao desagravamento de que o Governo fala, ou seja, àquilo que é suportado, em sede de IRS, com base na tabela que o Governo apresenta e àquilo que seria suportado com base na tabela actualizada em 2% — permite o seguinte benefício: para 50% dos contribuintes, zero (absolutamente zero!); para 15% dos contribuintes, 160$/ano, após revisão do texto da Lei do Orçamento!

V. Ex.ª considera isto um desagravamento?!

V. Ex.ª considera que isto é corrigir desigualdades?!

V. Ex.ª considera que é corrigir desigualdades, ou é agravar, baixar a taxa para as empresas em dois pontos percentuais e não baixar um centésimo que seja as taxas do IRS?!

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