Atentados levaram deputados a alterar posição

05-10-2001
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Atentados Levaram Deputados a Alterar Posição

Por EUNICE LOURENÇO

Quinta-feira, 4 de Outubro de 2001

Revisão constitucional aprovada hoje

O socialista Medeiros Ferreira critica as sucessivas revisões da Constituição e propõe uma nova lei fundamental. A revisão extraordinária que vai hoje ao Parlamento é a quinta desde 1976. A prisão perpétua foi o tema que dominou esta revisão, mas os atentados de 11 de Setembro levaram alguns deputados a rever a sua posição. Um trabalho de Eunice Lourenço

A Assembleia da República aprova hoje a quinta revisão constitucional em 25 anos. Uma revisão extraordinária, aberta para que Portugal possa aderir ao Tribunal Penal Internacional (TPI) e que acabou por ser moldada e acelerada pelos atentados de 11 de Setembro, que obrigaram alguns deputados a reflectir sobre as suas posições.

Foi o caso de Rui Gomes da Silva, do PSD, um dos deputados que já tinha anunciado que estava contra a revisão constitucional por uma questão de princípio: o TPI prevê a aplicação da prisão perpétua, pena que Portugal aboliu há mais de um século. Essa era, aliás, a objecção que mais deputados colocavam à revisão da Constituição e à ratificação do Tratado de Roma, que cria o TPI.

A questão de aceitar uma instância que prevê a prisão perpétua, embora com revisão ao fim de 30 anos, colocava tantos problemas de princípios e valores aos deputados que, apesar de algumas vozes levantarem dúvidas sobre se seria necessário mexer no artigo constitucional sobre a extradição de pessoas, ninguém se atrevia a propor uma alteração. Contudo, os atentados de 11 de Setembro levaram a União Europeia a andar mais rapidamente com a criação do mandado de busca e prisão europeu, que também colocava problemas nesse âmbito, pois a Constituição portuguesa proíbe a extradição de suspeitos de crimes puníveis com prisão perpétua nos países requerentes, a não ser que existam garantias de que essa pena não é aplicada.

Em duas semanas, PS e PSD - os dois partidos necessários e suficientes para aprovar uma revisão da Constituição - puseram-se de acordo e acabaram por mexer no artigo 33º, abrindo a possibilidade de extradição de suspeitos para países da União Europeia que tenham prisão perpétua, e que são a grande maioria.

Duas semanas foi também o tempo que alguns deputados levaram a reflectir sobre a sua posição em relação a esta revisão. Na semana passada, Rui Gomes da Silva entregou à direcção da bancada parlamentar do PSD uma carta em que explica a sua mudança de posição. Este deputado estava desde o início contra a alteração da lei fundamental, mas o seu partido tinha feito questão de que ele integrasse a comissão de revisão e que discursasse hoje no plenário.

Gomes da Silva irá fazê-lo na mesma, mas agora para explicar por que é que mudou de posição. "Mantenho as convicções, mas mudaram as circunstâncias", justifica o deputado. E as circunstâncias são os atentados que mudaram o mundo.

"Há momentos em que uma pessoa não pode ficar do mesmo lado da barricada em que estão os que consideram que a culpa é das vítimas e que a legitimidade está do lado dos terroristas", disse este deputado ao PÚBLICO, explicando, assim, que não vai votar contra porque não quer estar do mesmo lado que o Bloco de Esquerda e o PCP. Para Gomes da Silva, esses partidos que, em relação aos atentados de 11 de Setembro, "entendem que as vítimas têm a responsabilidade e os terroristas a legitimidade".

Também para Maria Celeste Cardona, do CDS-PP, os atentados vieram baralhar os dados. Embora ontem ainda não tivesse tomado uma decisão definitiva, esta deputada, que esteve contra a abertura da Constituição, ponderava mudar de posição. O CDS-PP, que no início deste processo era o grupo parlamentar mais dividido, já que vários deputados colocavam problemas de consciência em serem coniventes com a aplicação da prisão perpétua, pode acabar por hoje votar quase unido.

Também no PS, ontem havia quem ainda não tivesse tomado uma decisão definitiva sobre o seu sentido de voto. Era o caso de Medeiros Ferreira, um dos poucos deputados da Assembleia Constituinte que hoje está no Parlamento. Este deputado esteve contra a abertura da lei fundamental porque considera que Portugal podia aderir ao TPI sem mexer na Constituição. Contudo, não foi esse o entendimento da generalidade dos constitucionalistas ouvidos na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais.

"Defendi a ratificação do TPI sem rever a Constituição e alertei os membros da comissão política para o facto de uma revisão constitucional ser sempre um negócio interpartidário e de braço de ferro político, que pouco tem depois a ver com a Constituição", lembra Medeiros Ferreira, para quem "o PS, normalmente, acaba por ir cedendo a propostas que lhe são exógenas".

Foi o que mais uma vez aconteceu, com os socialistas - que de início só admitiam mexer na Constituição com vista ao TPI e aos sindicatos das polícias (exigência do PSD para permitir a abertura de um processo extraordinário de revisão) - a acabar por ceder à maioria das propostas dos outros partidos. Só não cedeu na questão da limitação dos mandatos dos titulares de cargos políticos, proposta pelo PSD e pelo CDS-PP. Os socialistas adiam essa alteração para daqui a um ano, quando for aberto o processo de revisão ordinária da Constituição.

Tantas revisões levam Medeiros Ferreira a questionar a manutenção da lei fundamental aprovada em 1976, exigindo a estabilização da lei fundamental, que neste 25 anos está a ser alterada pela quinta vez. "Entre uma Constituição sempre a ser revista e um nova constituição, prefiro uma nova constituição democrática", conclui o deputado.

Atentados Levaram Deputados a Alterar Posição

Por EUNICE LOURENÇO

Quinta-feira, 4 de Outubro de 2001

Revisão constitucional aprovada hoje

O socialista Medeiros Ferreira critica as sucessivas revisões da Constituição e propõe uma nova lei fundamental. A revisão extraordinária que vai hoje ao Parlamento é a quinta desde 1976. A prisão perpétua foi o tema que dominou esta revisão, mas os atentados de 11 de Setembro levaram alguns deputados a rever a sua posição. Um trabalho de Eunice Lourenço

A Assembleia da República aprova hoje a quinta revisão constitucional em 25 anos. Uma revisão extraordinária, aberta para que Portugal possa aderir ao Tribunal Penal Internacional (TPI) e que acabou por ser moldada e acelerada pelos atentados de 11 de Setembro, que obrigaram alguns deputados a reflectir sobre as suas posições.

Foi o caso de Rui Gomes da Silva, do PSD, um dos deputados que já tinha anunciado que estava contra a revisão constitucional por uma questão de princípio: o TPI prevê a aplicação da prisão perpétua, pena que Portugal aboliu há mais de um século. Essa era, aliás, a objecção que mais deputados colocavam à revisão da Constituição e à ratificação do Tratado de Roma, que cria o TPI.

A questão de aceitar uma instância que prevê a prisão perpétua, embora com revisão ao fim de 30 anos, colocava tantos problemas de princípios e valores aos deputados que, apesar de algumas vozes levantarem dúvidas sobre se seria necessário mexer no artigo constitucional sobre a extradição de pessoas, ninguém se atrevia a propor uma alteração. Contudo, os atentados de 11 de Setembro levaram a União Europeia a andar mais rapidamente com a criação do mandado de busca e prisão europeu, que também colocava problemas nesse âmbito, pois a Constituição portuguesa proíbe a extradição de suspeitos de crimes puníveis com prisão perpétua nos países requerentes, a não ser que existam garantias de que essa pena não é aplicada.

Em duas semanas, PS e PSD - os dois partidos necessários e suficientes para aprovar uma revisão da Constituição - puseram-se de acordo e acabaram por mexer no artigo 33º, abrindo a possibilidade de extradição de suspeitos para países da União Europeia que tenham prisão perpétua, e que são a grande maioria.

Duas semanas foi também o tempo que alguns deputados levaram a reflectir sobre a sua posição em relação a esta revisão. Na semana passada, Rui Gomes da Silva entregou à direcção da bancada parlamentar do PSD uma carta em que explica a sua mudança de posição. Este deputado estava desde o início contra a alteração da lei fundamental, mas o seu partido tinha feito questão de que ele integrasse a comissão de revisão e que discursasse hoje no plenário.

Gomes da Silva irá fazê-lo na mesma, mas agora para explicar por que é que mudou de posição. "Mantenho as convicções, mas mudaram as circunstâncias", justifica o deputado. E as circunstâncias são os atentados que mudaram o mundo.

"Há momentos em que uma pessoa não pode ficar do mesmo lado da barricada em que estão os que consideram que a culpa é das vítimas e que a legitimidade está do lado dos terroristas", disse este deputado ao PÚBLICO, explicando, assim, que não vai votar contra porque não quer estar do mesmo lado que o Bloco de Esquerda e o PCP. Para Gomes da Silva, esses partidos que, em relação aos atentados de 11 de Setembro, "entendem que as vítimas têm a responsabilidade e os terroristas a legitimidade".

Também para Maria Celeste Cardona, do CDS-PP, os atentados vieram baralhar os dados. Embora ontem ainda não tivesse tomado uma decisão definitiva, esta deputada, que esteve contra a abertura da Constituição, ponderava mudar de posição. O CDS-PP, que no início deste processo era o grupo parlamentar mais dividido, já que vários deputados colocavam problemas de consciência em serem coniventes com a aplicação da prisão perpétua, pode acabar por hoje votar quase unido.

Também no PS, ontem havia quem ainda não tivesse tomado uma decisão definitiva sobre o seu sentido de voto. Era o caso de Medeiros Ferreira, um dos poucos deputados da Assembleia Constituinte que hoje está no Parlamento. Este deputado esteve contra a abertura da lei fundamental porque considera que Portugal podia aderir ao TPI sem mexer na Constituição. Contudo, não foi esse o entendimento da generalidade dos constitucionalistas ouvidos na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais.

"Defendi a ratificação do TPI sem rever a Constituição e alertei os membros da comissão política para o facto de uma revisão constitucional ser sempre um negócio interpartidário e de braço de ferro político, que pouco tem depois a ver com a Constituição", lembra Medeiros Ferreira, para quem "o PS, normalmente, acaba por ir cedendo a propostas que lhe são exógenas".

Foi o que mais uma vez aconteceu, com os socialistas - que de início só admitiam mexer na Constituição com vista ao TPI e aos sindicatos das polícias (exigência do PSD para permitir a abertura de um processo extraordinário de revisão) - a acabar por ceder à maioria das propostas dos outros partidos. Só não cedeu na questão da limitação dos mandatos dos titulares de cargos políticos, proposta pelo PSD e pelo CDS-PP. Os socialistas adiam essa alteração para daqui a um ano, quando for aberto o processo de revisão ordinária da Constituição.

Tantas revisões levam Medeiros Ferreira a questionar a manutenção da lei fundamental aprovada em 1976, exigindo a estabilização da lei fundamental, que neste 25 anos está a ser alterada pela quinta vez. "Entre uma Constituição sempre a ser revista e um nova constituição, prefiro uma nova constituição democrática", conclui o deputado.

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