Suplemento Mil Folhas

18-08-2001
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Dez Anos em Revista

Por MANUEL PEDRO FERREIRA

Sábado, 18 de Agosto de 2001

Assinalando o décimo aniversário da anual "Revista Portuguesa de Musicologia", publica-se o seu nono número. Como homenagem, traçamos-lhe o percurso e as valias.

Musicologia é o nome que se dá ao estudo científico das actividades musicais. Esse estudo pode ter as orientações mais diversas: histórica, sociológica, estética, psicológica, acústica, organológica, etc. Não considerando, por demasiado vagos, os precedentes sumérios e egípcios, a musicologia ocidental remonta pelo menos ao tempo de Platão. Os ensinamentos pitagóricos, juntos à teoria de um discípulo de Aristóteles, Aristoxeno, constituíram a base da disciplina desde então até ao Renascimento. Na Idade Média, foi a música teórica transmitida por Boécio, e não a música prática, que foi ensinada na Universidade. Em Portugal, a primeira cátedra de Música foi criada no final do reinado de D. Dinis. Mais tarde, a investigação teórica desenvolveu-se preferencialmente no seio de Academias vocacionadas para a discussão intelectual. A Musicologia, tal como a conhecemos hoje, foi reintegrada na Universidade a partir do século XIX, mas em Portugal, como se esperaria, o primeiro departamento universitário dedicado ao ensino da disciplina foi somente criado em 1980. Dez anos de consolidação académica permitiram que, em 1991, saísse o primeiro número da "Revista Portuguesa de Musicologia", com periodicidade anual, editada pelo Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC). Desde então, apesar de alguns sobressaltos, como a extinção do INIC (que levou a que a edição da revista fosse assumida pela Associação Portuguesa de Ciências Musicais, com o apoio do Ministério da Cultura), temos contado com uma publicação dedicada exclusivamente aos estudos musicais, especialmente (mas não só) aqueles que dizem respeito à música em Portugal, essa grande desconhecida.

Folheando os números editados, apercebemo-nos da grande variedade de artigos aí acolhidos, escritos maioritariamente em português, mas também em inglês, e por vezes em castelhano, francês e italiano. As músicas tradicionais estão especialmente em foco no primeiro número, através, por exemplo, do artigo de Miguel Manzano sobre as relações entre o repertório de Trás-os-Montes e as tradições castelhano-leonesas. No sexto número, Maria de São José Corte-Real fala da canção de intervenção em torno ao 25 de Abril, e no recém-impresso nono número (em vias de distribuição), João Soeiro de Carvalho explica o papel pioneiro que, há cem anos, Abel Viana desempenhou na formação do folclorismo minhoto e na formulação da ideia de "rancho folclórico".

Grande parte do conteúdo da "Revista Portuguesa de Musicologia" tem sido, porém, dedicado a temas históricos. Começando pelas épocas mais recuadas, são de assinalar quer a importante análise do cancioneiro musical quinhentista da Biblioteca Nacional (Owen Rees) nos quarto e quinto números, quer, no terceiro, a chamada de atenção para motetes inéditos do nosso grande polifonista Manuel Cardoso (José Pedrosa Cardoso). A presença de Domenico Scarlatti em Portugal foi objecto de importantes achegas nos primeiro (Gerhard Doderer), sétimo e oitavo números (João Pedro Alvarenga); a época de D. João V aparece, de resto, tratada em vários artigos, como o que apresenta, no terceiro número, as actividades musicais referidas nos relatórios da Nunciatura Apostólica (G. Doderer e C. Rosado Fernandes). O tratamento da canção de salão, dita "modinha", publicado logo na primeira edição da "Revista" (Gabriela Cruz), o detalhado estudo sobre a Capela Musical da Bemposta, na terceira (Joseph Scherpereel), a investigação detectivesca sobre a música de tecla de João de Sousa Carvalho, na quarta e quinta (João Pedro Alvarenga), ou os artigos sobre a música nos mosteiros femininos portugueses, na sétima e oitava (Elisa Lessa, Cristina Fernandes), são outros tantos olhares sobre o século XVIII. O século XIX aparece sobretudo através da ópera, seja ela no Porto (quarto e quinto números: Luísa Cymbron) ou em Lisboa (sétimo e oitavo: José Augusto-França); mas não se esquece nem a importação de órgãos ingleses na Madeira (sexto: Christopher Kent) nem o significado cultural da Sinfonia "À Pátria" de Viana da Mota (segundo: Manuela Toscano). Ao século XX é dada uma atenção menor, destacando-se o trabalho sobre Fernando Lopes-Graça e o problema da tradição musical portuguesa publicado no sexto número (Teresa Cascudo).

Desde o seu segundo número que a Revista publica recensões bibliográficas, algumas delas de grande fôlego (quarto e quinto, sobre as mais recentes Histórias da Música Portuguesa; e no nono, sobre a Teoria Analítica da Música do Século XX, de João Pedro Oliveira). A utilíssima Discografia da Música Portuguesa publicada no segundo número tem sofrido actualizações periódicas (terceiro, quarto, quinto e nono números). Encontram-se também recensões discográficas nos sexto, sétimo e oitavo números.

O último número da revista, disponível a partir do próximo mês, inclui uma útil bibliografia de teses sobre música feitas (ou em preparação) em instituições nacionais, ou por portugueses no estrangeiro, ou por estrangeiros aqui residentes (Patrícia Bastos). Esta resenha dá-nos uma interessante panorâmica da actividade científica em Portugal no campo da Musicologia. Como leitura, contudo, recomendam-se o substancial ensaio, em inglês, sobre o pós-modernismo na historiografia musical (Reinhard Strohm), e o revelador artigo sobre "patrocínio musical" em Lisboa na segunda metade do século XVIII e inícios do XIX (Joseph Scherpereel). A "Revista Portuguesa de Musicologia" apresenta um grafismo cuidado e regras editoriais precisas; a finalizar, oferece resumos dos textos e fichas sobre os colaboradores (em português e inglês).

Dez Anos em Revista

Por MANUEL PEDRO FERREIRA

Sábado, 18 de Agosto de 2001

Assinalando o décimo aniversário da anual "Revista Portuguesa de Musicologia", publica-se o seu nono número. Como homenagem, traçamos-lhe o percurso e as valias.

Musicologia é o nome que se dá ao estudo científico das actividades musicais. Esse estudo pode ter as orientações mais diversas: histórica, sociológica, estética, psicológica, acústica, organológica, etc. Não considerando, por demasiado vagos, os precedentes sumérios e egípcios, a musicologia ocidental remonta pelo menos ao tempo de Platão. Os ensinamentos pitagóricos, juntos à teoria de um discípulo de Aristóteles, Aristoxeno, constituíram a base da disciplina desde então até ao Renascimento. Na Idade Média, foi a música teórica transmitida por Boécio, e não a música prática, que foi ensinada na Universidade. Em Portugal, a primeira cátedra de Música foi criada no final do reinado de D. Dinis. Mais tarde, a investigação teórica desenvolveu-se preferencialmente no seio de Academias vocacionadas para a discussão intelectual. A Musicologia, tal como a conhecemos hoje, foi reintegrada na Universidade a partir do século XIX, mas em Portugal, como se esperaria, o primeiro departamento universitário dedicado ao ensino da disciplina foi somente criado em 1980. Dez anos de consolidação académica permitiram que, em 1991, saísse o primeiro número da "Revista Portuguesa de Musicologia", com periodicidade anual, editada pelo Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC). Desde então, apesar de alguns sobressaltos, como a extinção do INIC (que levou a que a edição da revista fosse assumida pela Associação Portuguesa de Ciências Musicais, com o apoio do Ministério da Cultura), temos contado com uma publicação dedicada exclusivamente aos estudos musicais, especialmente (mas não só) aqueles que dizem respeito à música em Portugal, essa grande desconhecida.

Folheando os números editados, apercebemo-nos da grande variedade de artigos aí acolhidos, escritos maioritariamente em português, mas também em inglês, e por vezes em castelhano, francês e italiano. As músicas tradicionais estão especialmente em foco no primeiro número, através, por exemplo, do artigo de Miguel Manzano sobre as relações entre o repertório de Trás-os-Montes e as tradições castelhano-leonesas. No sexto número, Maria de São José Corte-Real fala da canção de intervenção em torno ao 25 de Abril, e no recém-impresso nono número (em vias de distribuição), João Soeiro de Carvalho explica o papel pioneiro que, há cem anos, Abel Viana desempenhou na formação do folclorismo minhoto e na formulação da ideia de "rancho folclórico".

Grande parte do conteúdo da "Revista Portuguesa de Musicologia" tem sido, porém, dedicado a temas históricos. Começando pelas épocas mais recuadas, são de assinalar quer a importante análise do cancioneiro musical quinhentista da Biblioteca Nacional (Owen Rees) nos quarto e quinto números, quer, no terceiro, a chamada de atenção para motetes inéditos do nosso grande polifonista Manuel Cardoso (José Pedrosa Cardoso). A presença de Domenico Scarlatti em Portugal foi objecto de importantes achegas nos primeiro (Gerhard Doderer), sétimo e oitavo números (João Pedro Alvarenga); a época de D. João V aparece, de resto, tratada em vários artigos, como o que apresenta, no terceiro número, as actividades musicais referidas nos relatórios da Nunciatura Apostólica (G. Doderer e C. Rosado Fernandes). O tratamento da canção de salão, dita "modinha", publicado logo na primeira edição da "Revista" (Gabriela Cruz), o detalhado estudo sobre a Capela Musical da Bemposta, na terceira (Joseph Scherpereel), a investigação detectivesca sobre a música de tecla de João de Sousa Carvalho, na quarta e quinta (João Pedro Alvarenga), ou os artigos sobre a música nos mosteiros femininos portugueses, na sétima e oitava (Elisa Lessa, Cristina Fernandes), são outros tantos olhares sobre o século XVIII. O século XIX aparece sobretudo através da ópera, seja ela no Porto (quarto e quinto números: Luísa Cymbron) ou em Lisboa (sétimo e oitavo: José Augusto-França); mas não se esquece nem a importação de órgãos ingleses na Madeira (sexto: Christopher Kent) nem o significado cultural da Sinfonia "À Pátria" de Viana da Mota (segundo: Manuela Toscano). Ao século XX é dada uma atenção menor, destacando-se o trabalho sobre Fernando Lopes-Graça e o problema da tradição musical portuguesa publicado no sexto número (Teresa Cascudo).

Desde o seu segundo número que a Revista publica recensões bibliográficas, algumas delas de grande fôlego (quarto e quinto, sobre as mais recentes Histórias da Música Portuguesa; e no nono, sobre a Teoria Analítica da Música do Século XX, de João Pedro Oliveira). A utilíssima Discografia da Música Portuguesa publicada no segundo número tem sofrido actualizações periódicas (terceiro, quarto, quinto e nono números). Encontram-se também recensões discográficas nos sexto, sétimo e oitavo números.

O último número da revista, disponível a partir do próximo mês, inclui uma útil bibliografia de teses sobre música feitas (ou em preparação) em instituições nacionais, ou por portugueses no estrangeiro, ou por estrangeiros aqui residentes (Patrícia Bastos). Esta resenha dá-nos uma interessante panorâmica da actividade científica em Portugal no campo da Musicologia. Como leitura, contudo, recomendam-se o substancial ensaio, em inglês, sobre o pós-modernismo na historiografia musical (Reinhard Strohm), e o revelador artigo sobre "patrocínio musical" em Lisboa na segunda metade do século XVIII e inícios do XIX (Joseph Scherpereel). A "Revista Portuguesa de Musicologia" apresenta um grafismo cuidado e regras editoriais precisas; a finalizar, oferece resumos dos textos e fichas sobre os colaboradores (em português e inglês).

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