Que fazer com 110 mil hectares de regadio?

28-06-2001
marcar artigo

Que Fazer com 110 Mil Hectares de Regadio?

Por CARLOS DIAS

Segunda-feira, 4 de Junho de 2001 Numa região onde há mais agricultores que empresários agrícolas, as razões que justificam o sequeiro no Alentejo são as mesmas que sustentam o regadio: as práticas monoculturais, o atraso tecnológico, a escassez de mão-de-obra e a corrida aos subsídios. O medo da mudança intensifica os apelos a um regresso à agricultura tradicional. O projecto de fins múltiplos de Alqueva está progressivamente a fugir das mãos dos alentejanos. Apesar da fase de desenvolvimento em que já se encontra a grande barragem do Sul, os agricultores locais continuam sem saber o que fazer com as mais valias do empreendimento. Adérito Serrão, presidente da EDIA, interpreta o fenómeno como "um amolecimento do espírito empresarial e o medo de assumir o risco", embora admita que as pessoas possam estar "assustadas" pelas indefinições que ainda marcam o projecto na sua vertente agrícola. Mas, "se não forem os de cá (alentejanos) a fazer o aproveitamento do projecto, serão outros", adverte Adérito Serrão. E os exemplos vão-se multiplicando. Manuel Chaves veio de Torres Vedras para plantar, próximo de Ferreira do Alentejo, um pomar com mais de 200 hectares (ver outro texto). E diz ter condições para instalar o triplo "se houver mão-de-obra suficiente". Define o Alentejo como a única região do país onde ainda se pode fazer agricultura em larga escala. Próximo desta exploração, outra toma corpo. Empresários espanhóis adquiriram 10 mil hectares de terreno para instalar um mega-pomar de citrinos e uma fábrica para processar o tratamento e a embalagem de sumos. "Os estrangeiros aparecem com projectos estruturados e sem estarem à espera que o Estado diga o que devem produzir". Para viabilizar grandes projectos Manuel Chaves admite que "só serão possíveis com trabalhadores estrangeiros". Para o próximo ano vai precisar de 600 trabalhadores durante três meses "e não os encontro no Alentejo". Tempo de "despertar" Um docente da Escola Superior Agrária de Beja, Manuel Regato, lamenta que os alentejanos "aceitem trabalhar em Espanha e recusem trabalhar nas explorações da sua terra". Para este professor, os problemas com o regadio de Alqueva têm maior amplitude. Para além da escassez de mão-de-obra - que pode ser substituída por marroquinos ou trabalhadores do Leste europeu - salienta a falta de equipamentos e a escassez de meios técnicos e financeiros para enfrentar os desafios que o novo modelo agrícola impõe. O preço da água também incomoda os agricultores. Nos actuais perímetros de rega o seu valor é simbólico. Com a instalação de novas áreas de regadio, os custos de utilização vão aumentar. Este receio está a provocar uma situação de impasse. As iniciativas dos empresários locais estão adiadas até que sejam conhecidas as taxas de utilização de água. Ilídio Martins, dirigente da Associação de Regantes de Campilhas e Alto Sado, entende que é tempo dos agricultores "despertarem" para a realidade que "já representa o futuro regadio de Alqueva". No entanto chama a atenção para a "excessiva dependência das culturas subsidiadas" que tem travado "a inovação comercial ou a aceitação de alternativas". E alerta ainda para o perigo que representam as monoculturas em regadio, como é o caso do arroz, que ocupa 60 por cento da área regada no Aproveitamento Hidroagrícola de Campilhas e Alto Sado. E que dizem os pequenos agricultores? Tomemos como exemplo Cascalheira Aleixo que faz regadio de beterraba, girassol e trigo rijo - as culturas base, a par do tomate, que sustentam o regadio alentejano. Ao todo cultiva quinze hectares de solo de boa qualidade. Culturas subsidiadas, e que lhe viabilizam a exploração. Gostaria de ir mais além, mas os perigos são muitos "e, quanto maior é o barco, maior é a confusão". Não faz outro tipo de culturas de regadio porque requerem mais mão-de-obra que, "para além de ser cara, é má de arranjar", justifica-se o pequeno agricultor. A terra como um bem comum A decisão do PCP de apresentar um projecto para a criação de um banco de terras, não está as suscitar qualquer movimentação no Alentejo. Os anticorpos deixados pelo processo da Reforma Agrária, suscitam algumas reservas na forma como se comenta a questão fundiária. O bispo de Beja, D. Vitalino Dantas, advoga nesta matéria uma atitude onde prevaleça o equilíbrio e " a salvaguarda das questões humanas", explicando que a Igreja "não aprova o direito ilimitado da propriedade", considerando-a, acima de tudo, "um bem comum". Neste sentido defende que o contexto social, bem como a preservação ambiental, devem prevalecer no novo modelo agrícola, "mas sem pôr em causa a livre iniciativa empresarial". Não defende a Reforma Agrária -"Contudo alguma reforma terá de ser feita," quanto ao uso e posse da terra, nos futuros perímetros de regadio, onde "os lucros do trabalho não podem ser baseados na exploração", porque " a terra deve produzir no benefício de todos". OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Governo quer usar preço da água para impôr regadio

Bancos de terra podem ser bom princípio

Frases

Propostas em debate

PSD está a estudar posição sobre Alqueva

Rosado Fernandes recebeu mais de 850 mil contos

Que fazer com 110 mil hectares de regadio?

Investir um milhão, não ter mão-de-obra

A alternativa biológica

Que Fazer com 110 Mil Hectares de Regadio?

Por CARLOS DIAS

Segunda-feira, 4 de Junho de 2001 Numa região onde há mais agricultores que empresários agrícolas, as razões que justificam o sequeiro no Alentejo são as mesmas que sustentam o regadio: as práticas monoculturais, o atraso tecnológico, a escassez de mão-de-obra e a corrida aos subsídios. O medo da mudança intensifica os apelos a um regresso à agricultura tradicional. O projecto de fins múltiplos de Alqueva está progressivamente a fugir das mãos dos alentejanos. Apesar da fase de desenvolvimento em que já se encontra a grande barragem do Sul, os agricultores locais continuam sem saber o que fazer com as mais valias do empreendimento. Adérito Serrão, presidente da EDIA, interpreta o fenómeno como "um amolecimento do espírito empresarial e o medo de assumir o risco", embora admita que as pessoas possam estar "assustadas" pelas indefinições que ainda marcam o projecto na sua vertente agrícola. Mas, "se não forem os de cá (alentejanos) a fazer o aproveitamento do projecto, serão outros", adverte Adérito Serrão. E os exemplos vão-se multiplicando. Manuel Chaves veio de Torres Vedras para plantar, próximo de Ferreira do Alentejo, um pomar com mais de 200 hectares (ver outro texto). E diz ter condições para instalar o triplo "se houver mão-de-obra suficiente". Define o Alentejo como a única região do país onde ainda se pode fazer agricultura em larga escala. Próximo desta exploração, outra toma corpo. Empresários espanhóis adquiriram 10 mil hectares de terreno para instalar um mega-pomar de citrinos e uma fábrica para processar o tratamento e a embalagem de sumos. "Os estrangeiros aparecem com projectos estruturados e sem estarem à espera que o Estado diga o que devem produzir". Para viabilizar grandes projectos Manuel Chaves admite que "só serão possíveis com trabalhadores estrangeiros". Para o próximo ano vai precisar de 600 trabalhadores durante três meses "e não os encontro no Alentejo". Tempo de "despertar" Um docente da Escola Superior Agrária de Beja, Manuel Regato, lamenta que os alentejanos "aceitem trabalhar em Espanha e recusem trabalhar nas explorações da sua terra". Para este professor, os problemas com o regadio de Alqueva têm maior amplitude. Para além da escassez de mão-de-obra - que pode ser substituída por marroquinos ou trabalhadores do Leste europeu - salienta a falta de equipamentos e a escassez de meios técnicos e financeiros para enfrentar os desafios que o novo modelo agrícola impõe. O preço da água também incomoda os agricultores. Nos actuais perímetros de rega o seu valor é simbólico. Com a instalação de novas áreas de regadio, os custos de utilização vão aumentar. Este receio está a provocar uma situação de impasse. As iniciativas dos empresários locais estão adiadas até que sejam conhecidas as taxas de utilização de água. Ilídio Martins, dirigente da Associação de Regantes de Campilhas e Alto Sado, entende que é tempo dos agricultores "despertarem" para a realidade que "já representa o futuro regadio de Alqueva". No entanto chama a atenção para a "excessiva dependência das culturas subsidiadas" que tem travado "a inovação comercial ou a aceitação de alternativas". E alerta ainda para o perigo que representam as monoculturas em regadio, como é o caso do arroz, que ocupa 60 por cento da área regada no Aproveitamento Hidroagrícola de Campilhas e Alto Sado. E que dizem os pequenos agricultores? Tomemos como exemplo Cascalheira Aleixo que faz regadio de beterraba, girassol e trigo rijo - as culturas base, a par do tomate, que sustentam o regadio alentejano. Ao todo cultiva quinze hectares de solo de boa qualidade. Culturas subsidiadas, e que lhe viabilizam a exploração. Gostaria de ir mais além, mas os perigos são muitos "e, quanto maior é o barco, maior é a confusão". Não faz outro tipo de culturas de regadio porque requerem mais mão-de-obra que, "para além de ser cara, é má de arranjar", justifica-se o pequeno agricultor. A terra como um bem comum A decisão do PCP de apresentar um projecto para a criação de um banco de terras, não está as suscitar qualquer movimentação no Alentejo. Os anticorpos deixados pelo processo da Reforma Agrária, suscitam algumas reservas na forma como se comenta a questão fundiária. O bispo de Beja, D. Vitalino Dantas, advoga nesta matéria uma atitude onde prevaleça o equilíbrio e " a salvaguarda das questões humanas", explicando que a Igreja "não aprova o direito ilimitado da propriedade", considerando-a, acima de tudo, "um bem comum". Neste sentido defende que o contexto social, bem como a preservação ambiental, devem prevalecer no novo modelo agrícola, "mas sem pôr em causa a livre iniciativa empresarial". Não defende a Reforma Agrária -"Contudo alguma reforma terá de ser feita," quanto ao uso e posse da terra, nos futuros perímetros de regadio, onde "os lucros do trabalho não podem ser baseados na exploração", porque " a terra deve produzir no benefício de todos". OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Governo quer usar preço da água para impôr regadio

Bancos de terra podem ser bom princípio

Frases

Propostas em debate

PSD está a estudar posição sobre Alqueva

Rosado Fernandes recebeu mais de 850 mil contos

Que fazer com 110 mil hectares de regadio?

Investir um milhão, não ter mão-de-obra

A alternativa biológica

marcar artigo