O baile dos primatas

13-05-2001
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O baile dos primatas

A intervenção de Rosado Fernandes no congresso do CDS/PP e, sobretudo, o júbilo que desencadeou nos seus confrades «democrata-cristãos» constituem o mais inesperado auto-retrato jamais produzido por um partido político no Portugal democrático.

«Muitos dos problemas que vivemos hoje foram criados por esses primatas fardados!», vociferou o civil Rosado contra os militares de Abril, na inferência de que «primata» é um insulto e impondo-nos a conclusão de que Rosado nem primata julga ser, o que o coloca no reino indiferenciado das criaturas. Primárias e à civil, evidentemente.

Perante um congresso esbandalhado de gozo a criatura prosseguiu, agora confessando que «quando passava pelas terras que eram minhas e que foram ocupadas, era como se tivesse uma mulher que tivesse sido violada por um regimento inteiro!», transtornando-o de tal forma que, mesmo depois de ter recebido de volta a «mulher violada», «já não era a mesma coisa».

Todo o congresso, mulheres incluídas, acharam de uma fina ironia aquela perspectiva violadora da Reforma Agrária, prelibando o prato seguinte: «Tenho quotas para o tomate, tenho quotas para as ovelhas, mas não me dêem quotas para as mulheres, que eu gosto muito delas!». Aí, foi o delírio. Pedro Feist, que disciplinaria os congressistas opositores ao ponto de lhes fechar o congresso na cara, riu à bonomia despregada, Basílio Horta, que ambiciona ser o mais alto Magistrado da Nação, desceu à gargalhada convulsa e até Paulo Portas se transformou num surpreendente marialva, ao classificar o discurso de «brilhantíssimo».

Rosado Fernandes, está bem de ver, não merece mais conversa. Uma criatura que recenseia a virilidade na apropriação sexual de terras e mulheres e reclama para a sua condição de proprietário a moral do «direito de pernada» não passa, hoje, de um penoso equívoco da espécie, por muito que isso custe, não ao Rosado, mas aos primatas em geral.

O que carece de algumas considerações é a reacção do congresso ao discurso de Rosado.

Paulo Portas e seus confrades, que ainda recentemente tentaram identificar a honra da família Soares com a dignidade do Estado democrático, rebolaram-se de público gozo com a injúria aos homens que abriram as portas desse mesmo Estado democrático – os militares de Abril.

Paulo Portas e seus confrades – mulheres incluídas -, que tantos valores cristãos reivindicam para o seu ideário, aplaudiram em delírio os mais alarves insultos à dignidade humana em geral e das mulheres, em particular.

Paulo Portas e seus confrades, que afirmam ter «uma ideia para Portugal», resumiram-na no escrutínio prazenteiro com que acolheram asserções de recorte grosseiramente fascista.

Paulo Portas e seus confrades, que vestem na rua a farda de democratas, despiram-na em congresso e mostraram-se como são.

Um bando de primatas à procura de galho.— Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1374 - 30.Março.2000

O baile dos primatas

A intervenção de Rosado Fernandes no congresso do CDS/PP e, sobretudo, o júbilo que desencadeou nos seus confrades «democrata-cristãos» constituem o mais inesperado auto-retrato jamais produzido por um partido político no Portugal democrático.

«Muitos dos problemas que vivemos hoje foram criados por esses primatas fardados!», vociferou o civil Rosado contra os militares de Abril, na inferência de que «primata» é um insulto e impondo-nos a conclusão de que Rosado nem primata julga ser, o que o coloca no reino indiferenciado das criaturas. Primárias e à civil, evidentemente.

Perante um congresso esbandalhado de gozo a criatura prosseguiu, agora confessando que «quando passava pelas terras que eram minhas e que foram ocupadas, era como se tivesse uma mulher que tivesse sido violada por um regimento inteiro!», transtornando-o de tal forma que, mesmo depois de ter recebido de volta a «mulher violada», «já não era a mesma coisa».

Todo o congresso, mulheres incluídas, acharam de uma fina ironia aquela perspectiva violadora da Reforma Agrária, prelibando o prato seguinte: «Tenho quotas para o tomate, tenho quotas para as ovelhas, mas não me dêem quotas para as mulheres, que eu gosto muito delas!». Aí, foi o delírio. Pedro Feist, que disciplinaria os congressistas opositores ao ponto de lhes fechar o congresso na cara, riu à bonomia despregada, Basílio Horta, que ambiciona ser o mais alto Magistrado da Nação, desceu à gargalhada convulsa e até Paulo Portas se transformou num surpreendente marialva, ao classificar o discurso de «brilhantíssimo».

Rosado Fernandes, está bem de ver, não merece mais conversa. Uma criatura que recenseia a virilidade na apropriação sexual de terras e mulheres e reclama para a sua condição de proprietário a moral do «direito de pernada» não passa, hoje, de um penoso equívoco da espécie, por muito que isso custe, não ao Rosado, mas aos primatas em geral.

O que carece de algumas considerações é a reacção do congresso ao discurso de Rosado.

Paulo Portas e seus confrades, que ainda recentemente tentaram identificar a honra da família Soares com a dignidade do Estado democrático, rebolaram-se de público gozo com a injúria aos homens que abriram as portas desse mesmo Estado democrático – os militares de Abril.

Paulo Portas e seus confrades – mulheres incluídas -, que tantos valores cristãos reivindicam para o seu ideário, aplaudiram em delírio os mais alarves insultos à dignidade humana em geral e das mulheres, em particular.

Paulo Portas e seus confrades, que afirmam ter «uma ideia para Portugal», resumiram-na no escrutínio prazenteiro com que acolheram asserções de recorte grosseiramente fascista.

Paulo Portas e seus confrades, que vestem na rua a farda de democratas, despiram-na em congresso e mostraram-se como são.

Um bando de primatas à procura de galho.— Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1374 - 30.Março.2000

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