Inquérito

11-05-2001
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Inquérito

Quinta-feira, 19 de Abril de 2001 JORGE MOLDER: Não sei qual é a política Não me posso pronunciar acerca da política para a Cultura do Ministro Sasportes porque não sei qual é. Não a conheço nem nunca ouvi nenhuma palavra sobre isso. Fotógrafo e director do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian JOÃO MÁRIO GRILO: São umas águas mortas Penso que não se poder falar de crise da política cultural, porque não me parece, realmente, haver qualquer política neste momento. À parte algumas entrevistas avulsas, nem sequer houve da parte da nova equipa do Ministério da Cultura qualquer enunciado formal nesse sentido. Tem-se feito, essencialmente, uma navegação à vista, ainda por cima com alguns desagradabilíssimos escolhos pelo caminho. São umas águas mortas, que ficam a meio caminho entre o comprometimento activo de Manuel Carrilho (de longe, o mais interessante responsável pela política cultural dos governos pós-25 de Abril) e os disparates de Pedro Santana Lopes. Atravessa-se, assim, uma "fase de gestão", que podia, como o Melhoral, nem fazer bem nem fazer mal. Infelizmente, tem feito algum mal. Para agravar este quadro, há, finalmente, um tom de distância e de arrogância que me parece completamente desadequado em relação à penúria de meios com que, cronicamente, se debate a criação artística em Portugal. Não sei, sinceramente, se o Ministro das Finanças acumulasse a pasta da Cultura se os resultados e efeitos seriam muito diferentes. Por resolver, entretanto, vai ficar quase tudo: por exemplo, a relação dos mundos da cultura e da educação (um dossier trabalhoso e fundamental, que me parece infinitamente adiado). Cineasta EDUARDO PRADO COELHO: Tendência autista na governação Primeiro ponto: evitemos todas as tentativas "fulanizadas" de tentar compreender/justificar as apreciações sobre o trabalho deste ou daquele governante; e recusemos liminarmente uma espécie de oposição entre Carrilho/Sasportes, o que seria absurdo entre dois ministros do mesmo Governo socialista, certamente escolhidos pelo primeiro-ministro pela sua adequação ao programa de Governo e às linhas gerais da Nova Maioria. Segundo ponto: que se poderia esperar de Sasportes? Um desenvolvimento daquilo que foram os méritos da gestão de Carrilho, num estilo certamente diferente (cada um tem o seu), e a exploração (por motivos de diferenciação humanamente compreensível, e não só) de alguns dos pontos a que Carrilho deu menor atenção. Terceiro ponto: donde vem o sentimento de que, em vez de se avançar, se recuou, e de que se vive hoje numa situação de desmotivação, descrença e cepticismo, da parte dos agentes culturais (seja criadores, seja administrativos) em relação ao Ministério da Cultura (com quem dialogam ou onde trabalham)? Donde vem a sensação de que o PS está a perder um daqueles domínios (e sabe-se que nem tudo são rosas) em que tinha conseguido inovar, marcar um estilo, estabelecer uma diferença? Apontaria sumariamente três razões: ausência de qualquer ideia explícita de política cultural, inabilidade na relação com os criadores, tendência autista na governação. A terceira razão impede que se tome consciência das outras duas. É pena. Ensaísta VASCO GRAÇA MOURA: Ministro tem enfrentado uma mentalidade dependente Pode dizer-se que Sasportes herdou uma crise decorrente da excessiva e nem sempre criteriosa intervenção do Estado nas áreas da Cultura. Essa crise deriva fundamentalmente de uma mentalidade centralista, conjugada com a crónica falta de recursos e bastantes equívocos quanto às prioridades de uma política cultural. Tanto quanto pode fazer-se uma leitura da sua discreta actividade e das suas preocupações, parece que Sasportes tem vindo a tentar resolver alguns aspectos da situação: casos do D. Maria II, do São Carlos ou do IPLB, por exemplo. Por outro lado, o ministro tem tido de enfrentar uma mentalidade habituada e dependente da distribuição de subsídios a torto e a direito, nomeadamente na área do teatro, aqui ao que parece sem grandes resultados, ou com resultados que se viraram contra ele. Em minha opinião, e não sendo possível corrigir a situação quanto aos subsídios já conseguidos, haveria que começar a anunciar substanciais reduções deles em todas as áreas para os próximos anos. E que recentrar a política cultural, quer na preservação e revitalização do património entendido num sentido muito lato, quer no estímulo ao desenvolvimento da procura de consumos culturais. escritor, porta-voz do PSD para a área da Cultura VERA MANTERO: Atraso e regressão Penso que sim, que se pode francamente dizer que atravessamos actualmente uma crise na política cultural em Portugal. Apesar de não termos ainda, da parte do Ministro José Sasportes, declarações claras de intenções em relação à política para o sector que tutela (e em nove meses teria certamente havido já tempo para as dar à luz, não?), penso que não precisamos esperar mais para reconhecer esta crise. Esta falta de palavra (falta de texto) é ela própria um claro sinal dessa crise e na área da Cultura um Ministro Sem Texto é necessariamente um ministro que tende para a Descriação. Desapoio. Desentendimento. Do trabalho empreendido pelos criadores portugueses. Do seu profissionalismo. Mas concretizemos em relação ao quadro actual que se vive, apesar de José Sasportes não o fazer: o novo ministro suspendeu a legislação vigente para os novos concursos de apoio às artes do espectáculo mas não avançou ainda com qualquer correcção ou alteração a esses mesmos concursos. O regular funcionamento de toda esta área em 2002, que inclui Teatro, Dança, Música e Projectos Pluridisciplinares, encontra-se assim novamente posto em risco por este ministro, depois de já uma vez o ter feito aquando da famosa crise dos subsídios. Além desta suspensão da legislação, há outras suspensões em vigor: o orçamento para internacionalização dos espectáculos portugueses (uma questão importante na área da dança, que se tem afirmado especialmente no estrangeiro e que dele muito depende) está congelado. Deixou de interessar ao Ministério da Cultura português a internacionalização da sua criação contemporânea? Deixou de ser importante para o Governo português a afirmação das nossas artes performativas no estrangeiro? O orçamento para projectos de formação está também congelado. O ministro José Sasportes não avisou os criadores portugueses, ou sequer o público português, de que o aumento suplementar extraordinário dos apoios atribuídos às artes performativas aquando da crise dos subsídios significava que não haveria posteriormente mais verbas para internacionalizar ou para formar. A área da dança não tem ainda um interlocutor nomeado pela nova direcção do IPAE com quem possa trabalhar e que venha substituir o dificilmente substituível prof. Gil Mendo. O não incentivo e apoio à continuação do excelente trabalho de Miguel Lobo Antunes no CCB e a tentativa de extinção do Instituto de Arte Contemporânea e sua consequente fusão com o instituto que tutela os Museus são para mim também sinais de um grave desinteresse pela cultura e pela criação contemporâneas e revelam atraso e regressão em relação a todo um trabalho feito nos últimos anos para que a cultura portuguesa ultrapasse o seu óbvio sub-desenvolvimento, se contemporize e atinja formas de funcionamento que permitam a sua regular evolução e o seu constante fazer-se. O primeiro-ministro António Guterres não se manifestou até hoje em relação às mudanças na política cultural do seu governo operadas por José Sasportes. É urgente saber se este governo fez uma alteração no seu programa para a cultura que não tenha ido a votos. Coreógrafa RUBEN DE CARVALHO: A crise vem de trás A crise política que afecta todo o Governo PS não poderia deixar de ter reflexos no Ministério da Cultura, no qual, aliás, teve dos primeiros e mais significativos incidentes (demissão de Manuel Maria Carrilho, suas intervenções posteriores). Por outro lado, a personalidade e decisões do anterior ministro não criaram um ambiente pacífico, bem pelo contrário: sucessivas demissões, conflitos a vários níveis (Porto 2001, parlamento, o próprio PS). Acresce que a criação do ministério em 1995 se deu após a mais que atribulada acção de Pedro Santana Lopes. Não me parece assim de situar exclusivamente nos nove meses decorridos sobre a posse de José Sasportes o que se possa chamar crise na política cultural. Julgo que ela existe, mas vem bastante mais de trás, com raízes no que penso ser uma sucessão de decisões avulsas, com melhores ou piores resultados isolados, mas sem uma definição clara e participada de uma política cultural, quer quanto aos objectivos, quer quanto aos meios e estruturas. Especialista em música popular, deputado do PCP PAULO RIBEIRO: Portugal volta a não ter uma política cultural Estamos a passar por momentos de grande indefinição. Ninguém sabe qual é a política cultural do novo ministro. Não há nada de concreto. A única coisa que tivemos de concreto foi aquela situação, muito delicada, dos subsídios: primeiro a atribuição; depois a revogação; depois, a reatribuição dos subsídios... Há uma série de pessoas que estavam a desempenhar, e muito bem, os seus cargos, e que acabaram por ser levadas a abandoná-los! O mais grave não é mexer ou mudar; o mais grave é não se perceber onde é que essas mexidas vão levar. Estamos todos a atravessar uma grande crise no que diz respeito à actividade cultural. Criou-se, com o anterior ministro, uma relação de confiança, que entretanto desapareceu. Independentemente das críticas que eram feitas a Manuel Maria Carrilho, ele tinha uma política cultural definida, que apontava para um caminho em direcção à Europa. Estávamo-nos a aproximar muito rapidamente das políticas europeias no sector da Cultura. Agora, Portugal volta a não ter uma política cultural. Há um enorme trabalho de raiz que tem de ser feito e que devia ser continuado. Mas essa continuidade está aparentemente posta em causa. O mais estranho é que José Sasportes, que veio do mundo da Cultura, tem mostrado uma dificuldade muito grande em comunicar com as gentes da Cultura. Estamos todos a viver um nevoeiro enorme. Coreógrafo e director do Teatro Viriato, em Viseu MANUEL ALEGRE: Política neoliberalizante conduzirá a crise Portugal é um país periférico, culturalmente atrasado, sem uma tradição de iniciativa e mecenato, e sem estruturas diversificadas que possam servir de suporte a uma prática cultural moderna e descentralizada. Se há área em que o papel do Estado se torna indispensável é precisamente a da Cultura. Manuel Maria Carrilho defendia a intervenção do Estado. Pode discutir-se as suas prioridades e os seus critérios, sobretudo o seu estilo e uma certa tentação dirigista. Mas tinha uma estratégia que passava pela responsabilização do Estado e apontava para a a criação de estruturas descentralizadas. Não conheço suficientemente a acção de Sasportes. Mas parece-me que ela está marcada por uma concepção mais neoliberal, porventura influenciada pela sua experiência nos EUA. Ora, Portugal é um país muito diferente, com carências que só a acção do Estado pode ajudar a resolver. A própria iniciativa da sociedade civil tem de ser fomentada, nomeadamente através de incentivos fiscais. Uma política neoliberalizante, tendente para uma crescente desresponsabilização do Estado, conduzirá, nas condições concretas portuguesas, a uma inevitável crise cultural. Escritor, vice-Presidente da Assembleia da República, fundador do PS CLÁUDIO TORRES: Falha um conceito global de governação Em todas as circunstâncias as políticas culturais na sua ambição incontornável, embora por vezes involuntária, de impor um ordenamento nivelador, encontram resistências e mesmo salutar e violenta contestação. Esta é e será sempre a marca da diferença do gesto criativo, a qualidade do facto cultural que, para o ser, quantas vezes se transforma em contracultura. Creio ser apenas na táctica e no jeito ou falta dele, que notamos diferenças entre o actual ministro e o seu antecessor. O que falhou e falha é um conceito global de governação e intervenção política. Faltou e continua a faltar a coragem de arriscar a diferença e o descontrolo. Falta a vontade de responsabilizar os organismos dispersos pelo país criados especificamente para promover a descentralização. Falta inserir o facto cultural nas políticas locais e regionais como sua componente indissociável, como elemento capaz de gerar efectivo desenvolvimento. O facto cultural não pode continuar a ser entendido como simples e triste obrigação, como um desperdício mundano da nossa vida política. Arqueólogo, director do Campo de Mértola ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS: Não tem havido políticas, mas distribuição de subsídios Não. O que há é uma crise nas actividades ditas culturais, mas essa não é de hoje: é uma crise endémica, permanente e provavelmente eterna. Sempre fui contra a existência de um Ministério da Cultura com que Guterres se quis engalanar. Um Ministro da Cultura estará sempre exposto à crítica, porque será sempre tentado a fazer o mais fácil: distribuir subsídios, isto é, fazer de Luis XIV com verbas do orçamento. O que Portugal precisa é de: 1. Criar públicos - leitores, espectadores, ouvintes - e isso é uma política de educação a longo prazo; 2. Uma televisão (pública e privada) com obrigações de incentivar e divulgar a criação, e isso é com outro Ministério; 3. Apoio à internacionalização das obras e dos talentos. O Ministro Sasportes disse, e muito bem, que o Estado não tem de escolher entre Chagal e Kandinsky (como podia dizer entre Meyerhold e Stanislavsky), mas é o que está condenado a fazer. No teatro, como no cinema, desde o 25 de Abril, não tem havido políticas, mas distribuição de subsídios e satisfação de lobbies. Uma política a sério exige: tempo (que ultrapassa um mandato), apoio político para enfrentar interesses estabelecidos (e qualquer Ministro sabe que não pode esperar isso de Guterres), e poder: a montante, para agir sobre a política de educação, e, a jusante, para regular o mercado, isto é, estabelecer cadernos de encargos aos operadores de televisão e impedir a concentração vertical e horizontal das empresas de distribuição e exibição (no caso do cinema). Tudo coisas que, obviamente, nunca vão acontecer. Cineasta OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE O incerto estado das artes

Três dias de debate cultural no CCB

Cronologia

"O Estado não tem uma estratégia para o livro"

Inquérito

Organismos tutelados - uma radiografia

"Discrição eficaz" no relacionamento com a Capital Europeia da Cultura

Onze meses para Coimbra 2002

PS aproveita oportunidade para legislar sobre família

Lei é só para famílias casadas

Alegre e Roseta votam contra

As leis em vigor

Algumas propostas do PP

OPINIÃO Agir por convicção: as políticas de apoio à família

Inquérito

Quinta-feira, 19 de Abril de 2001 JORGE MOLDER: Não sei qual é a política Não me posso pronunciar acerca da política para a Cultura do Ministro Sasportes porque não sei qual é. Não a conheço nem nunca ouvi nenhuma palavra sobre isso. Fotógrafo e director do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian JOÃO MÁRIO GRILO: São umas águas mortas Penso que não se poder falar de crise da política cultural, porque não me parece, realmente, haver qualquer política neste momento. À parte algumas entrevistas avulsas, nem sequer houve da parte da nova equipa do Ministério da Cultura qualquer enunciado formal nesse sentido. Tem-se feito, essencialmente, uma navegação à vista, ainda por cima com alguns desagradabilíssimos escolhos pelo caminho. São umas águas mortas, que ficam a meio caminho entre o comprometimento activo de Manuel Carrilho (de longe, o mais interessante responsável pela política cultural dos governos pós-25 de Abril) e os disparates de Pedro Santana Lopes. Atravessa-se, assim, uma "fase de gestão", que podia, como o Melhoral, nem fazer bem nem fazer mal. Infelizmente, tem feito algum mal. Para agravar este quadro, há, finalmente, um tom de distância e de arrogância que me parece completamente desadequado em relação à penúria de meios com que, cronicamente, se debate a criação artística em Portugal. Não sei, sinceramente, se o Ministro das Finanças acumulasse a pasta da Cultura se os resultados e efeitos seriam muito diferentes. Por resolver, entretanto, vai ficar quase tudo: por exemplo, a relação dos mundos da cultura e da educação (um dossier trabalhoso e fundamental, que me parece infinitamente adiado). Cineasta EDUARDO PRADO COELHO: Tendência autista na governação Primeiro ponto: evitemos todas as tentativas "fulanizadas" de tentar compreender/justificar as apreciações sobre o trabalho deste ou daquele governante; e recusemos liminarmente uma espécie de oposição entre Carrilho/Sasportes, o que seria absurdo entre dois ministros do mesmo Governo socialista, certamente escolhidos pelo primeiro-ministro pela sua adequação ao programa de Governo e às linhas gerais da Nova Maioria. Segundo ponto: que se poderia esperar de Sasportes? Um desenvolvimento daquilo que foram os méritos da gestão de Carrilho, num estilo certamente diferente (cada um tem o seu), e a exploração (por motivos de diferenciação humanamente compreensível, e não só) de alguns dos pontos a que Carrilho deu menor atenção. Terceiro ponto: donde vem o sentimento de que, em vez de se avançar, se recuou, e de que se vive hoje numa situação de desmotivação, descrença e cepticismo, da parte dos agentes culturais (seja criadores, seja administrativos) em relação ao Ministério da Cultura (com quem dialogam ou onde trabalham)? Donde vem a sensação de que o PS está a perder um daqueles domínios (e sabe-se que nem tudo são rosas) em que tinha conseguido inovar, marcar um estilo, estabelecer uma diferença? Apontaria sumariamente três razões: ausência de qualquer ideia explícita de política cultural, inabilidade na relação com os criadores, tendência autista na governação. A terceira razão impede que se tome consciência das outras duas. É pena. Ensaísta VASCO GRAÇA MOURA: Ministro tem enfrentado uma mentalidade dependente Pode dizer-se que Sasportes herdou uma crise decorrente da excessiva e nem sempre criteriosa intervenção do Estado nas áreas da Cultura. Essa crise deriva fundamentalmente de uma mentalidade centralista, conjugada com a crónica falta de recursos e bastantes equívocos quanto às prioridades de uma política cultural. Tanto quanto pode fazer-se uma leitura da sua discreta actividade e das suas preocupações, parece que Sasportes tem vindo a tentar resolver alguns aspectos da situação: casos do D. Maria II, do São Carlos ou do IPLB, por exemplo. Por outro lado, o ministro tem tido de enfrentar uma mentalidade habituada e dependente da distribuição de subsídios a torto e a direito, nomeadamente na área do teatro, aqui ao que parece sem grandes resultados, ou com resultados que se viraram contra ele. Em minha opinião, e não sendo possível corrigir a situação quanto aos subsídios já conseguidos, haveria que começar a anunciar substanciais reduções deles em todas as áreas para os próximos anos. E que recentrar a política cultural, quer na preservação e revitalização do património entendido num sentido muito lato, quer no estímulo ao desenvolvimento da procura de consumos culturais. escritor, porta-voz do PSD para a área da Cultura VERA MANTERO: Atraso e regressão Penso que sim, que se pode francamente dizer que atravessamos actualmente uma crise na política cultural em Portugal. Apesar de não termos ainda, da parte do Ministro José Sasportes, declarações claras de intenções em relação à política para o sector que tutela (e em nove meses teria certamente havido já tempo para as dar à luz, não?), penso que não precisamos esperar mais para reconhecer esta crise. Esta falta de palavra (falta de texto) é ela própria um claro sinal dessa crise e na área da Cultura um Ministro Sem Texto é necessariamente um ministro que tende para a Descriação. Desapoio. Desentendimento. Do trabalho empreendido pelos criadores portugueses. Do seu profissionalismo. Mas concretizemos em relação ao quadro actual que se vive, apesar de José Sasportes não o fazer: o novo ministro suspendeu a legislação vigente para os novos concursos de apoio às artes do espectáculo mas não avançou ainda com qualquer correcção ou alteração a esses mesmos concursos. O regular funcionamento de toda esta área em 2002, que inclui Teatro, Dança, Música e Projectos Pluridisciplinares, encontra-se assim novamente posto em risco por este ministro, depois de já uma vez o ter feito aquando da famosa crise dos subsídios. Além desta suspensão da legislação, há outras suspensões em vigor: o orçamento para internacionalização dos espectáculos portugueses (uma questão importante na área da dança, que se tem afirmado especialmente no estrangeiro e que dele muito depende) está congelado. Deixou de interessar ao Ministério da Cultura português a internacionalização da sua criação contemporânea? Deixou de ser importante para o Governo português a afirmação das nossas artes performativas no estrangeiro? O orçamento para projectos de formação está também congelado. O ministro José Sasportes não avisou os criadores portugueses, ou sequer o público português, de que o aumento suplementar extraordinário dos apoios atribuídos às artes performativas aquando da crise dos subsídios significava que não haveria posteriormente mais verbas para internacionalizar ou para formar. A área da dança não tem ainda um interlocutor nomeado pela nova direcção do IPAE com quem possa trabalhar e que venha substituir o dificilmente substituível prof. Gil Mendo. O não incentivo e apoio à continuação do excelente trabalho de Miguel Lobo Antunes no CCB e a tentativa de extinção do Instituto de Arte Contemporânea e sua consequente fusão com o instituto que tutela os Museus são para mim também sinais de um grave desinteresse pela cultura e pela criação contemporâneas e revelam atraso e regressão em relação a todo um trabalho feito nos últimos anos para que a cultura portuguesa ultrapasse o seu óbvio sub-desenvolvimento, se contemporize e atinja formas de funcionamento que permitam a sua regular evolução e o seu constante fazer-se. O primeiro-ministro António Guterres não se manifestou até hoje em relação às mudanças na política cultural do seu governo operadas por José Sasportes. É urgente saber se este governo fez uma alteração no seu programa para a cultura que não tenha ido a votos. Coreógrafa RUBEN DE CARVALHO: A crise vem de trás A crise política que afecta todo o Governo PS não poderia deixar de ter reflexos no Ministério da Cultura, no qual, aliás, teve dos primeiros e mais significativos incidentes (demissão de Manuel Maria Carrilho, suas intervenções posteriores). Por outro lado, a personalidade e decisões do anterior ministro não criaram um ambiente pacífico, bem pelo contrário: sucessivas demissões, conflitos a vários níveis (Porto 2001, parlamento, o próprio PS). Acresce que a criação do ministério em 1995 se deu após a mais que atribulada acção de Pedro Santana Lopes. Não me parece assim de situar exclusivamente nos nove meses decorridos sobre a posse de José Sasportes o que se possa chamar crise na política cultural. Julgo que ela existe, mas vem bastante mais de trás, com raízes no que penso ser uma sucessão de decisões avulsas, com melhores ou piores resultados isolados, mas sem uma definição clara e participada de uma política cultural, quer quanto aos objectivos, quer quanto aos meios e estruturas. Especialista em música popular, deputado do PCP PAULO RIBEIRO: Portugal volta a não ter uma política cultural Estamos a passar por momentos de grande indefinição. Ninguém sabe qual é a política cultural do novo ministro. Não há nada de concreto. A única coisa que tivemos de concreto foi aquela situação, muito delicada, dos subsídios: primeiro a atribuição; depois a revogação; depois, a reatribuição dos subsídios... Há uma série de pessoas que estavam a desempenhar, e muito bem, os seus cargos, e que acabaram por ser levadas a abandoná-los! O mais grave não é mexer ou mudar; o mais grave é não se perceber onde é que essas mexidas vão levar. Estamos todos a atravessar uma grande crise no que diz respeito à actividade cultural. Criou-se, com o anterior ministro, uma relação de confiança, que entretanto desapareceu. Independentemente das críticas que eram feitas a Manuel Maria Carrilho, ele tinha uma política cultural definida, que apontava para um caminho em direcção à Europa. Estávamo-nos a aproximar muito rapidamente das políticas europeias no sector da Cultura. Agora, Portugal volta a não ter uma política cultural. Há um enorme trabalho de raiz que tem de ser feito e que devia ser continuado. Mas essa continuidade está aparentemente posta em causa. O mais estranho é que José Sasportes, que veio do mundo da Cultura, tem mostrado uma dificuldade muito grande em comunicar com as gentes da Cultura. Estamos todos a viver um nevoeiro enorme. Coreógrafo e director do Teatro Viriato, em Viseu MANUEL ALEGRE: Política neoliberalizante conduzirá a crise Portugal é um país periférico, culturalmente atrasado, sem uma tradição de iniciativa e mecenato, e sem estruturas diversificadas que possam servir de suporte a uma prática cultural moderna e descentralizada. Se há área em que o papel do Estado se torna indispensável é precisamente a da Cultura. Manuel Maria Carrilho defendia a intervenção do Estado. Pode discutir-se as suas prioridades e os seus critérios, sobretudo o seu estilo e uma certa tentação dirigista. Mas tinha uma estratégia que passava pela responsabilização do Estado e apontava para a a criação de estruturas descentralizadas. Não conheço suficientemente a acção de Sasportes. Mas parece-me que ela está marcada por uma concepção mais neoliberal, porventura influenciada pela sua experiência nos EUA. Ora, Portugal é um país muito diferente, com carências que só a acção do Estado pode ajudar a resolver. A própria iniciativa da sociedade civil tem de ser fomentada, nomeadamente através de incentivos fiscais. Uma política neoliberalizante, tendente para uma crescente desresponsabilização do Estado, conduzirá, nas condições concretas portuguesas, a uma inevitável crise cultural. Escritor, vice-Presidente da Assembleia da República, fundador do PS CLÁUDIO TORRES: Falha um conceito global de governação Em todas as circunstâncias as políticas culturais na sua ambição incontornável, embora por vezes involuntária, de impor um ordenamento nivelador, encontram resistências e mesmo salutar e violenta contestação. Esta é e será sempre a marca da diferença do gesto criativo, a qualidade do facto cultural que, para o ser, quantas vezes se transforma em contracultura. Creio ser apenas na táctica e no jeito ou falta dele, que notamos diferenças entre o actual ministro e o seu antecessor. O que falhou e falha é um conceito global de governação e intervenção política. Faltou e continua a faltar a coragem de arriscar a diferença e o descontrolo. Falta a vontade de responsabilizar os organismos dispersos pelo país criados especificamente para promover a descentralização. Falta inserir o facto cultural nas políticas locais e regionais como sua componente indissociável, como elemento capaz de gerar efectivo desenvolvimento. O facto cultural não pode continuar a ser entendido como simples e triste obrigação, como um desperdício mundano da nossa vida política. Arqueólogo, director do Campo de Mértola ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS: Não tem havido políticas, mas distribuição de subsídios Não. O que há é uma crise nas actividades ditas culturais, mas essa não é de hoje: é uma crise endémica, permanente e provavelmente eterna. Sempre fui contra a existência de um Ministério da Cultura com que Guterres se quis engalanar. Um Ministro da Cultura estará sempre exposto à crítica, porque será sempre tentado a fazer o mais fácil: distribuir subsídios, isto é, fazer de Luis XIV com verbas do orçamento. O que Portugal precisa é de: 1. Criar públicos - leitores, espectadores, ouvintes - e isso é uma política de educação a longo prazo; 2. Uma televisão (pública e privada) com obrigações de incentivar e divulgar a criação, e isso é com outro Ministério; 3. Apoio à internacionalização das obras e dos talentos. O Ministro Sasportes disse, e muito bem, que o Estado não tem de escolher entre Chagal e Kandinsky (como podia dizer entre Meyerhold e Stanislavsky), mas é o que está condenado a fazer. No teatro, como no cinema, desde o 25 de Abril, não tem havido políticas, mas distribuição de subsídios e satisfação de lobbies. Uma política a sério exige: tempo (que ultrapassa um mandato), apoio político para enfrentar interesses estabelecidos (e qualquer Ministro sabe que não pode esperar isso de Guterres), e poder: a montante, para agir sobre a política de educação, e, a jusante, para regular o mercado, isto é, estabelecer cadernos de encargos aos operadores de televisão e impedir a concentração vertical e horizontal das empresas de distribuição e exibição (no caso do cinema). Tudo coisas que, obviamente, nunca vão acontecer. Cineasta OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE O incerto estado das artes

Três dias de debate cultural no CCB

Cronologia

"O Estado não tem uma estratégia para o livro"

Inquérito

Organismos tutelados - uma radiografia

"Discrição eficaz" no relacionamento com a Capital Europeia da Cultura

Onze meses para Coimbra 2002

PS aproveita oportunidade para legislar sobre família

Lei é só para famílias casadas

Alegre e Roseta votam contra

As leis em vigor

Algumas propostas do PP

OPINIÃO Agir por convicção: as políticas de apoio à família

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