JORNAL PUBLICO: A reunião do faz de conta

21-01-2001
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03/09/95

Conselho Nacional do PSD aprovou programa eleitoral

A reunião do faz de conta

Áurea Sampaio

Em vez de um programa foi servido um "preâmbulo". Não fora a rabujice de Pedro Roseta e ninguém teria furado o entendimento táctico à volta desta reunião de faz de conta. Faltam propostas concretas, mas o documento não deixa de ser revelador. Cabrita Neto fez o seu melhor e Nogueira apareceu confiante. Foi mais um Conselho Nacional do PSD.

Nem parecia um Conselho Nacional do PSD. Na sala, as clareiras eram mais do que muitas e às tantas até houve quem tivesse de improvisar intervenções para que os trabalhos não encerrassem extemporaneamente por falta de oradores. As presenças limitaram-se a garantir o quorum indispensável, mas foi particularmente notada a quase total ausência de membros do Conselho de Jurisdição - apenas Luís Paes de Sousa salvou a honra do órgão - e a saída mais ou menos sorrateira de elementos da Comissão Política Nacional (CPN) ainda longe do termo da reunião.

Compreende-se. É que os membros da CPN tinham passado a tarde justamente a discutir o mesmo documento - pomposamente intitulado "Linhas gerais do programa eleitoral do PSD" -, que constituia o ponto central da reunião da noite. Se à tarde o entusiasmo não foi propriamente o traço caracterizador dos discursos, horas mais tarde a disposição não era diferente. Todos sabiam que se estava a passar ali pouco mais do que um faz de conta e ninguém se preocupou muito em fazer cosmética sobre o assunto. Clarificando: segundo os estatutos, o programa eleitoral deve ser aprovado em Conselho Nacional depois de submetido à CPN. Só que Fernando Nogueira deseja ser ele próprio a dar as novidades ao país quando, amanhã, numa sessão especial no Porto, apresentar formalmente o documento com as propostas que os sociais-democratas vão submeter ao eleitorado a 1 de Outubro. Para impedir fugas de informação que retirem impacto a esta iniciativa, o núcleo duro da direcção "laranja" usou de uma artimanha. Em vez de entregar o verdadeiro programa eleitoral aos membros do CN, "entreteve-os" com um texto longo de doze páginas de teor geral, cheio de afirmações de princípio e muitas intenções, mas absolutamente despido de medidas concretas.

Toda a gente percebeu o engodo, mas é óbvio que ninguém contestou a estratégia do líder. Alguns até aplaudiram esta deferência de Nogueira em discutir princípios com os seus conselheiros. No tempo de Cavaco, recordaram vozes durante a reunião, os estatutos eram deitados às malvas e não havia programa para ninguém.

Só Pedro Roseta quis dar o nome à coisa para mostrar que nada lhe passa despercebido e tratou logo ali de chamar "preâmbulo" ao texto, ou seja, aquilo podia considerar-se o "preâmbulo do programa eleitoral" e nada mais.

Neto e os jornalistas

Mesmo assim os presentes ainda tiveram que esperar para terem acesso a este texto cuja versão inicial sofreu reparos de pormenor na Comissão Política, o que veio atrasar o trabalho dos redactores. A espera serviu para os conselheiros ouvirem o líder em "discurso de confiança", a desvalorizar as sondagens, mas a enfatizar a necessidade de captação dos indecisos, cuja parte mais significativa votou no PSD em 1991.

Quem fez uma intervenção tonitruante foi Cabrita Neto dedicada às relações do partido com os jornalistas. Inspirado, deu a estratégia e a táctica: "não lhes dêem com o chicote, dêem-lhes de comer". Um dichote muito ao jeito do governador civil de Faro, diga-se. Mas a universalmente reconhecida argúcia do dirigente algarvio não se dirigiu apenas aos jornalistas. A regionalização foi outra das suas prioridades. Convidou o partido a definir-se nesta matéria e falou das "contradições" do eng. Guterres sobre a questão. A "prova" está numa entrevista que o líder socialista deu em Junho ao "Diário Económico". Cabrita Neto quer uma ampla distribuição da mesma.

Preocupado mostrou-se também Henrique Chaves. A figura que Santana Lopes escolheu para seu secretário-geral nas listas para o último congresso, está apreensivo quanto ao voto dos jovens e da classe média. Parcimonioso, não quis apresentar propostas para dar a volta à situação.

Pedro Roseta é que ficou visivelmente decepcionado. Queria as propostas e deram-lhe um "preâmbulo". Diligente, leu-o todo e logo detectou uma imprecisão: ao contrário do que o texto reflecte, teorizou, os fundadores da Comunidade não tinham como objectivo a criação de riqueza, mas garantir a paz na Europa.

Apesar do deliberado objectivo de esconder as propostas, o texto distribuido no CN não deixa de dar algumas pistas. Desde logo é taxativo quanto ao modelo europeu. Claro como nunca o PSD foi nesta matéria, pode ler-se na pág. 3: "O projecto europeu tal como o entendemos visa uma Europa comunitária e solidária, não uma europa federal ou confederal". É certo que já nas eleições europeias os sociais-democratas tinham rejeitado o federalismo, mas nunca com tanta limpidez. O que pode ser entendido como uma cedência às críticas dos populares, que volta não volta agitam com a diluição da soberania nacional face à evolução da construção europeia.

Mas se este aspecto sugere atenção à direita, a redobrada preocupação com as políticas sociais e a solidariedade indicia idêntica atitude sobre as críticas da esquerda. Aliás, este ponto é, a par das questões europeias, o mais desenvolvido no documento. Que diz na pág. 6: "Para o PSD o primado da pessoa humana impõe-se a qualquer outro (...) Assim, a segunda grande ideia-força é que o desenvolvimento e o reforço da competividade das empresas são objectivos intimamente ligados à vertente do emprego e à ideia de solidariedade". Frases que nenhum programa de esquerda desdenharia incluir e que, juntamente com outras afirmações de princípio do texto, marcam a vertente mais social-democrata da actual direcção "laranja". Escusado será referir que, no fim, o programa eleioral do PSD foi aprovado por unanimidade.

03/09/95

Conselho Nacional do PSD aprovou programa eleitoral

A reunião do faz de conta

Áurea Sampaio

Em vez de um programa foi servido um "preâmbulo". Não fora a rabujice de Pedro Roseta e ninguém teria furado o entendimento táctico à volta desta reunião de faz de conta. Faltam propostas concretas, mas o documento não deixa de ser revelador. Cabrita Neto fez o seu melhor e Nogueira apareceu confiante. Foi mais um Conselho Nacional do PSD.

Nem parecia um Conselho Nacional do PSD. Na sala, as clareiras eram mais do que muitas e às tantas até houve quem tivesse de improvisar intervenções para que os trabalhos não encerrassem extemporaneamente por falta de oradores. As presenças limitaram-se a garantir o quorum indispensável, mas foi particularmente notada a quase total ausência de membros do Conselho de Jurisdição - apenas Luís Paes de Sousa salvou a honra do órgão - e a saída mais ou menos sorrateira de elementos da Comissão Política Nacional (CPN) ainda longe do termo da reunião.

Compreende-se. É que os membros da CPN tinham passado a tarde justamente a discutir o mesmo documento - pomposamente intitulado "Linhas gerais do programa eleitoral do PSD" -, que constituia o ponto central da reunião da noite. Se à tarde o entusiasmo não foi propriamente o traço caracterizador dos discursos, horas mais tarde a disposição não era diferente. Todos sabiam que se estava a passar ali pouco mais do que um faz de conta e ninguém se preocupou muito em fazer cosmética sobre o assunto. Clarificando: segundo os estatutos, o programa eleitoral deve ser aprovado em Conselho Nacional depois de submetido à CPN. Só que Fernando Nogueira deseja ser ele próprio a dar as novidades ao país quando, amanhã, numa sessão especial no Porto, apresentar formalmente o documento com as propostas que os sociais-democratas vão submeter ao eleitorado a 1 de Outubro. Para impedir fugas de informação que retirem impacto a esta iniciativa, o núcleo duro da direcção "laranja" usou de uma artimanha. Em vez de entregar o verdadeiro programa eleitoral aos membros do CN, "entreteve-os" com um texto longo de doze páginas de teor geral, cheio de afirmações de princípio e muitas intenções, mas absolutamente despido de medidas concretas.

Toda a gente percebeu o engodo, mas é óbvio que ninguém contestou a estratégia do líder. Alguns até aplaudiram esta deferência de Nogueira em discutir princípios com os seus conselheiros. No tempo de Cavaco, recordaram vozes durante a reunião, os estatutos eram deitados às malvas e não havia programa para ninguém.

Só Pedro Roseta quis dar o nome à coisa para mostrar que nada lhe passa despercebido e tratou logo ali de chamar "preâmbulo" ao texto, ou seja, aquilo podia considerar-se o "preâmbulo do programa eleitoral" e nada mais.

Neto e os jornalistas

Mesmo assim os presentes ainda tiveram que esperar para terem acesso a este texto cuja versão inicial sofreu reparos de pormenor na Comissão Política, o que veio atrasar o trabalho dos redactores. A espera serviu para os conselheiros ouvirem o líder em "discurso de confiança", a desvalorizar as sondagens, mas a enfatizar a necessidade de captação dos indecisos, cuja parte mais significativa votou no PSD em 1991.

Quem fez uma intervenção tonitruante foi Cabrita Neto dedicada às relações do partido com os jornalistas. Inspirado, deu a estratégia e a táctica: "não lhes dêem com o chicote, dêem-lhes de comer". Um dichote muito ao jeito do governador civil de Faro, diga-se. Mas a universalmente reconhecida argúcia do dirigente algarvio não se dirigiu apenas aos jornalistas. A regionalização foi outra das suas prioridades. Convidou o partido a definir-se nesta matéria e falou das "contradições" do eng. Guterres sobre a questão. A "prova" está numa entrevista que o líder socialista deu em Junho ao "Diário Económico". Cabrita Neto quer uma ampla distribuição da mesma.

Preocupado mostrou-se também Henrique Chaves. A figura que Santana Lopes escolheu para seu secretário-geral nas listas para o último congresso, está apreensivo quanto ao voto dos jovens e da classe média. Parcimonioso, não quis apresentar propostas para dar a volta à situação.

Pedro Roseta é que ficou visivelmente decepcionado. Queria as propostas e deram-lhe um "preâmbulo". Diligente, leu-o todo e logo detectou uma imprecisão: ao contrário do que o texto reflecte, teorizou, os fundadores da Comunidade não tinham como objectivo a criação de riqueza, mas garantir a paz na Europa.

Apesar do deliberado objectivo de esconder as propostas, o texto distribuido no CN não deixa de dar algumas pistas. Desde logo é taxativo quanto ao modelo europeu. Claro como nunca o PSD foi nesta matéria, pode ler-se na pág. 3: "O projecto europeu tal como o entendemos visa uma Europa comunitária e solidária, não uma europa federal ou confederal". É certo que já nas eleições europeias os sociais-democratas tinham rejeitado o federalismo, mas nunca com tanta limpidez. O que pode ser entendido como uma cedência às críticas dos populares, que volta não volta agitam com a diluição da soberania nacional face à evolução da construção europeia.

Mas se este aspecto sugere atenção à direita, a redobrada preocupação com as políticas sociais e a solidariedade indicia idêntica atitude sobre as críticas da esquerda. Aliás, este ponto é, a par das questões europeias, o mais desenvolvido no documento. Que diz na pág. 6: "Para o PSD o primado da pessoa humana impõe-se a qualquer outro (...) Assim, a segunda grande ideia-força é que o desenvolvimento e o reforço da competividade das empresas são objectivos intimamente ligados à vertente do emprego e à ideia de solidariedade". Frases que nenhum programa de esquerda desdenharia incluir e que, juntamente com outras afirmações de princípio do texto, marcam a vertente mais social-democrata da actual direcção "laranja". Escusado será referir que, no fim, o programa eleioral do PSD foi aprovado por unanimidade.

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