Breve e insubstituível

04-03-2001
marcar artigo

O legado político de Sá Carneiro mitificado no PSD

Breve e Insubstituível

Por ANA SÁ LOPES

Segunda-feira, 4 de Dezembro de 2000 Ame-o ou deixe-o. Francisco Sá Carneiro foi um radical combatente do marxismo, quer em relação ao PCP, à influência dos militares no Conselho da Revolução ou ao então Presidente Ramalho Eanes. Dentro do seu partido, enfrentou os "moderados", perdeu várias vezes, foi brutal e inflexível. Há vinte anos, a queda do Cessna matou o grande mito da direita, apesar de Cavaco Silva. Quando morreu Sá Carneiro, o país vivia um dos momentos de maior divisão ideológica dos últimos vinte e cinco anos - e já tinham passado quase seis sobre o 25 de Abril. Soares Carneiro era o candidato presidencial que o PSD abençoara a partir de uma sugestão do ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, para combater o "marxista" Ramalho Eanes, que o então primeiro-ministro esconjurava há já algum tempo, considerando que o Presidente da República em funções estava, já antes do PSD chegar ao poder, "a instigar uma semi-democracia (...) sob vigilância militar que parece implicar (...) que a oposição seja domada e o socialismo seja determinante", conforme cita o investigador Nuno Manalvo, numa recém-publicada biografia política de Sá Carneiro. A guerra com Eanes, que acusava de se ter rendido ao "terceiro-mundismo" e de não libertar a política da influência militar - tendo chegado mesmo a acusá-lo de preparar um "golpe peruano" e "militarizar a Presidência, tornando-a o último reduto do MFA (Movimento das Forças Armadas)", foi iniciada praticamente após a eleição do ex-Presidente da República, com o apoio do PSD, do CDS e do PS, nas eleições de 1976, contra as candidaturas de Octávio Pato, Otelo Saraiva de Carvalho e Pinheiro de Azevedo. Em Setembro de 75, em entrevista ao "Tempo", citada por Nuno Manalvo, já deixara prever a sua intolerância à intervenção dos militares no poder político saído da revolução: "Uma vez no poder os militares acabam sempre por não tolerar os partidos políticos. A opção fundamental que se põe em Portugal é entre a democracia de um poder civil e garantida pelas Forças Armadas ou uma das várias formas de ditadura militar". A posição profundamente anti-marxista - apesar de alguma semântica socialista ter habitado o programa do PPD, fruto da dinâmica dos tempos - causou-lhe ódios violentos em toda a esquerda a que o PS, com quem chegou a tentar uma coligação, não era poupado. Do PS de Soares diz Sá Carneiro haver "circunstâncias históricas que explicam o peso do PS junto das sociais-democracias europeias", que "partiu da presença do dr. Mário Soares na Europa, quando decidiu não regressar a Portugal, visto ter aqui um processo pendente por delito político, altura em que nós na Assembleia Nacional trabalhávamos pelas liberdades" (entrevista a O Jornal, obra citada). De facto, a carreira política de Sá Carneiro iniciara-se nas listas da União Nacional, partido único antes do 25 de Abril. com Pinto Balsemão, Mota Amaral, Miller Guerra e José Pedro Pinto Leite, funda a Ala Liberal da Assembleia Nacional que inicia um combate para tentar mudar o regime por dentro. É de resto junto dos "notáveis" da chamada "província" que o PSD vai angariar a sua base de apoio, recrutada em grande parte junto das fileiras dos antigos simpatizantes da União Nacional e tornando-se uma força determinante entre o povo anti-comunista do Norte e do Interior. Perdeu várias vezes dentro do seu partido, contra quem queria ir mais devagar, mais consensualmente, defendendo menos confronto político. Quando morreu, faz hoje vinte anos, já era um mito vivo, que tinha conseguido cinco anos depois do 25 de Abril virar o país "à direita", o seu lugar natural, ao fim de contas. O PSD só se recompõe da morte do líder fundador quando Cavaco Silva lhe devolve a autoridade e o poder. Mas Cavaco Silva arriscou sempre muito menos que Sá Carneiro, inflexível na política como no amor, quando assumiu uma relação de facto, mas extra-conjugal, com Snu Abecasis, perante o mundo e o país conservador, com direito a conflitos diplomáticos e a ataques provenientes do PS. A invocação constante do legado de Sá Carneiro numa época de consensos múltiplos parece hoje absurda - pelo menos Cavaco Silva, que disse agora que se Sá Carneiro vivesse nunca seria primeiro-ministro, não o fazia... avesso a mitos e a fantasmas, que não o seu. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Acidente oficial, atentado à medida

Cronologia

Três mistérios entre vários outros

Breve e insubstituível

O electrão mágico e outras histórias

OPINIÃO

A propósito de Camarate

O legado político de Sá Carneiro mitificado no PSD

Breve e Insubstituível

Por ANA SÁ LOPES

Segunda-feira, 4 de Dezembro de 2000 Ame-o ou deixe-o. Francisco Sá Carneiro foi um radical combatente do marxismo, quer em relação ao PCP, à influência dos militares no Conselho da Revolução ou ao então Presidente Ramalho Eanes. Dentro do seu partido, enfrentou os "moderados", perdeu várias vezes, foi brutal e inflexível. Há vinte anos, a queda do Cessna matou o grande mito da direita, apesar de Cavaco Silva. Quando morreu Sá Carneiro, o país vivia um dos momentos de maior divisão ideológica dos últimos vinte e cinco anos - e já tinham passado quase seis sobre o 25 de Abril. Soares Carneiro era o candidato presidencial que o PSD abençoara a partir de uma sugestão do ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, para combater o "marxista" Ramalho Eanes, que o então primeiro-ministro esconjurava há já algum tempo, considerando que o Presidente da República em funções estava, já antes do PSD chegar ao poder, "a instigar uma semi-democracia (...) sob vigilância militar que parece implicar (...) que a oposição seja domada e o socialismo seja determinante", conforme cita o investigador Nuno Manalvo, numa recém-publicada biografia política de Sá Carneiro. A guerra com Eanes, que acusava de se ter rendido ao "terceiro-mundismo" e de não libertar a política da influência militar - tendo chegado mesmo a acusá-lo de preparar um "golpe peruano" e "militarizar a Presidência, tornando-a o último reduto do MFA (Movimento das Forças Armadas)", foi iniciada praticamente após a eleição do ex-Presidente da República, com o apoio do PSD, do CDS e do PS, nas eleições de 1976, contra as candidaturas de Octávio Pato, Otelo Saraiva de Carvalho e Pinheiro de Azevedo. Em Setembro de 75, em entrevista ao "Tempo", citada por Nuno Manalvo, já deixara prever a sua intolerância à intervenção dos militares no poder político saído da revolução: "Uma vez no poder os militares acabam sempre por não tolerar os partidos políticos. A opção fundamental que se põe em Portugal é entre a democracia de um poder civil e garantida pelas Forças Armadas ou uma das várias formas de ditadura militar". A posição profundamente anti-marxista - apesar de alguma semântica socialista ter habitado o programa do PPD, fruto da dinâmica dos tempos - causou-lhe ódios violentos em toda a esquerda a que o PS, com quem chegou a tentar uma coligação, não era poupado. Do PS de Soares diz Sá Carneiro haver "circunstâncias históricas que explicam o peso do PS junto das sociais-democracias europeias", que "partiu da presença do dr. Mário Soares na Europa, quando decidiu não regressar a Portugal, visto ter aqui um processo pendente por delito político, altura em que nós na Assembleia Nacional trabalhávamos pelas liberdades" (entrevista a O Jornal, obra citada). De facto, a carreira política de Sá Carneiro iniciara-se nas listas da União Nacional, partido único antes do 25 de Abril. com Pinto Balsemão, Mota Amaral, Miller Guerra e José Pedro Pinto Leite, funda a Ala Liberal da Assembleia Nacional que inicia um combate para tentar mudar o regime por dentro. É de resto junto dos "notáveis" da chamada "província" que o PSD vai angariar a sua base de apoio, recrutada em grande parte junto das fileiras dos antigos simpatizantes da União Nacional e tornando-se uma força determinante entre o povo anti-comunista do Norte e do Interior. Perdeu várias vezes dentro do seu partido, contra quem queria ir mais devagar, mais consensualmente, defendendo menos confronto político. Quando morreu, faz hoje vinte anos, já era um mito vivo, que tinha conseguido cinco anos depois do 25 de Abril virar o país "à direita", o seu lugar natural, ao fim de contas. O PSD só se recompõe da morte do líder fundador quando Cavaco Silva lhe devolve a autoridade e o poder. Mas Cavaco Silva arriscou sempre muito menos que Sá Carneiro, inflexível na política como no amor, quando assumiu uma relação de facto, mas extra-conjugal, com Snu Abecasis, perante o mundo e o país conservador, com direito a conflitos diplomáticos e a ataques provenientes do PS. A invocação constante do legado de Sá Carneiro numa época de consensos múltiplos parece hoje absurda - pelo menos Cavaco Silva, que disse agora que se Sá Carneiro vivesse nunca seria primeiro-ministro, não o fazia... avesso a mitos e a fantasmas, que não o seu. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Acidente oficial, atentado à medida

Cronologia

Três mistérios entre vários outros

Breve e insubstituível

O electrão mágico e outras histórias

OPINIÃO

A propósito de Camarate

marcar artigo