Pedro Pinto Coelho

05-01-2001
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Assume que começou a pintar para imitar o pai e, aos 34 anos, ainda lê com a ajuda do indicador devido a uma forte dislexia. Neto de um diplomata fiel ao regime de Salazar e filho de um homem etiquetado como «O Retratista» da democracia portuguesa, Pedro Pinto Coelho já quase que encontrou a sua identidade na orla desta pesada tradição familiar. A malha ibérica de um português educado em Espanha

Até há muito pouco tempo senti-me culturalmente mais espanhol do que português. Quando vim para cá, há cinco anos, custou-me um bocado a engrenar no ritmo de vida. Hoje em dia já me sinto mais português. Quando vou a Espanha já acho que aqueles tipos são um bocado diferentes.

Como é que define essas diferenças?

Eles têm um espírito muito mais aberto. O português é mais introspectivo. Em Madrid temos uma confluência de todas as diferentes culturas de Espanha e outras. Este cosmopolitismo faz de Madrid uma espécie de Nova Iorque em ponto pequeno. Uma pessoa entra num jantar ou numa festa em qualquer sítio de Espanha e pode falar com outra que não conhece de lado nenhum e a conversa é natural; cá é tudo muito mais sectário.

Isso são questões ao nível da socialização. E as questões que não têm a ver com o relacionamento imediato. Há uma diferença de forma de estar?

Além de sermos dois países latinos e de em Espanha chover um pouco menos, o que faz com que as pessoas saiam mais, há uma diferença histórica fundamental. A Espanha foi ao longo do tempo um país grande e hegemónico, o que faz com que os espanhóis tenham uma auto-estima muito grande e, até, uma certa prepotência, para com terceiros países, como é o caso do nosso. Quando vêm cá, se nos ouvem falar espanhol, acham a coisa mais natural do mundo; se vão aos EUA e toda a gente fala espanhol acham natural.

O que é que sentiu quando chegou cá, e deparou com esta forma de estar onde as pessoas quase que pedem licença para existir?

Cá é tudo pequenino, tudo com o diminutivo de inha. Pede-se um cafezinho, etc., parece que nós é que estamos a fazer o favor de ir a um restaurante! Mas felizmente que isso está a mudar. Outra coisa que está a mudar é a atitude face aos espanhóis. Tenho matrícula espanhola e às vezes ouço umas buzinadelas. Mas como as pessoas que apitam são os grandes adeptos de futebol, e de há uns anos a esta parte futebolistas portugueses começaram a ir jogar para Espanha, a situação está-se a alterar.

Quer dizer que o futebol fez mais pela suposta unidade ibérica do que todos os tratados e acordos?

Pedro Pinto Coelho no apartamento de Cascais, junto a um quadro da sua última série: «Multidões»

Porque é que se mudou para Lisboa?

Tomei a decisão de vir para cá quando senti que Madrid estava a ficar desorbitadamente grande; uma cidade demasiadamente dura para se viver o dia a dia. Aqui, em Lisboa, a zona antiga tem um «cachet» que não existe em Madrid.

Veio à procura de um espaço mais acolhedor?

Exactamente. E que tivesse a ver comigo e com as minhas raízes. Mas para mim foi relativamente fácil adaptar-me, porque nos primeiros tempos andava num jogo de pingue-pongue entre as duas cidades.

Acredita que a sua página na Internet pode ser uma forma de vender quadros (www.pedropintocoelho.cjb.net)?

Eu nunca compraria um quadro pela Internet, mas em termos de divulgação é importante, nomeadamente para os jornais. E é uma referência.

Qual dos cinco sentidos é mais importante para a sua pintura?

É obviamente a vista e o ouvido, também, porque não passo sem música. Às vezes até me distraio quando acaba o CD e fico aí uns cinco minutos sem perceber o que se está a passar. E depois mil coisas que se passam que não têm a ver com os sentidos básicos.

Memórias, sensações, emoções?

Quando se está a trabalhar há coisas que são puramente técnicas; a parte criativa em que se decide a disposição e a composição de um quadro e quais são os elementos que vão lá aparecer. Mas também há os momentos de grande interiorização.

Trabalha muito os quadros, demora muito a desligar-se deles?

Eu acho que trabalho rápido. Esta última série das «Multidões» são quadros muito elaborados, com muitos elementos. E trabalho no máximo dois ou três quadros ao mesmo tempo.

Porque é que prefere organizar as suas exposições em circuitos paralelos aos das galerias?

Há muitas galerias que não projectam o artista e acabam por o explorar. Mas também há algumas, felizmente, mas não interessa agora dizer nomes, que apostam no artista e o projectam no futuro. No entanto, acho que a maior parte das galerias não são sérias.

Isso com o facto de hoje em dia existirem pessoas que abrem uma galeria com o mesmo objectivo com que abririam uma loja de pronto a comer. Para ganhar dinheiro apenas?

Tem a ver com isso entre outras coisas. Depois há «lobbies» entre galerias que funcionam umas contra as outras; é extremamente complicado. Para artistas independentes como o meu pai e eu - nesta altura da minha vida - estamos fora dos «lobbies» e não recebemos qualquer tipo de ajuda nem de apoio em termos institucionais. Se um pintor tem uma qualidade e uma projecção de carreira como o meu pai, não pode ser permanentemente abafado, nem política nem artisticamente.

Acha que o seu pai tem sido sistematicamente abafado?

Até agora obviamente que sim. Neste momento, em que ele está num percurso muito complicado da vida, finalmente estão-lhe a dar alguma notoriedade.

Este reconhecimento público, a retrospectiva no palácio das Galveias, é, em sua opinião, uma consequência do facto de ele estar doente?

Pode ser isso por um lado. Por outro tem a ver com o facto de ele ter sido injustiçado em termos de carreira.

Objectivamente, em que é que houve falta de justiça em relação à carreira do seu pai?

Como ele trabalhou muito como retratista ficou metido num nicho.

E ficou com o rótulo de ser o retratista do regime?

Disso ninguém tem culpa. Mas pelo facto de não pertencer a um «lobbie» e de as galerias terem alguma aversão ao chamado artista independente, que consegue triunfar de alguma forma, o sistema fecha muitas portas.

E o mercado reagiu de forma viciada?

O mercado é, até certo ponto, independente. O meu pai sempre conseguiu ter o seu grande mercado que, de certa forma, foi aberto pelo retrato. É importante não estigmatizar o retrato.

Isso quer dizer que o seu pai tem uma boa rede de venda da sua própria pintura. O Pedro beneficiou desses contactos ao longo da sua carreira? Acha que teve algumas vantagens pelo facto de ser filho do seu pai?

Comecei a vender por contactos; e atrás desses contactos vieram outros. Mas a verdade é que tive de ter a coragem de abandonar uma profissão com um ordenado certo ao fim do mês.

Quem eram esses contactos?

Inicialmente eram os amigos dos meus pais. Eram eles que tinham capacidade de compra; mas não compravam pelo facto de o meu pai ser pintor. Acontece que o meu pai tinha muitos contactos e, uns anos antes, tinha acontecido o mesmo com o meu pai relativamente aos contactos do meu avô. O que mais tarde acabou por ser muito útil para mim é que como o meu pai sempre foi obrigado a ser um artista independente, por muitos motivos, um deles por ser uma pessoa apartidária. E acabou por ser um sobrevivente nato.

O Pedro é um sobrevivente?

Eu aprendi muito com ele nesse sentido. Aprendi a fazer as coisas da mesma maneira. Isso não quer dizer que eu esteja contra as galerias.

Qual é a função de uma galeria?

O pintor, no seu atelier/casa, junto de um quadro da colecção «Multidões», que tem por referência «a arquitectura de Siza»

Já trabalhou com alguma galeria?

Trabalhei quatro anos com a Y Grego e acho que eles foram muito honestos comigo. Mas 50% sobre o preço de um quadro pesa. E não há uma maior projecção do artista.

Já teve um emprego fixo?

Tive numa agência de publicidade em Madrid (a Clarin) onde trabalhei como director de arte júnior.

Mas não gostou da experiência...

Paralelamente já pintava. E de facto deve ter havido uma força do destino, porque quando o emprego começou a correr mal, comecei a vender.

Quando é que começou a pintar?

Sempre pintei porque sempre segui os passos do meu pai desde pequeno; no fundo, o que uma criança faz é copiar aquilo que os progenitores ou as pessoas que estão à volta fazem. Por isso, aqui, eu estava perante uma vocação educada de base. Até que chegou a um ponto em que tive de decidir o que é queria fazer na vida, sobretudo porque era um péssimo aluno.

Não gostava de estudar?

Detestava estudar e achava que era uma perda de tempo estar fechado durante horas num colégio. Tinha grande ânsia de liberdade, e um enorme espírito de rebelião. Por volta dos 16, 17 anos o meu pai obrigou-me a decidir o que é que eu queria fazer na vida. Dessa maneira acabei por entrar para Arte Publicitária, em Madrid.

Foi muito difícil fazer um curso para quem não gostava de ir às aulas, de ter horários?

Não, aquilo tinha a ver comigo. Tinha aulas de história de arte, de desenho artístico e também de perspectiva, que gostava menos. Depois fui para a Clarin, que acabou por ser absorvida pela McCann Erickson, numa altura em que eu comecei a vender bastante bem os quadros que ia pintando e decidi enveredar pelo lado artístico, em definitivo

Aos vinte e poucos anos já tinha a perfeita consciência de que a publicidade poderia ser uma profissão mais segura

Completamente. Sempre vi pelo meu pai a instabilidade em que se vivia. O meu pai teve de abandonar a pintura durante uns anos para fazer retrato porque houve muitos anos em que a pintura não dava para viver. Eu tive muito mais sorte, porque no tempo do meu pai os pintores só se afirmavam muito mais tarde. Hoje não acontece isso.

Acha que essa «precocidade» é um fenómeno da sua geração?

Sim. Os novos já têm qualquer coisa a dizer. Mas isto é um fenómeno contemporâneo, com a minha geração. E a verdade é que o meu pai encontrou no retrato uma via de se sustentar a ele e à família.

No fundo, o retrato funciona como o trabalho por encomenda do Renascimento.

Ele executa retratos magnificamente, mas não era aquilo que ele tinha planeado.

Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa?

Exactamente. Mas é um belíssimo retratista e eu acho que é ainda melhor pintor. E apesar de retratista não ser a carreira que ele quereria ter seguido, tem de agradecer (ao retrato) o ter conseguido viver praticamente 15 ou 20 anos, com uma profissão que tinha alguma coisa a ver com aquilo que ele queria da vida.

Dos retratos que o seu pai fez qual é que gosta mais?

Ele fez quase 500 retratos, é muito difícil de dizer. Há um que era do director da Fiat da época em que foi feito, aí por volta de 1988. O senhor estava retratado em tamanho natural e, quando eu entrei no «atelier» do meu pai, o quadro de Filippo Montera estava colocado na mesma direcção de luz natural que existia realmente no quadro. Eu, de visão lateral, vi uma pessoa ali sentada e fui falar ao senhor. Aí percebi que era o quadro.

É por isso que esse é o seu retrato eleito? E os outros.

Acho que sim. Mas o do Belmiro de Azevedo está espectacular. E o meu pai acabava por fazer a sua própria pintura por trás dos retratos. Também gosto do da Amália, do do rei Simeão II da Bulgária, do do Ramalho Eanes. Nota-se quando ele estabeleceu uma interacção bastante forte com as pessoas.

Esse conhecimento das pessoas é importante?

Quando ele faz um retrato está um período de 3, 4 semanas a conhecer a pessoa e nós acabamos por conviver com essa pessoa de alguma forma. Ele acabou por ser um grande fisionomista e um grande conhecedor da psique humana. Ao longo destes anos todos teve grandes experiências nesse sentido.

Como é que o Pedro está a lidar com a doença do seu pai?

Já estamos com este problema há cinco anos. Já lidei melhor, já lidei pior, tal como ele. Passamos por altos e baixos permanentemente; e tem muito a ver com o estado dele em cada momento. Neste momento acho que ele já ultrapassou a pior fase em termos espirituais.

Já aceitou?

Aceitou esta realidade e espiritualmente está muito melhor do que há um ano atrás. Houve épocas em que passei muito maus momentos, tinha muitos pesadelos. Este percurso tem sido muito longo em termos de sofrimento.

Entrevista de MANUELA GOUCHA SOARES

Fotografias de JORGE SIMÃO

Assume que começou a pintar para imitar o pai e, aos 34 anos, ainda lê com a ajuda do indicador devido a uma forte dislexia. Neto de um diplomata fiel ao regime de Salazar e filho de um homem etiquetado como «O Retratista» da democracia portuguesa, Pedro Pinto Coelho já quase que encontrou a sua identidade na orla desta pesada tradição familiar. A malha ibérica de um português educado em Espanha

Até há muito pouco tempo senti-me culturalmente mais espanhol do que português. Quando vim para cá, há cinco anos, custou-me um bocado a engrenar no ritmo de vida. Hoje em dia já me sinto mais português. Quando vou a Espanha já acho que aqueles tipos são um bocado diferentes.

Como é que define essas diferenças?

Eles têm um espírito muito mais aberto. O português é mais introspectivo. Em Madrid temos uma confluência de todas as diferentes culturas de Espanha e outras. Este cosmopolitismo faz de Madrid uma espécie de Nova Iorque em ponto pequeno. Uma pessoa entra num jantar ou numa festa em qualquer sítio de Espanha e pode falar com outra que não conhece de lado nenhum e a conversa é natural; cá é tudo muito mais sectário.

Isso são questões ao nível da socialização. E as questões que não têm a ver com o relacionamento imediato. Há uma diferença de forma de estar?

Além de sermos dois países latinos e de em Espanha chover um pouco menos, o que faz com que as pessoas saiam mais, há uma diferença histórica fundamental. A Espanha foi ao longo do tempo um país grande e hegemónico, o que faz com que os espanhóis tenham uma auto-estima muito grande e, até, uma certa prepotência, para com terceiros países, como é o caso do nosso. Quando vêm cá, se nos ouvem falar espanhol, acham a coisa mais natural do mundo; se vão aos EUA e toda a gente fala espanhol acham natural.

O que é que sentiu quando chegou cá, e deparou com esta forma de estar onde as pessoas quase que pedem licença para existir?

Cá é tudo pequenino, tudo com o diminutivo de inha. Pede-se um cafezinho, etc., parece que nós é que estamos a fazer o favor de ir a um restaurante! Mas felizmente que isso está a mudar. Outra coisa que está a mudar é a atitude face aos espanhóis. Tenho matrícula espanhola e às vezes ouço umas buzinadelas. Mas como as pessoas que apitam são os grandes adeptos de futebol, e de há uns anos a esta parte futebolistas portugueses começaram a ir jogar para Espanha, a situação está-se a alterar.

Quer dizer que o futebol fez mais pela suposta unidade ibérica do que todos os tratados e acordos?

Pedro Pinto Coelho no apartamento de Cascais, junto a um quadro da sua última série: «Multidões»

Porque é que se mudou para Lisboa?

Tomei a decisão de vir para cá quando senti que Madrid estava a ficar desorbitadamente grande; uma cidade demasiadamente dura para se viver o dia a dia. Aqui, em Lisboa, a zona antiga tem um «cachet» que não existe em Madrid.

Veio à procura de um espaço mais acolhedor?

Exactamente. E que tivesse a ver comigo e com as minhas raízes. Mas para mim foi relativamente fácil adaptar-me, porque nos primeiros tempos andava num jogo de pingue-pongue entre as duas cidades.

Acredita que a sua página na Internet pode ser uma forma de vender quadros (www.pedropintocoelho.cjb.net)?

Eu nunca compraria um quadro pela Internet, mas em termos de divulgação é importante, nomeadamente para os jornais. E é uma referência.

Qual dos cinco sentidos é mais importante para a sua pintura?

É obviamente a vista e o ouvido, também, porque não passo sem música. Às vezes até me distraio quando acaba o CD e fico aí uns cinco minutos sem perceber o que se está a passar. E depois mil coisas que se passam que não têm a ver com os sentidos básicos.

Memórias, sensações, emoções?

Quando se está a trabalhar há coisas que são puramente técnicas; a parte criativa em que se decide a disposição e a composição de um quadro e quais são os elementos que vão lá aparecer. Mas também há os momentos de grande interiorização.

Trabalha muito os quadros, demora muito a desligar-se deles?

Eu acho que trabalho rápido. Esta última série das «Multidões» são quadros muito elaborados, com muitos elementos. E trabalho no máximo dois ou três quadros ao mesmo tempo.

Porque é que prefere organizar as suas exposições em circuitos paralelos aos das galerias?

Há muitas galerias que não projectam o artista e acabam por o explorar. Mas também há algumas, felizmente, mas não interessa agora dizer nomes, que apostam no artista e o projectam no futuro. No entanto, acho que a maior parte das galerias não são sérias.

Isso com o facto de hoje em dia existirem pessoas que abrem uma galeria com o mesmo objectivo com que abririam uma loja de pronto a comer. Para ganhar dinheiro apenas?

Tem a ver com isso entre outras coisas. Depois há «lobbies» entre galerias que funcionam umas contra as outras; é extremamente complicado. Para artistas independentes como o meu pai e eu - nesta altura da minha vida - estamos fora dos «lobbies» e não recebemos qualquer tipo de ajuda nem de apoio em termos institucionais. Se um pintor tem uma qualidade e uma projecção de carreira como o meu pai, não pode ser permanentemente abafado, nem política nem artisticamente.

Acha que o seu pai tem sido sistematicamente abafado?

Até agora obviamente que sim. Neste momento, em que ele está num percurso muito complicado da vida, finalmente estão-lhe a dar alguma notoriedade.

Este reconhecimento público, a retrospectiva no palácio das Galveias, é, em sua opinião, uma consequência do facto de ele estar doente?

Pode ser isso por um lado. Por outro tem a ver com o facto de ele ter sido injustiçado em termos de carreira.

Objectivamente, em que é que houve falta de justiça em relação à carreira do seu pai?

Como ele trabalhou muito como retratista ficou metido num nicho.

E ficou com o rótulo de ser o retratista do regime?

Disso ninguém tem culpa. Mas pelo facto de não pertencer a um «lobbie» e de as galerias terem alguma aversão ao chamado artista independente, que consegue triunfar de alguma forma, o sistema fecha muitas portas.

E o mercado reagiu de forma viciada?

O mercado é, até certo ponto, independente. O meu pai sempre conseguiu ter o seu grande mercado que, de certa forma, foi aberto pelo retrato. É importante não estigmatizar o retrato.

Isso quer dizer que o seu pai tem uma boa rede de venda da sua própria pintura. O Pedro beneficiou desses contactos ao longo da sua carreira? Acha que teve algumas vantagens pelo facto de ser filho do seu pai?

Comecei a vender por contactos; e atrás desses contactos vieram outros. Mas a verdade é que tive de ter a coragem de abandonar uma profissão com um ordenado certo ao fim do mês.

Quem eram esses contactos?

Inicialmente eram os amigos dos meus pais. Eram eles que tinham capacidade de compra; mas não compravam pelo facto de o meu pai ser pintor. Acontece que o meu pai tinha muitos contactos e, uns anos antes, tinha acontecido o mesmo com o meu pai relativamente aos contactos do meu avô. O que mais tarde acabou por ser muito útil para mim é que como o meu pai sempre foi obrigado a ser um artista independente, por muitos motivos, um deles por ser uma pessoa apartidária. E acabou por ser um sobrevivente nato.

O Pedro é um sobrevivente?

Eu aprendi muito com ele nesse sentido. Aprendi a fazer as coisas da mesma maneira. Isso não quer dizer que eu esteja contra as galerias.

Qual é a função de uma galeria?

O pintor, no seu atelier/casa, junto de um quadro da colecção «Multidões», que tem por referência «a arquitectura de Siza»

Já trabalhou com alguma galeria?

Trabalhei quatro anos com a Y Grego e acho que eles foram muito honestos comigo. Mas 50% sobre o preço de um quadro pesa. E não há uma maior projecção do artista.

Já teve um emprego fixo?

Tive numa agência de publicidade em Madrid (a Clarin) onde trabalhei como director de arte júnior.

Mas não gostou da experiência...

Paralelamente já pintava. E de facto deve ter havido uma força do destino, porque quando o emprego começou a correr mal, comecei a vender.

Quando é que começou a pintar?

Sempre pintei porque sempre segui os passos do meu pai desde pequeno; no fundo, o que uma criança faz é copiar aquilo que os progenitores ou as pessoas que estão à volta fazem. Por isso, aqui, eu estava perante uma vocação educada de base. Até que chegou a um ponto em que tive de decidir o que é queria fazer na vida, sobretudo porque era um péssimo aluno.

Não gostava de estudar?

Detestava estudar e achava que era uma perda de tempo estar fechado durante horas num colégio. Tinha grande ânsia de liberdade, e um enorme espírito de rebelião. Por volta dos 16, 17 anos o meu pai obrigou-me a decidir o que é que eu queria fazer na vida. Dessa maneira acabei por entrar para Arte Publicitária, em Madrid.

Foi muito difícil fazer um curso para quem não gostava de ir às aulas, de ter horários?

Não, aquilo tinha a ver comigo. Tinha aulas de história de arte, de desenho artístico e também de perspectiva, que gostava menos. Depois fui para a Clarin, que acabou por ser absorvida pela McCann Erickson, numa altura em que eu comecei a vender bastante bem os quadros que ia pintando e decidi enveredar pelo lado artístico, em definitivo

Aos vinte e poucos anos já tinha a perfeita consciência de que a publicidade poderia ser uma profissão mais segura

Completamente. Sempre vi pelo meu pai a instabilidade em que se vivia. O meu pai teve de abandonar a pintura durante uns anos para fazer retrato porque houve muitos anos em que a pintura não dava para viver. Eu tive muito mais sorte, porque no tempo do meu pai os pintores só se afirmavam muito mais tarde. Hoje não acontece isso.

Acha que essa «precocidade» é um fenómeno da sua geração?

Sim. Os novos já têm qualquer coisa a dizer. Mas isto é um fenómeno contemporâneo, com a minha geração. E a verdade é que o meu pai encontrou no retrato uma via de se sustentar a ele e à família.

No fundo, o retrato funciona como o trabalho por encomenda do Renascimento.

Ele executa retratos magnificamente, mas não era aquilo que ele tinha planeado.

Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa?

Exactamente. Mas é um belíssimo retratista e eu acho que é ainda melhor pintor. E apesar de retratista não ser a carreira que ele quereria ter seguido, tem de agradecer (ao retrato) o ter conseguido viver praticamente 15 ou 20 anos, com uma profissão que tinha alguma coisa a ver com aquilo que ele queria da vida.

Dos retratos que o seu pai fez qual é que gosta mais?

Ele fez quase 500 retratos, é muito difícil de dizer. Há um que era do director da Fiat da época em que foi feito, aí por volta de 1988. O senhor estava retratado em tamanho natural e, quando eu entrei no «atelier» do meu pai, o quadro de Filippo Montera estava colocado na mesma direcção de luz natural que existia realmente no quadro. Eu, de visão lateral, vi uma pessoa ali sentada e fui falar ao senhor. Aí percebi que era o quadro.

É por isso que esse é o seu retrato eleito? E os outros.

Acho que sim. Mas o do Belmiro de Azevedo está espectacular. E o meu pai acabava por fazer a sua própria pintura por trás dos retratos. Também gosto do da Amália, do do rei Simeão II da Bulgária, do do Ramalho Eanes. Nota-se quando ele estabeleceu uma interacção bastante forte com as pessoas.

Esse conhecimento das pessoas é importante?

Quando ele faz um retrato está um período de 3, 4 semanas a conhecer a pessoa e nós acabamos por conviver com essa pessoa de alguma forma. Ele acabou por ser um grande fisionomista e um grande conhecedor da psique humana. Ao longo destes anos todos teve grandes experiências nesse sentido.

Como é que o Pedro está a lidar com a doença do seu pai?

Já estamos com este problema há cinco anos. Já lidei melhor, já lidei pior, tal como ele. Passamos por altos e baixos permanentemente; e tem muito a ver com o estado dele em cada momento. Neste momento acho que ele já ultrapassou a pior fase em termos espirituais.

Já aceitou?

Aceitou esta realidade e espiritualmente está muito melhor do que há um ano atrás. Houve épocas em que passei muito maus momentos, tinha muitos pesadelos. Este percurso tem sido muito longo em termos de sofrimento.

Entrevista de MANUELA GOUCHA SOARES

Fotografias de JORGE SIMÃO

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