O regresso das gloriosas aventuras

20-05-2001
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"Gold and Glory: The Road to El Dorado", "Escape From Monkey Island" e "O Mistério de Nôtre Dame"

O Regresso das Gloriosas Aventuras

Por MIGUEL CRESPO

Segunda-feira, 19 de Março de 2001

Tempos houve em que as aventuras gráficas valiam pelos textos. Até que as capacidades gráficas dos PC permitiram criar ambientes 3D realistas e jogos cheios de acção. E, aí, as aventuras clássicas, na "pequenês" das suas duas dimensões e do apelo à imaginação em vez da exposição, quase morreram. Mas um movimento - que se espera de renascimento - parece querer dar a volta à situação, com o surgimento de vários títulos que remam contra a maré.

Desde os primórdios, em que "The Hobbit", uma apropriação do imaginário de Tolkien, surgiu no Spectrum - com algumas imagens fixas a servirem de complemento ao texto que contava a história - até meio da década de 90, as aventuras gráficas foram ganhando lugar marcante na história dos videojogos. O expoente máximo atingiu-se com alguns dos jogos saídos dos estúdios da LucasArts, como "The Dig" ou "Full Throttle", ou da Revolution, que, com os dois episódios de "Broken Sword", dispensou o texto e criou a aventura cem por cento iconográfica. Só que, em paralelo, a semente plantada por "Wolfenstein 3D" (que terá um "remake" em breve) foi crescendo e transformou-se em "Doom", depois em "Quake", por fim em "Unreal" e "Half Life". Com o impulso destes "shoot'em up", surgiu, por outro lado, a acção-aventura na terceira pessoa e um ícone dos anos 90: Lara Croft. E as clássicas aventuras gráficas perderam espaço, público e quase morreram...

Tirando raríssimas excepções, as aventuras passaram a ser mais músculo e menos cabeça, deixando sem opções uma legião de fiéis da exploração ponderada, da resolução de quebra-cabeças, do gosto por histórias bem contadas, com personagens de cariz dramático e humorístico, capazes de sustentar diálogos espirituosos.

O novo milénio parece querer inverter um pouco a tendência, com o ressurgimento deste género aparentemente morto e enterrado. De forma tímida, algumas produções vão surgindo e, com a sua extrema qualidade, (re)criam mercado, mesmo que este seja apenas um nicho num espaço e num tempo em que a acção prevalece sobre a reflexão.

De um estúdio com grandes tradições na área, a já referida Revolution - que deu um tiro no pé com o "flop" "In Cold Blood", uma aventura em que tentaram dar um cheirinho de acção -, vem "Gold and Glory: The Road to El Dorado", adaptação do filme de desenhos animados desta produtora de Hollywood que tem batido o pé à Disney. Usando a riqueza dos personagens e da história, inspirada na lenda do conquistador espanhol Cortez, criaram uma aventura como há muito não se via. Com todos os condimentos que fazem de uma aventura um prazer - bons personagens e uma boa história, sentido de humor, quebra-cabeças inteligentes e lógicos -, "El Dorado" garante muitas horas de diversão.

O mesmo acontece com o quarto episódio de "Monkey Island", uma história no mundo dos piratas da Caraíbas da também já referida LucasArts (que não é só "Star Wars", ao contrário do que muita gente pensa). Num tom bastante cartoonesco, "Escape From Monkey Island" tem cenários deslumbrantes e mais humor que nunca, a começar logo com o riso do macaco que dá início à instalação. A propósito de instalação, este é o ponto mais negativo do jogo, pois obriga a trocas constantes entre os dois CD.

A história está ao nível do que seria de esperar, os quebra-cabeças fazem jus ao nome (mas sem serem demolidores) e os diálogos são arrebatadores, fazendo da história um delírio. Em ambos os casos referidos, podemos falar quase de desenhos animados interactivos, pois o cruzamento de linguagens é evidente.

Num estilo diferente, surge "O Mistério de Nôtre Dame", uma produção francesa de grande rigor histórico, nascido na sequência de outras adaptações de cenários históricos a aventuras. Se o estilo é diferente (aqui há uma tentativa de realismo que contrasta com o estilo "cartoon" das produções americanas referidas), o género é nitidamente a aventura, com uma vantagem importante: é totalmente em português, em mais uma iniciativa de saudar da PlayGames. Pena é que tanto rigor não se traduza numa tão grande facilidade e jogabilidade.

Para contrastar com a aposta lúdica, temos uma aproximação quase documental (até na locução solene), que passa pela música de cítara - ou não estivéssemos na Europa senhorial - e pelo objectivo: criar um relógio mecânico. Podendo escolher entre três personagens, seguimos diferentes miniobjectivos, nos quais tem de se prestar provas, que surgem como minijogos, do género desatar um emaranhado de cordas ou escalar a parede de uma chaminé, escolhendo os pontos de apoio.

O que é certo é que, a surgirem mais propostas como estas, a aventura gráfica volta a ter lugar nos computadores dos jogadores.

"Gold and Glory: The Road to El Dorado", "Escape From Monkey Island" e "O Mistério de Nôtre Dame"

O Regresso das Gloriosas Aventuras

Por MIGUEL CRESPO

Segunda-feira, 19 de Março de 2001

Tempos houve em que as aventuras gráficas valiam pelos textos. Até que as capacidades gráficas dos PC permitiram criar ambientes 3D realistas e jogos cheios de acção. E, aí, as aventuras clássicas, na "pequenês" das suas duas dimensões e do apelo à imaginação em vez da exposição, quase morreram. Mas um movimento - que se espera de renascimento - parece querer dar a volta à situação, com o surgimento de vários títulos que remam contra a maré.

Desde os primórdios, em que "The Hobbit", uma apropriação do imaginário de Tolkien, surgiu no Spectrum - com algumas imagens fixas a servirem de complemento ao texto que contava a história - até meio da década de 90, as aventuras gráficas foram ganhando lugar marcante na história dos videojogos. O expoente máximo atingiu-se com alguns dos jogos saídos dos estúdios da LucasArts, como "The Dig" ou "Full Throttle", ou da Revolution, que, com os dois episódios de "Broken Sword", dispensou o texto e criou a aventura cem por cento iconográfica. Só que, em paralelo, a semente plantada por "Wolfenstein 3D" (que terá um "remake" em breve) foi crescendo e transformou-se em "Doom", depois em "Quake", por fim em "Unreal" e "Half Life". Com o impulso destes "shoot'em up", surgiu, por outro lado, a acção-aventura na terceira pessoa e um ícone dos anos 90: Lara Croft. E as clássicas aventuras gráficas perderam espaço, público e quase morreram...

Tirando raríssimas excepções, as aventuras passaram a ser mais músculo e menos cabeça, deixando sem opções uma legião de fiéis da exploração ponderada, da resolução de quebra-cabeças, do gosto por histórias bem contadas, com personagens de cariz dramático e humorístico, capazes de sustentar diálogos espirituosos.

O novo milénio parece querer inverter um pouco a tendência, com o ressurgimento deste género aparentemente morto e enterrado. De forma tímida, algumas produções vão surgindo e, com a sua extrema qualidade, (re)criam mercado, mesmo que este seja apenas um nicho num espaço e num tempo em que a acção prevalece sobre a reflexão.

De um estúdio com grandes tradições na área, a já referida Revolution - que deu um tiro no pé com o "flop" "In Cold Blood", uma aventura em que tentaram dar um cheirinho de acção -, vem "Gold and Glory: The Road to El Dorado", adaptação do filme de desenhos animados desta produtora de Hollywood que tem batido o pé à Disney. Usando a riqueza dos personagens e da história, inspirada na lenda do conquistador espanhol Cortez, criaram uma aventura como há muito não se via. Com todos os condimentos que fazem de uma aventura um prazer - bons personagens e uma boa história, sentido de humor, quebra-cabeças inteligentes e lógicos -, "El Dorado" garante muitas horas de diversão.

O mesmo acontece com o quarto episódio de "Monkey Island", uma história no mundo dos piratas da Caraíbas da também já referida LucasArts (que não é só "Star Wars", ao contrário do que muita gente pensa). Num tom bastante cartoonesco, "Escape From Monkey Island" tem cenários deslumbrantes e mais humor que nunca, a começar logo com o riso do macaco que dá início à instalação. A propósito de instalação, este é o ponto mais negativo do jogo, pois obriga a trocas constantes entre os dois CD.

A história está ao nível do que seria de esperar, os quebra-cabeças fazem jus ao nome (mas sem serem demolidores) e os diálogos são arrebatadores, fazendo da história um delírio. Em ambos os casos referidos, podemos falar quase de desenhos animados interactivos, pois o cruzamento de linguagens é evidente.

Num estilo diferente, surge "O Mistério de Nôtre Dame", uma produção francesa de grande rigor histórico, nascido na sequência de outras adaptações de cenários históricos a aventuras. Se o estilo é diferente (aqui há uma tentativa de realismo que contrasta com o estilo "cartoon" das produções americanas referidas), o género é nitidamente a aventura, com uma vantagem importante: é totalmente em português, em mais uma iniciativa de saudar da PlayGames. Pena é que tanto rigor não se traduza numa tão grande facilidade e jogabilidade.

Para contrastar com a aposta lúdica, temos uma aproximação quase documental (até na locução solene), que passa pela música de cítara - ou não estivéssemos na Europa senhorial - e pelo objectivo: criar um relógio mecânico. Podendo escolher entre três personagens, seguimos diferentes miniobjectivos, nos quais tem de se prestar provas, que surgem como minijogos, do género desatar um emaranhado de cordas ou escalar a parede de uma chaminé, escolhendo os pontos de apoio.

O que é certo é que, a surgirem mais propostas como estas, a aventura gráfica volta a ter lugar nos computadores dos jogadores.

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